• Ciência da melhoria. Uso de checklists no serviço pericial. Atul Gawande, Como fazer as coisas bem-feitas. Segurança do paciente. Conhecimento acumulado.

    Por André Eduardo Amaral Ribeiro[1]


    Para quem executa o trabalho, porém – para quem cuida dos pacientes acompanha os processos judiciais e, de modo geral, responde quando convocado pelo dever – esses julgamentos parecem ignorar a extrema dificuldade de suas atividades. A cada dia o volume de novos conhecimentos aumenta e novos fatores a considerar, no esforço para fazer o que é certo. Aliás, a falha em condições que envolvem complexidade ocorre, com muito mais frequência, apesar do esforço e não por falta de esforço. É por isso que a maioria das profissões a solução para este problema não tem sido punir, mas incentivar a experiência e o treinamento. Escreveu Atul Gawande[2], um cirurgião e endocrinologista, nascido na Índia, mas que cresceu e estudou nos Estados Unidos.

    SOBRE OS CHECKLISTS

    E ele continua: Falhas evitáveis são comuns, para não dizer desmoralizantes e frustrantes, em muitas áreas da atividade humana. A razão disso é cada vez mais evidente: o volume e a complexidade de nossos conhecimentos superaram nossa capacidade individual de aplicar seus benefícios de maneira correta, segura. O conhecimento é ao mesmo tempo nossa salvação e nossa perdição. Isso significa que precisamos de um método diferente para evitar falhas, algo que se baseie na experiência e que explore o conhecimento acumulado, mas que também considere e compense nossas inevitáveis deficiências humanas. E já dispomos desse método, embora ela pareça quase ridículo por sua simplicidade e até sem sentido para quem passou anos desenvolvendo meticulosamente qualificações e tecnologias cada vez mais avançadas. Estou falando do checklist. Como escreveu em seu prefácio.

    A origem dos checklists se deu na aviação em 1935. Afinal, não se pode errar uma vez num voo comercial ou militar. Usar checklists para decolagens jamais teria ocorrido a um piloto, da mesma maneira que nunca teria passado pela cabeça de um motorista recorrer a checklists para dar a marcha ré ou estacionar em uma vaga (p.43). Depois de terminar o livro, não tive dúvidas que deveria aplicar um checklist ao meu trabalho pericial, tanto no momento da entrevista do autor e do assistente técnico, quanto no momento de redação do laudo. Com a experiência acumulada, fui redigindo e adicionando itens a ele. Atualmente, está nesta forma:

    ( )           Dever da informação: escrita ou verbal, termos de consentimento, noção de blanket consent, avaliação sobre o entendimento do paciente nas suas expectativas.

    ( )           Fase inicial: anamnese, o planejamento de tratamento odontológicos, suas classificações em preventivos, restauradores ou estético, diagnóstico por radiografias ou tomografias.

    ( )           Execução: anotações detalhadas das consultas, avaliação de improvisações ou más-práticas, intervenções de outros dentistas, avaliação do cumprimento do contrato de tratamento.

    ( )           Paciente/autores: grau de colaboração, relatos incoerentes e exagerados.

    ( )           Documentação obrigatória: prontuário odontológico, riqueza ou omissão de anotações em cada consulta.

    ( )           Entendimento: avaliação da expectativa real ou irreal do paciente acerca do tratamento dentário, pois boa parte deles tem a visão distorcida por pesquisas na internet.

    ( )           Custos: valores irreais.

    ( )           Distinção entre fatores intrínsecos e extrínsecos relacionados a mão do dentista.

    ( )           Informações assimétricas: empenho da equipe odontológica em esclarecer o tratamento ao paciente.

    ( )           Sequelas e prejuízos à saúde do paciente.

    ( )           Conceitos: éticos e consumeristas se aplicáveis ao exame pericial.

    ( )           Cirurgia já realizada com intermediação do plano de saúde

    ( )           O cirurgião era credenciado. Os honorários foram pagos pelo paciente. 

    ( )           Recusa do material em quantidade ou em qualidade.

    ( )           Junta médica, avaliação presencial. Exames foram enviados para a junta.

    ( )           Intervenção na ATM.

    ( )           Tratamento ortodôntico prévio, escolha do benefício antecipado.

    ( )           Uso de enxertos autólogos, heterólogos.

    ( )           Cirurgia na crista ilíaca.

    ( )           Planilha de materiais presentes.

    ( )           Uso de formulários pré-formatados pelas equipes de saúde.

      Verifico todos estes itens durante a entrevista do paciente na perícia e depois na redação do laudo. Não o considero ainda como definitivo, pois questões novas surgem a cada ano e a lista vai crescendo.

    Não se deve confundir um checklist com um trabalho pré-formatado, porque o trabalho pericial deve ser flexível. Textos pré-formatados são inaceitáveis.

    As sequelas aos tecidos duros (dentes e ossos) são normalmente avaliadas por radiografias. Já os danos aos tecidos moles são avaliados por exame clínico e fotografias.

    Outra vertente de análise pericial é aquela relacionado aos procedimentos hospitalares em Cirurgia Bucomaxilofacial. A pesquisa e contagem dos OPMEs deve ser feita com auxílio de planilhas com os nomes dos materiais e comparações entre pedidos e material efetivamente usado. O uso de formulários pré-formatados ou sem datas sempre foi contraindicado, como nos casos de termos de consentimento genéricos, juridicamente conhecidos como blanket consent[3]. Já abordamos o problema do consentimento genérico no nosso artigo para o Journal of The Brazilian Medical Association, em março de 2022.

