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Impossibilidade de exercer a profissão sem um seguro. Franquias são vistas como fontes de dinheiro e alvos de pacientes com má-fé. Acreditam que são empresas ricas e podem pagar a indenização. Notificação do sinistro. Três tipos de ameaça: Procon, Juizado de Pequenas Causas e Vara Cível.
André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista em São Paulo e perito judicial[1] na Odontologia.
Aplicação da lei de defesa do Consumidor
A maioria dos dentistas em São Paulo não considera a possibilidade de ser processado, por isso não contratam nenhum seguro de responsabilidade civil. O processo é uma certeza de que acontecerá um dia. No caso de um agravo de saúde durante o tratamento também pode ser coberto pelo seguro. Anexarei uma apólice padrão, da Chubb seguros.
As seguradoras são empresas gigantes, com fusões complexas entre elas. A sede de todas elas fica em Londres. Muitas empresas mantêm um grande fundo para as indenizações. A seguradora brasileira provavelmente será um braço dessas empresas fundadas na Inglaterra.
O seguro tem abrangência[2] para a situação chata de ser processado. No caso da condenação, o pagamento terá de ser imediato ao paciente, sem qualquer parcelamento (exceto se um acordo surgir). A dívida judicial causa um rombo nas finanças do consultório. Em especial, as franquias odontológicas sofrem mais com os processos e algumas não se preocupam em contratar um seguro.
Assim que o dentista proprietário sentir alguma ameaça deve abrir um sinistro no site da seguradora. Por exemplo, um paciente telefonando e exigindo o dinheiro de volta é uma situação comum. Recomendo que diga ao paciente: vá procurar seus direitos. Nunca pague a ele. Mesmo assim, ele poderá processá-los para exigir os controversos danos morais. Tudo está previsto nas leis de defesa do consumidor[3] e o dentista é considerado o fornecedor do serviço e sempre figurará nessa posição.
Notificação de sinistro
Um paciente ou um familiar dele acredita que o tratamento foi malfeito, sem qualquer justificativa científica. Às vezes, pode ter consultado outros dentistas que apontaram o erro. Com um relatório somado com pesquisas na internet, ele concluirá que o tratamento está errado e começara exigir o dinheiro de volta e ir ao Procon. Deixe que vá ao Procon, mas notifique a sua seguradora. Eles precisam saber do problema, que chama de sinistro.
Muitos proprietários mantêm um seguro, mas não se preocupam em notificar a ameaça de pacientes. A seguradora facilita as etapas. Com o aviso de sinistro, o proprietário receberá um número de um processo interno da seguradora. Todas as novidades devem ser comunicadas ao sinistro. As especialidades com maior número de ocorrências são: Implantodontia, Ortodontia e Cirurgia Oral. A com menor prevalência é a Odontopediatria. Os implantes são sessenta porcento dos processos indenizatórios. A apólice de seguros e as definições usadas pelas seguradoras, neste caso a Chubb Seguros:
1. Em caso de ações cíveis:
a) Mandado de citação;
b) Contrafé;
c) Documentos referentes ao atendimento prestado (prontuário, ficha de atendimento, exames etc. ou, no caso de não conseguir, um relatório médico minucioso);
d) Aviso de Sinistro preenchido, assinado e carimbado.
2. Em caso de ações criminais ou inquéritos policiais
a) Cópia da intimação recebida;
b) Documentos referentes ao atendimento prestado (prontuário, ficha de atendimento, exames e etc. ou, no caso de não conseguir, um relatório médico minucioso);
c) Aviso de Sinistro preenchido, assinado e carimbado.
3. Em caso de processos disciplinares ou sindicâncias instauradas pelo órgão de classe
Cópia da intimação recebida;
Documentos referentes ao atendimento prestado (prontuário, ficha de atendimento, exames etc. ou, no caso de não conseguir, um relatório médico minucioso);
Aviso de Sinistro preenchido, assinado e carimbado.
AVISO DE SINISTRO: é a comunicação formal específica de uma reclamação de terceiros efetuada durante o período de vigência da apólice ou que seja efetuada durante o Prazo Complementar ou Prazo Suplementar, que o segurado é obrigado a fazer à Seguradora com a finalidade de dar conhecimento imediato a esta da ocorrência do sinistro.
ATOS ILÍCITOS DOLOSOS: são os danos diretamente causados por qualquer pessoa ou grupo de pessoas que tenha agido contra terceiros com intenção de causar prejuízo e/ou obter qualquer tipo de vantagem.