    Para ser direto nas perguntas, o perito precisa ter conceitos de Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil na Saúde, temas com os quais tenta se manter atualizado.

    Sobre a importância do exame físico do paciente na literatura[4] :

    Entrevista do paciente e História do Problema Dental do Paciente: o diálogo entre o paciente e o profissional deve incluir todos os detalhes pertinentes à queixa principal. A conversa deve ser direcionada pelo clínico no intuito de produzir uma narrativa concisa e clara, que cronologicamente descreva toda a informação necessária sobre os sintomas e o agravo deles.

    Costumo dizer que existem duas divisões de perícias em Odontologia: a ambulatorial e a hospitalar, sempre relacionada aos OPME (órteses, próteses e materiais especiais.

    Para a perícia de tratamento ambulatorial costumamos ver falhas do dentista, que são agravadas pela falta de prontuário, falta de termo de consentimento e falta de exames diagnósticos. A área com maior número de processos indenizatórios é a Implantodontia. Em segundo lugar vem a Ortodontia.

    Já em Cirurgia Bucomaxilofacial, a questão sempre gira em torno da negativa de materiais e as acusações de superfaturamento dos OPME.

    Vejam uma conclusão pericial minha e recente sobre uma paciente que perdeu seus implantes:

    Falha na documentação do tratamento: prontuário sem informações obrigatórias fls. 100.

    Falha na avaliação pré-operatória: autora tinha doenças sistêmicas que não foram avaliadas ou consideradas (hipertensão arterial sistêmica e diabetes). A tomografia pré-operatória não foi feita como preconizada.

    Falha no controle da dor pós-operatória: explicação no quesito 7.

    Falha no controle da infecção e perimplantite: explicação no quesito 5.

    Má posição dos implantes, sem paralelismo (radiografia do item 4).

    A autora contratou dez implantes e não aproveitou nenhum deles. O tratamento da requerida não promoveu a saúde bucal da autora. A autora teve de custear a remoção dos dez implantes com outro profissional, fls. 45. Os implantes foram retirados após onze meses.

    O tratamento necessita ser refeito quer com novos implantes, quer com próteses removíveis comuns.

    Ficou claro que ela não assinou nenhum termo de consentimento, não foi informada dos riscos que correria. Tampouco foi avaliada por meio da anamnese, pois era diabética e hipertensa. Os implantes foram feitos sem qualquer informação sobre essas duas doenças crônicas. Depois, houve falha na geometria dos implantes dentro o osso, um deles vestibularizado, com exposição das espiras, visível com cor escura sob a gengiva da paciente. Este foi o primeiro implante a ser perdido. Ainda não houve prescrição de medicamentos comprovada pelos dentistas. A paciente se queixou da rotatividade dos dentistas, pois foi atendida por um dentista diferente a cada consulta que ia. Isso não foi nenhuma falha ética, mas considerei apenas para entender se cada novo dentista teria informações escritas sobre o que foi feito. E esta é a lógica do prontuário bem redigido. Entenda que seu prontuário deverá conter informações suficientes para que qualquer dentista que pegue o caso, consiga entender o que já foi feito, como foi feito e o que falta ser feito.

    AVALIAÇÃO DO PRONTUÁRIO AMBULATORIAL

    O pior problema dos prontuários são as descrições em uma só linha, por exemplo: exodontia do 26, implante do 11, endo do 24. Não escreva dessa forma.

     Escreva por extenso e se livrará de problemas futuros: cárie no dente 24, necrose pulpar, sem resposta a nenhum teste térmico, radiografia periapical, indicação de tratamento endodôntico, anestesia (1 x prilocaína), cirurgia de acesso, NaClO[5], lima 25 para pulpectomia, dois canais V e P, Ca(OH)2[6], IRM. Cetoprofeno 100 mg , VO, a cada 12 horas, por cinco dias. Retornar em sete dias. CID 10: K.02. e K.04.1

    Veja que conteve o nome da patologia que deu origem (cárie e necrose pulpar), métodos para o diagnóstico (radiografia periapical e testes térmicos), depois o tratamento proposto (tratamento endodôntico por pulpectomia), sal e quantidade anestésica usada (um tubete de prilocaína), procedimentos naquela consulta (cirurgia de acesso, lavagem com hipoclorito de sódio, instrumentação com lima 25, localização de dois canais, uso de medicação intracanal com hidróxido de cálcio). Selamento com IRM. Depois a medicação prescrita (cetoprofeno 100 mg por via oral). Usamos abreviaturas e foi claro para qualquer dentista que venha atender o paciente na próxima consulta, que não seja você.

    Acho excelente usar o CID sempre. Memorize para usar como abreviatura dos diagnósticos: K. 02 para cáries, K.04 para doenças pulpares e K.05 para doenças periodontais, isso garantirá segurança do seu prontuário, sem gerar dúvidas sobre as patologias em tratamento. É uma ótima prática.

    Mas a maioria dos prontuários que vêm para uma perícia judicial escrevem Endo do 24. Isso lhe trará problemas, tenha certeza disso.Escreva direito e seja claro, portanto. A avaliação do prontuário é a questão mais importante nos casos ambulatoriais, veja o item do checklist: Documentação obrigatória: prontuário odontológico, riqueza ou omissão de anotações em cada consulta, lá em cima.

    Penso em escrever uma explicação sobre cada item do checklist aqui no Linkedin. Na medida do meu tempo.

    São Paulo, 25 de novembro de 2024


    [1] Perito judicial em Odontologia, nomeado 281 vezes no TJ-SP, TJ-AL, TRT-15, TJ-PR e TJ-MG

    [2] GAWANDE, Atul, Checklist – Como fazer as coisas bem-feitas, Editora Sextante, 2023.

    [3] Cabar, RIBEIRO, Gorga; Civil sentencing in health care and their relation with blanket consent in rulings from the Court of Appeals of the State of São Paulo. Journal of The Brazilian Medical Association; Volume 68, Number 3, March, 2022.

    [4] COHEN, Caminhos da Polpa, 5ª edição, Editora Elsevier, Rio de Janeiro, 2010, p. 9.

    [5] Hipoclorito de sódio, em sua fórmula química.

    [6] Hidróxido de cálcio, em sua fórmula química.

  • Queixas sobre a atuação das juntas odontológicas na avaliação dos OPME em nas cirurgias ortognáticas em São Paulo. Conceito das informações assimétricas em falta[1].

    Caixa de Texto: Embora os cirurgiões se queixem nos processos cíveis muitas falhas existem nos pedidos: até mesmo a falta de datas nas solicitações de OPME foram vistas em petições com as quais se pretende até R$ 400.000,00 em próteses customizadas. Claro que existem as más-intenções das juntas odontológicas, mas o dentista deve conhecer o conceito de informações assimétricas, emprestado de teorias econômicas, agraciadas com um Prêmio Nobel de Economia, 2001.

    Embora haja críticas justas sobre a falta de transparência nos processos de juntas odontológicas, regidas pela Resolução Normativa nº 424 da ANS, de 26 de junho de 2017, os cirurgiões solicitantes não têm agido com precisão em seus pedidos endereçados às maiores operadoras de saúde do Brasil. Após a redação de laudos para a Justiça Cível de São Paulo, tenho notado falhas recorrentes que atrasam os processos administrativos e impedem a cirurgia ortognática de seus clientes.

    Obviamente, as operadoras desejam reduzir os custos quando os OPME são solicitados. Mas os dentistas são descuidados e permitem muitas brechas para juntas odontológicas (JO) mal-intencionadas usem o mínimo de esforço para negar a cirurgia.

    No entanto, o cirurgião bucomaxilofacial deve aprender o conceito de informações assimétricas. Este conceito foi apresentado em um artigo de um ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001, Prof. George A. Akerlof, no texto[2] The Market for “Lemons”: Quality Uncertainty and the Market Mechanism.

    O cirurgião sabe tudo sobre a patologia de seu paciente: a duração, os tratamentos prévios que falharam, o tratamento atual que se pretende, os exames complementares usados para se chegar ao diagnóstico. Embora, raramente tenha o ânimo de informar à JO todas essas informações. Logo, a junta pouco sabe sobre o caso e o cirurgião não a instrui com os textos, documentos e exames necessários. A analogia se faz ao mercado de carros usados. O vendedor sabe tudo sobre os problemas do carro que pensa em vender. Já o comprador, quase nada sabe. No idioma inglês, o mercado de limões se refere aos carros ruins que estão no mercado, sem que o comprador possa ter acesso a todas as informações sobre o estado do motor, suspensão, sistema elétrico. E o vendedor pode omiti-los para cumprir sua intenção de venda.

    Na Cirurgia Bucomaxilofacial ocorre o mesmo, embora saiba tudo sobre o caso clínico, o cirurgião bucomaxilofacial não faz qualquer esforço para instruir a JO. E acaba com seu pedido negado, levando a um atraso na cirurgia e na necessidade da contratação de advogados pelo seu paciente-cliente.

    Uso de formulários pré-formatados, embora pareça prático, a falta de revisão leva o pedido para patamares maiores de preço e posso citar como exemplo mais comum, a falta de apagar uma linha, usada em um pedido anterior, com o pedido de enxertia de crista do ilíaco. Essa grande falha muda o rumo da cirurgia, pois aumenta a complexidade dela com a suposta da necessidade de uma equipe médica de Ortopedia. Pedidos que contenham uma linha não revisada, com uma menção errada à necessidade da retirada do osso do quadril fizeram com que os desempatadores tenham usado isso para bloquear o andamento do processo. E com razão por que a cirurgia ortognática tomará outro rumo. Logo, uma simples revisão, com o apagamento da simples linha poderá economizar tempo.

    A falta de enumeração dos exames complementares é um obstáculo que dá margem às juntas para negativas. O pedido do cirurgião não descreve ou não anexa as imagens que gostaria que a JO deveria observar. Às vezes, há o contentamento em escrever algo como: todos os exames acompanham. Para se evitar atrasos, esses exames devem ser enumerados e datados, p.ex. tomografia datada em 25 de abril de 2018 acompanha o pedido, de modo a evitar generalizações na especificação dos exames.

    A falta de assinaturas datadas, com o carimbo do cirurgião vem como recorrente. Isso dificulta na apuração pericial, para se formular uma cronologia e dar razão aos especialistas em CTBMF. É um dos erros mais comuns notados.