CUSTO DE DEFESA: são todos os emolumentos, honorários advocatícios, laudos periciais, encargos de tradução, depósitos recursais, fianças, sucumbências e demais despesas (judiciais ou extrajudiciais) necessárias para a defesa do Segurado por decorrência de uma reclamação coberta pelo presente seguro
DANO: São os prejuízos e ofensas sofridos por terceiros por ação ou omissão cuja responsabilidade seja atribuída ao Segurado. Os danos são classificados em materiais, corporais, estéticos e/ou morais.
DANO CORPORAL: danos físicos às pessoas, incluindo, mas não limitado a lesão, incapacidade ou morte, perda total ou parcial de um órgão, sentido ou função decorrentes de um ato médico incidental causado a terceiros.
DANO ESTÉTICO: Transformações ou ofensa à harmonia física da pessoa, caracterizado por deformações permanentes ou de remoção total ou parcial mediante a submissão de novos atos médicos
DANO MORAL: dano causado de forma involuntária a terceiros, que traz como conseqüência ofensa a honra, ao afeto, à liberdade, à profissão, ao respeito aos mortos, à psiquê, à saúde, ao nome, ao crédito, ao bem estar e à vida, sem necessidades de ocorrência de prejuízo financeiro decorrentes de um ato médico incidental causado a terceiros.cirúrgicos, incluindo, mas não limitado a marcas, manchas, cicatrizes, hematomas e queimaduras.
DANO MATERIAL: danos físicos causados a propriedade tangível, entendidos pela presente apólice como lucros cessantes, despesa médica e hospitalar, medicamentos, viagens, contratação de serviços enfermeiros, psicólogos e demais prejuízos auferidos pelo terceiro reclamante decorrente de um ato médico incidental causado a terceiros.
As três etapas da ameaça
Existem três ameaças: Procon, processo cível no Juizado Especial Cível e processo cível ordinário. A regra aplicada será o Código de Defesa do Consumidor. Somos obrigados a ter um exemplar disponível no consultório. Recomendo a leitura e compreensão de todo o código. São dezoito páginas.
O paciente pode escrever uma reclamação ao Procon. Com isso, o dentista será chamado para uma audiência de conciliação. O conciliador proporá a devolução do dinheiro do tratamento. Portanto, prepare-se para ouvir essa proposta invariável. Se não pretende devolver o dinheiro, não compareça à conciliação. Se tiver um acordo, um valor menor, talvez metade do dinheiro, um acordo poderá ser feito e um termo de compromisso será assinado. Pagar terá um prazo de trinta dias.
Já outra modalidade popular é o juizado de pequenas causas, que oficialmente deve ser chamado de Juizado Especial Cível. Se receber uma citação da Justiça, com origem em uma vara do Juizado, entenda que aquele processo não resultará em condenação do dentista. Como o juizado não tem qualquer custo, os pacientes de má-fé costumam usar o serviço por esta gratuidade. Uma decisão padrão dos juízes dessas varas especializadas é invariável, no qual decidem pela improcedência do processo porque uma perícia dentária será necessária. Isso é invariável. No entanto, se o dentista cair na revelia[4], a condenação poderá se concretizar. Veja uma decisão de improcedência no Juizado:
Neste caso, a lide envolve a análise de matéria fática que depende da realização de perícia para ser dirimida, ante o teor dos autos. Sendo assim, a matéria fática excede a competência do Juizado trata-se de incompetência absoluta -, não podendo ser julgado dentro do sistema da Lei n° 9.099/95, pois envolve questão de fato de alta complexidade, em termos de prova, razão por que se recomenda que sua análise e julgamento se deem no âmbito procedimental mais amplo quanto à produção de provas. No âmbito probatório limitado da Justiça Especial está excluída a prova pericial técnica, esta imprescindível para a adequada análise de todos os fatos alegados pelas partes, suas causas e consequências.
A terceira possibilidade é o processo cível clássico. O pacote de acusações virá com pedidos de indenização material, danos estéticos e danos morais. A indenização material é a devolução do dinheiro. Os danos estéticos são supostos de que o paciente sofreu com a falta de um dente. E os danos morais são um caso misterioso, mas sempre surgem na condenação, normalmente dez mil reais. Veja uma condenação de julho de 2025, no Fórum do Tatuapé, São Paulo:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para confirmar a tutela de urgência concedida às fls. 251, reconhecendo o direito da parte autora ao custeio integral do tratamento odontológico prescrito, inclusive com os materiais indicados, nos termos do laudo pericial de fls. 514/529, devendo a ré providenciar sua efetivação no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de multa; condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor que deverá ser corrigido exclusivamente pela taxa SELIC, desde a data da presente sentença, incidindo a mesma taxa também a título de juros de mora a partir da citação. Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil.