    A falta de um pedido de intenção de que o paciente seja avaliado presencialmente. A troca de mensagens entre cirurgião e operadora se dá por e-mail, mas raramente há a intenção de que seu paciente seja avaliado em pessoa, quer pelo desempatador, quer pela operadora. Em entrevista com pacientes, dizem que nunca foram a qualquer consultório para serem avaliados. Embora muitos desempatadores usem a prerrogativa da RN nº 424, a avaliação indireta torna-se muito cômoda e permite com que mais relatórios denegatórios sejam produzidos diariamente, o que aumenta os ganhos do desempatador. Um artifício que pode ser usado seria pedir que a junta odontológica apresente uma foto do paciente em seu relatório, de modo a obrigá-los e atender presencialmente o beneficiário do plano de saúde.

    Quando a operadora oferece o nome de três ou quatro desempatadores, raramente vejo dentistas que escolhem um deles. Esta é outra prerrogativa que pode ser usada em favor de seu paciente.  

    Quando se trata de cirurgias ortognáticas, o cirurgião costuma a mandar uma lista padrão do OPME, sem preocupar-se em adequar ao caso tratado. Muitas vezes, materiais caros está na lista e que não serão usados, e como melhor exemplo cito próteses customizadas, que sequer serão usadas. O alto custo da prótese customizada serve para a junta justificar que as próteses de prateleira possam se usadas, sem justificativas. Fica prático negar.

    A organização dos pedidos de internação deve ser regra, sem deixar espaços para más intenções de juntas odontológicas duvidosas. Outra boa prática, rara também, é a possibilidade de se perguntar por escrito questões que devem ser respondidas pela JO. Isso obriga a junta a atentar-se, portanto. É um artifício valioso e quase nunca usado pelo cirurgião. Considero essencial questionar a JO por escrito.

    Caso todas essas sugestões sejam lançadas nos pedidos, nada garante a aprovação do pedido. Consequentemente, começam as batalhas de liminares judiciais e tenha certeza que existem muitos julgamentos e súmulas que já pacificaram o supremacia do cirurgião assistente sobre as negativas arbritárias da juntas. Destaque para a mais importante delas, dentro do TJ-SP:

    Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.

    Então, já existe vantagem jurisprudencial para o paciente, mas que não vem sendo usada da melhor forma pelos cirurgiões CTBMF do Estado de São Paulo.

    Foi minha análise.

    São Paulo, 3 de novembro de 2024

    (assinatura digital)


    [1] Artigo de opinião, por André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista, perito no TJ-SP com 277 nomeações nas varas cíveis na área Odontologia

    [2] AKERLOF, The Quarterly Journal of Economics, Vol. 84, No. 3. (Aug., 1970), pp. 488-500.

  • Avalanche de pedidos de próteses customizadas de mandíbula e maxila. Indústria das liminares.

    Próteses customizadas na Cirurgia Bucomaxilofacial e cirurgia pré-protética. Limites entre o ambulatorial e o hospitalar. Advocacia da cópia. Quesitos para perícias judiciais. Próteses customizadas somadas a muitos enxertos. Pular etapas ambulatoriais.

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    Por André Eduardo Amaral Ribeiro[1]

    Palavras-chave: quesitos, perícia judicial, odontologia

    #quesitos #periciajudicial #odontologia


    Ninguém alcançará o sucesso por copiar os outros, disse Pablo Picasso. O pintor odiava pintar quadro clássicos. Ele não copiava outros pintores, embora dominasse perfeitamente a técnica. Pablo Picasso criou o primeiro quadro cubista em 1905. A lenda diz que Picasso teve a ideia ao ver um espelho estilhaçado no chão. A partir daí, começou a estudar a fragmentação ou decomposição das imagens, segunda sua apurada técnica e criatividade infinita. Picasso foi o artista mais rico e o único a conseguir um quadro de um artista vivo, exposto no museu do Louvre.

    Infelizmente, cópias de ideias é o que mais vemos na Advocacia – muitas delas ideias péssimas – no meio de advogados que não se conhecem. Uma tendência que cresceu em 2024  no Tribunal de Justiça de São Paulo. E foram as centenas de pedidos e tentativas de se obter uma liminar para se aplicar enxertos ósseos extensos e próteses customizadas em pacientes que tinham dificuldade na retenção de próteses totais ou próteses sobre implantes. Esta é a diferença, no meu entendimento. Em 2019, a epidemia processual eram os implantes zigomáticos, que ninguém sequer lembra hoje.

    PRÓTESES CUSTOMIZADAS PAGAS PELAS OPERADORAS DE SAÚDE

    Sim. Até são possíveis, se os requisitos forem cumpridos. O advogado deve conhecer os requisitos e as tendências.

    Considero válido quando muitos tratamentos foram feitos e todas as possibilidades ambulatoriais fossem esgotadas. Por exemplo: o paciente usava próteses totais, depois tentou um protocolo de Branemark, tentou enxertos ósseos em consultório. Após alguns anos, tudo falhou. Esta é a primeira versão dos processos e pedidos de liminares. Essa versão tem lógica, pois os tratamentos foram progressivos. Sempre observo se o paciente pagou por enxertos feitos na cadeira do dentista, quanto tempo se passou e se houve falha. Na literatura[2]:

    Protocolo de Branemark: Instalação de Quatro Implantes na Maxila Anterior — Para o paciente com altura óssea vertical anterior adequada, o plano de tratamento para implantes anteriores para fornecer suporte a uma sobredentadura, quatro implantes devem ser instalados. A instalação de pelo menos quatro implantes é recomendada para uma sobredentadura implantossuportada na maxila, pois menos de quatro implantes superiores previsivelmente não resistirão às forças exercidas neles. Dois implantes são contraindicados para reter uma sobredentadura superior. Radiografias pré-operatórias e um exame físico podem revelar altura e espessura do rebordo alveolar. Quatro implantes na maxila anterior, geralmente combinados com conexões antiestresse verticais instaladas nas porções distais, são utilizados para dar suporte a uma barra rígida. Os implantes maxilares anteriores devem ser instalados dentro dos limites dos bordos da prótese planejada e não vestibular aos bordos dos dentes. Os implantes devem ser instalados para evitar o contato dos dentes na sobredentadura e permitir espaço para confecção da barra das bordas incisais dos dentes inferiores fornece informação importante e evita conflitos de espaço entre os dentes inferiores e a porção palatina da sobredentadura e da barra subjacente. Na cirurgia, o cirurgião deve compreender o plano protético e reconhecer as localizações ideais dos implantes. Geralmente, estes implantes podem ser instalados ligeiramente palatinizados em relação à crista para ancorar-se mais no osso palatino, fornecendo uma largura mais espessa do osso vestibular.

    Por outro lado, os advogados forçam a barra quando acreditam que a simples classificação da lide em Direito do Consumidor não os obriga a provar nada. Existe um escritório ridículo em São Paulo que vive desse tipo de demanda. O advogado finge acreditar que a demanda é consumerista e, portanto, não precisa de nenhum tipo de perícia.

    Essas falsas equipes tentam fugir das perícias e apostam sempre no julgamento antecipado da lide. E para informá-los (embora eles não ouçam), as câmaras de Direito Privado no TJ-SP reformam as sentenças prolatadas desse modo, sem qualquer perícia. A porcentagem dessas sentenças é de dois por cento, segundo minha experiência. Exceto, quando a prova pericial tem a preclusão determinada, seja por falta de pagamento, seja por outra razão. São raras. Estas falsas equipes de advogados não defendem seu cliente, apenas tentam se desculpar com ele após afirmar que usou um atalho – que se entende como tentar fugir da perícia no Primeiro Grau. Mas a sentença será reformada e remetida para a instância inferior. Na doutrina[3], a interpretação é intencionalmente falsa e sempre se copia em todos os processos do pouco conhecido escritório em São Paulo:

    Trata-se da aplicação do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual pode ser facilitada a defesa dos direitos do consumidor por meio da inversão do ônus da prova, o que fica ao “critério do juiz, quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. Portanto, tal inversão não é automática, dependendo de circunstâncias concretas que serão apuradas pelo juiz no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor. Dentre tais circunstâncias concretas está a piora no estado do paciente, que evidencia a verossimilhança da alegação.

    A tentativa de burlar a lógica é a de tentar avançar um caso de uma paciente que usa próteses totais sem retenção, por meio de um pedido malfeito a um plano de saúde, que então tenta pedir uma prótese customizada somada com muitos enxertos e com custo de duzentos mil reais. Então, a simples ideia de pular etapas, quando ao verificar a falta de retenção em próteses totais, o passo seguinte seria tentar a melhora dos rebordos com enxertos (em ambulatório), que são procedimentos odontológicos. Outro sofisma desses falsos escritórios.

    A função do implante é agir como um pilar para um dispositivo protético, similar a raiz e a coroa de um dente natural. O objetivo da Implantodontia é devolver ao paciente desdentado a condição de normalidade no que diz respeito ao contorno facial, conforto, funcionalidade, estética, fala e saúde, independentemente da condição de atrofia existente, doença ou lesão do sistema estomatognático (MISCH, 2008)

    O cotidiano do dentista é esse: tentar vencer a falta de rebordos ósseos e conseguir retenção nas próteses totais. Essa etapa é cara e o paciente deve custeá-la. A alegação de que na minha avaliação, não é mais possível melhorar esse rebordo são as justificativas que vemos nos pedidos de cirurgia dirigidos às operadoras de saúde. Os pedidos serão negados pelo auditor individual e pelo profissional desempatador.  Numa conclusão pericial recente:

    A perícia entendeu que a ideia da cirurgia não seria uma continuação lógica de um tratamento odontológico no qual a autora viesse se submetendo há anos, no qual todas as possibilidades terapêuticas tivessem sido tentadas e todas falhassem.  Pacientes que perderam os dentes são uma das queixas mais comuns do cotidiano da Odontologia. As próteses dentárias em suas muitas modalidades deveriam ser tentadas. Em tese, uma prótese total comum poderia reabilitar o arco superior da autora. Ela sequer tentou essa alternativa de modo que a comprovasse nos autos. Por exemplo: a autora tivesse comprovado que tentou três vezes novas próteses e todas falharam. Não ocorreu por meio de provas. Já o arco inferior, mais difícil, poderia ser melhorado com enxertos ósseos e implantes, para melhorar a retenção de qualquer prótese. A autora não comprovou que tivesse tentado, não comprovou que o tratamento tivesse falhado. O mesmo exemplo do parágrafo anterior pode ser usado. Logo, não se pode pular a etapa odontológica tradicional e aceitar uma cirurgia hospitalar complexa. A autora sequer demonstrou conhecer os riscos da cirurgia que pretende sabe, que são muitos, inclusive o risco de total falha no procedimento. São Paulo, 6 de dezembro de 2024. (assinatura digital, André Eduardo Amaral Ribeiro).