Despesas e pagamentos
A devolução do dinheiro é o dano material, a coluna vertebral da indenização, pois são corrigidos por uma tabela que tem juros de um por cento ao mês. Ela é chamada de Tabela Prática do Tribunal de Justiça. A correção pode variar para outros índices: Selic ou IPCA, que depende do juiz de direito. São juros compostos e o valor fica vultoso. O seguro funcionará nessa modalidade de condenação.
O dano estético é raro nas condenações. Serão aplicados poucas vezes, exceto se um incisivo for danificado e perdido. Núcleos metálicos, coroas e implantes anteriores podem originar a condenação por danos estéticos. Os advogados sempre postulam esse dano, mesmo quando se trata de um molar ou de qualquer dente posterior. Eles não têm qualquer noção do que é zona estética da boca.
Já os danos morais são um acessório da condenação por danos materiais. Considere sempre que ambos estarão juntos: material e moral. Depois a condenação material será calculada com índices e ainda somarão uns dez mil reais. Portanto, é desagradável e causarão um rombo no consultório. Os gastos do dentista com o processo serão: advogado, custas do fórum, pagamento do perito, pagamento do assistente técnico e condenação. Costumam somar sessenta mil reais no fim das contas.
O advogado cobrará uma entrada num valor previsto na tabela da OAB. Se quiser consultá-la, procure a modalidade contestação cível. O valor é por volta de seis mil reais, em São Paulo, em 2025. Contestação é sinônimo de defesa e é bastante fácil para o advogado agir no chamado polo passivo. Eles adoram essa situação.
Por ser um fornecedor, o dentista é considerado a parte forte do processo, com capacidade financeira. Isso não é real, pois a maioria dos consultórios não tem dinheiro no caixa. O Código de Defesa do Consumidor, ou CDC no jargão jurídico, considera dessa forma e nos desfavorece em pagar tudo. O dentista não conseguirá a tal da justiça gratuita, que sempre é concedida ao paciente (consumidor), que terá mais direitos numa lide judicial.
O dentista precisará pagar a perícia e se quiser uma boa defesa, também precisará contratar um assistente técnico. A perícia pode ser pública ou particular. A pública correrá por um órgão do Estado de São Paulo chamado IMESC. Fica na Barra Funda e o serviço é lento. Pode levar dois anos para se ter um resultado. A opção por perito particular é mais rápida e mais indicada, pois dá mais flexibilidade à defesa do dentista. No entanto, pode ter um custo de cinco mil reais. O dentista não pode participar da perícia para se explicar. Isso deve ser feito por uma pessoa de confiança do dentista, chamado assistente técnico. Ele será pago também.
As taxas do fórum são múltiplas e frequentemente o dentista receberá telefonemas do advogado para depositar ou pagar alguma taxa: citação, oficial de justiça, recursos. O recurso é o mais caro e pode somar quatro mil reais. Pessoalmente, desaconselho recorrer. É caro e raramente produz efeitos favoráveis.
O ônus de sucumbência é outra despesa no qual o dentista vencido deverá pagar o advogado do paciente.
E a condenação virá. O seguro é importante nessa fase. Se a seguradora tiver sido notificada no momento certo, ela se encarregará em pagar a quantia imediata. Digamos sessenta mil reais. O rombo no consultório surgirá nessa etapa, pois o pagamento não é parcelável. Um acordo de parcelamento pode ser proposto ao paciente. Entenda que o dinheiro do tratamento, gasto pelo paciente, será devolvido e corrigido por índices pesados, somado com tudo que você já gastou durante o processo. É uma situação péssima.
Não consigo imaginar o exercício da Odontologia sem um seguro.
São Paulo, 28 de julho de 2025
(assinatura digital)
[1] Soma 319 nomeações periciais em julho de 2025.
[2] A apólice está anexada. Sugiro a leitura imediata.
[3] Código de Defesa do Consumidor – Lei Federal Nº 8.078/1990. Se achar difícil entendê-lo, você pode consultar livros com a lei comentada, nos quais cada parágrafo é explicado para o leigo. Acho uma ótima ideia ler o código comentado. Os livros custam quarenta reais.
[4] Quando a pessoa não aparece para se defender e ignora que o processo judicial existe. É uma situação desfavorável e que deve ser evitada.