    E a lista de materiais que o dentista pretendia ver era:

    uma placa para reconstrução total personalizada fabricada por meio de sinterização por fusão a laser em titânio trabeculado do rebordo alveolar da maxila sob medida, em titânio trabeculado, com tratamento de superfície em SLA para aumento da óssea integração, fabricada por meio de sinterização a LASER (Fabricante CPMH).

    vinte e cinco parafusos 2.0 em titânio com tratamento superficial SLA (fabricante CPMH) – para fixação da placa.

    três Bio-Oss Collagen com 250mg.

    duas membranas absorvíveis dupla camada 25x25mm Bio-Gide para região de Mandíbula (Região inferior).

    um dissector para incisões delicadas em mucosa oral, com controle de sangramento pela cauterização dos vasos sanguíneos.

    uma lâmina reta reciprocante Stryker.

    uma broca esférica para desgastes nas paredes anteriores para melhor adaptação da placa.

    duas pontas piezzo, para osteotomias e osteoplastias, minimizando riscos de lesões na mucosa palatina e lesão de vasos sanguíneos.

    dois kits de irrigação – para irrigação do motor piezzo durante seu uso – prevenindo superaquecimento.

    duas membranas absorvíveis dupla camada 25x25mm Bio-Gide.

    um kit de neuromonitorização NeuroSing® (localizador e estimulador neural devido à proximidade do nervo facial e mandibular, evitando-se paresias).

    um Probe Monopolar.

    quatro Eletrodos agulha dupla.

    um eletrodo agulha única.

    duas membranas Biotek 50×50 mm.

    duas Membranas BioGuide 30 x 40 mm.

    dois enxertos Bioss, 2 g, Small.

    dois  enxertos em pasta Aktbone com 10 cc.

    duas Telas absorvíveis Inion 7 x 7 cm.

    trinta parafusos absorvíveis Inion.

    dois Endogain 0,3 ml.

    um kit com LPRF com dois tubos.

    uma ponteira Flush Cut Razek.

    Só que não deu certo.

    QUESITOS PARA SUA PERÍCIA EM ODONTOLOGIA

    A melhor sugestão que tenho seria apresentar com: (1) um conceito de Odontologia sobre o caso, (2) transcrição de um trecho de obra de referência em Odontologia; (3) um conceito sobre responsabilidade civil.

    Quando trabalho como assistente técnico, uso 20% ou 25% dos quesitos relacionados com a responsabilidade civil do dentista. A doutrina do livro acima defende que a obrigação do dentista é contratual ou também conhecida como obrigação de fim. A doutrina não é inflexível, pois entende que existem casos que não se pode aplicar a regra. Já em casos estéticos, a doutrina entende que a obrigação sempre é de finalidade: lentes de contato dentárias, clareamento dental, facetas, próteses em áreas anteriores. Nestes casos, o dentista deve ser perfeito. Na literatura[4] e outra[5]:

    Na área da saúde estamos sempre às voltas com o estudo das obrigações de meio e de resultado. Tal estudo merece especial destaque no tema da cirurgia plástica, definida como espécie de cirurgia geral, que tem como finalidade reconstruir, modificar ou embelezar a parte externa do corpo do paciente, podendo ser reparadora ou estética. Entende-se por cirurgia plástica reparadora o procedimento necessário à preservação da integridade física ou da vida do paciente. Sua finalidade é terapêutica. Dá-se como exemplo a correção de queimaduras deformantes. A cirurgia plástica estética não é procedimento necessário. Sua finalidade é embelezadora. Como exemplo, a correção de rugas advindas da idade. Na cirurgia reparadora, por ser terapêutica e necessária, suas obrigações são de meio. Por outro lado, já que a cirurgia plástica estética é eletiva, desnecessária para fins terapêuticos, a conclusão a que se costuma chegar é a de que o médico obriga-se a alcançar o resultado prometido. Para a sua responsabilização, segundo essa corrente de pensamento, basta a prova da ação e de sua ligação com o dano, sem que seja incumbência do lesado demonstrar a culpa do médico.

    Então, podemos fazer um paralelo se como a Odontologia fosse a Cirurgia Plástica estética na Medicina. Pense assim, que sempre acertará nas suas argumentações jurídicas, em suas petições iniciais e em seus quesitos, se for o assistente técnico com Odontologia.

    Quanto às partes técnicas, cerca de 75% a 80% em teoria científica, sempre acompanhada de um texto de um livro de Odontologia. Veja esse exemplo, que escrevi para uma grande faculdade aqui de São Paulo:

    Quesito 14- Na literatura[6] odontológica abaixo, a obra traz alguma menção à relação entre anestesia e acidentes vasculares cerebrais?

    As respostas alérgicas aos anestésicos locais incluem dermatite (comum nos funcionários dos consultórios dentários), broncoespasmo (ataque asmático) e anafilaxia sistêmica. As mais frequentemente encontradas são as reações dermatológicas localizadas. Respostas alérgicas potencialmente letais relacionadas com anestésicos locais são, de fato, raras. A hipersensibilidade aos anestésicos locais do tipo éster — procaína, propoxicaína, benzocaína, tetracaína e compostos relacionados, como penicilina G procaína e procainamida — é muito mais frequente. Os anestésicos locais do tipo amida são essencialmente livres desse risco. Entretanto, relatos de literatura e de questionários de histórias médicas indicam que a suposta alergia aos fármacos do tipo amida parece estar aumentando, embora a avaliação subsequente desses relatos em geral indique casos de superdosagem, idiossincrasia ou reações psicogênicas. A alergia a um anestésico local do grupo amida não impede o uso de outras amidas, porque não ocorre alergenicidade cruzada. Com a alergia aos anestésicos do grupo éster, entretanto, a alergenicidade cruzada ocorre; assim, todos os anestésicos locais do tipo éster são contraindicados quando há história documentada de alergia aos ésteres.

    Acredito que seguir esses três conceitos será sua melhor estratégia.

    Outra questão é a diferenciação entre fatores intrínsecos e fatores extrínsecos, apurados por meio de perícia judicial em Odontologia.

    São Paulo, 17 de dezembro de 2024


    [1] Perito judicial em Odontologia, nomeado 282 vezes no TJ-SP, TJ-AL, TRT-15, TJ-PR e TJ-MG.

    [2] Atlas Cirúrgico na Implantodontia, Block, 3ª edição, Editora Elsevier, p. 119-120.

    [3] TAVARES, Responsabilidade Civil: responsabilidade civil na área da saúde, coordenadora Regina Beatriz Tavares da Silva.  Segunda edição, São Paulo: Saraiva, 2009. – (Série GV-law).

    [4] TAVARES, Responsabilidade Civil: responsabilidade civil na área da saúde, coordenadora Regina Beatriz Tavares da Silva.  Segunda edição, São Paulo: Saraiva, 2009. – (Série GV-law), p. 134.

    [5] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 366.

    [6] MALAMED, Manual de anestesia local; Stanley F. Malamed; Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 328.

  • Distinção entre fatores extrínsecos e intrínsecos do tratamento odontológico.

    Distinção entre fatores extrínsecos e intrínsecos do tratamento odontológico. Quesitos para perícias judiciais. Acidentes e complicações em Endodontia; controle da dor pós-operatória. Diferença entre culpa e má-prática odontológica. Dor instalada e analgesia preventiva.

    Por André Eduardo Amaral Ribeiro[1]

    Palavras-chave: #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos

    #quesitos #periciajudicial #odontologia


    A sua nomeação para uma perícia odontológica na Justiça Cível teve um motivo que a justificou. O juiz de direito tem dificuldade em entender os procedimentos da Odontologia. Logo, são causas difíceis de julgar, que normalmente os magistrados não gostam, então terceirizam o problema para alguém disposto a escrever sobre o tema. Portanto, o perito deve esclarecer e ter tato para entender o que o juiz precisará no laudo para ajudá-lo na sentença.

    Existem duas categorias relacionadas às responsabilidades do dentista: fatores extrínsecos e fatores intrínsecos do tratamento. Às vezes, os dois podem fazer parte do mesmo procedimento.

    Fator intrínseco: aquele que dependeu totalmente das mãos do dentista.

    Fator extrínseco: aquele que não dependeu da mão do dentista.

    Vou exemplificá-los usando a Endodontia, seus acidentes e suas complicações. No caso, veremos dois livros: Acidentes e Complicações no Tratamento Endodôntico, de Clóvis Bramante e Terapêutica Medicamentosa Em Odontologia, de Eduardo Andrade.

    FATORES EXTRÍNSECOS EM ENDONTIA

    O primeiro livro[2] está dividido em nove capítulos – acidente e complicações em (1) isolamento do campo operatório; (2) na abertura coronária; (3) na instrumentação; (4) na irrigação; (5) na medicação intracanal; (6) na obturação do canal; (7) no pós-tratamento; (8) causas não iatrogênicas.

    Um exemplo de fator intrínseco é a deglutição do instrumento endodôntico, vamos considerar uma lima (p.7). Se o paciente engoliu o instrumento, não havia isolamento absoluto. O isolamento absoluto é de opção do dentista – isolou ou não isolou o campo operatório; se isolou, o isolamento não estava benfeito. Logo, por lógica, não podemos culpar o paciente, embora muitos advogados tentem defender essa postura (é uma defesa muito fácil de se fazer), mas eles não conhecem a literatura da Odontologia. Poderão também dizer que o paciente tem o dever de cuspir ou tossir quando uma lima cair em sua garganta ou faringe bucal. Na análise pericial, sabemos que o isolamento é obrigatório. Não existe literatura que impeça o uso de dique de borracha. Então, se o perito sabe da existência do isolamento, deverá perguntar ao paciente durante a entrevista pericial, de uma forma disfarçada, se o paciente lembra de algo parecido com um borracha de bexiga, e do arco de Ostby (ou semelhante). Caso o paciente negue, observar se existe algum sinal de grampos nas radiografias periapicais, resolverá a dúvida – portanto, o dique foi usado ou foi negligenciado? Se não houve isolamento, tivemos uma escolha sob controle total do dentista – o que entenderemos com fator intrínseco.

    Outro exemplo – paciente deglute hipoclorito de sódio. O raciocínio será o mesmo. O perito deve descobrir se o isolamento foi corretamente aplicado. Se não houver uma radiografia periapical com imagem de um grampo, ou o paciente não saiba dizer, então vamos concluir pela ausência do isolamento com dique de borracha. Novamente, será um fator intrínseco. Fatores intrínsecos levam à conclusão pela culpa. Não escreveremos culpa, mas escreveremos má-prática odontológica. Esses termos são importantes. Nunca escreva culpa, pois o decreto de culpa é ato privativo do juiz de direito. Lembre-se que você foi nomeado para tomar decisões e concluir. Você não foi nomeado para descrever ou explicar procedimentos odontológicos. Entenda isso.

    Como a conclusão apontou a má-prática odontológica, o juiz poderá decretar a culpa e decretar a indenização. Você deverá entregar esta informação no laudo obrigatoriamente, você deve se decidir. Do contrário, você não sabe escrever um laudo.

    Outro exemplo: sub-obturação. É um fator totalmente intrínseco, depende integralmente das mãos do dentista. A qualidade da obturação, o limite apical e a ausência de bolhas podem ser observados facilmente numa radiografia periapical. Se houvesse sub-obturação, então já poderíamos assinar a má-prática odontológica.

    E a formação de degrau? Fator intrínseco. Considero como intrínsecos: degrau, falso canal, desvio apical, deformação do forame, desgaste da parede do canal, subinstrumentação, sobreinstrumentação, fratura de instrumento, abertura coronária insuficiente, desgaste acentuado, fratura de broca, perfuração (no livro[3], capítulos 3 e 4). Quase todos podem ser avaliados por uma boa radiografia periapical.

    Se o dentista réu não apresentar uma radiografia periapical final e alegar que usa alguma técnica diferente (que não indique radiografar o paciente no fim do tratamento endodôntico), ele deverá pedir as provas, nos autos com uma radiografia, para comprovar aquilo que entende ser a prova da boa qualidade de seu trabalho. Um advogado sozinho, sem assistente técnico jamais conseguirá juntar tal prova. O perito pode solicitar – nos autos e sempre antes da perícia– que o paciente compareça com uma radiografia periapical, tomada alguns dias antes.

    FATORES INTRÍNSECOS EM ENDODONTIA

    No capítulo 8 do livro de Bramante, vemos quatro subitens: pericementite, abscesso dentoalveolar, alteração da cor e fratura coronorradicular. E então? Temos fatores intrínsecos, pois mesmo com a técnica endodôntica perfeita, o paciente pode sofrer dor pós-operatória (pericementite) ou uma infecção após a obturação do conjunto de canais (abscesso). Se o dentista prescrevesse uma medicação para a dor, ele poderia se livrar da avaliação por má-prática.

    Pessoalmente, prescrevo para todos os pacientes alguma medicação. Normalmente, quando estou trabalhando no SUS, na UBS, uso paracetamol 500 mg ou diclofenaco 50 mg. Quando o paciente já veio com dor instalada, prescrevo cetoprofeno 100 mg intramuscular ou diclofenaco sódico 75 mg intramuscular. Foram os medicamentos disponíveis que me deram para trabalhar, embora ainda faltem na farmácia da UBS.

    Se o paciente puder comprar o medicamento, uso nimesulida 100 mg, cetoprofeno 150 mg, piroxicam 20 mg, ibuprofeno 400 mg ou naproxeno 500 mg. São bons analgésicos. Não tive boas experiências analgésicas com: celecoxibe 200 mg, tenoxicam 20 mg, meloxicam 15 mg, lornoxicam 8 mg, etodolaco 400 mg,  pois considero que eles não atingem um patamar mínimo de analgesia em uma hora após engolir o comprimido. Somente os prescrevo se o paciente pedir ou se ele já tiver o medicamento em casa.

    Então, se o corpo vai responder com um abscesso ou uma pericementite, temos um fator extrínseco, mas se soubermos da possibilidade da agudização ou flare-up, podemos realizar a boa prática e deixar antecipadamente uma receita com analgésico ou anti-inflamatório com o paciente assim que sua consulta acabar. Escolher se devemos prescrever é o fator intrínseco. Doer e agudizar são o fator extrínseco, que o dentista não teve o controle completo.

    Outro fator extrínseco é a fratura coronária. Neste caso, se o previmos, então isso deve constar no prontuário, com uma rubrica do paciente: “ciente do risco de fratura”, pode vir escrito e rubricado ao lado. Não sabemos se o dente se fraturará, mas avisamos, tomamos a atitude totalmente relacionada às mãos do dentista, a advertência.

    Neste artigo[4]:

    E a tradução[5]:

    Evitando lesões por negligência durante a terapia endodôntica – A consideração mais importante seguir as diretrizes e protocolo padrão durante a realização do tratamento endodôntico. A observação dos protocolos de tratamento está associada ao compromisso com qualidade do resultado do tratamento, o que pode levar a processos cíveis indenizatórios. A grande maioria das lesões resultantes da má prática do tratamento endodôntico foi considerada evitável. O conhecimento atualizado do assunto e a competência de habilidades também são um dos fatores na prevenção da negligência endodôntica e permite  que os profissionais diagnostiquem, planejem o tratamento e realizem o procedimento endodôntico com os prognósticos desejados. Portanto, as habilidades técnicas dos endodontistas devem ser aprimoradas com experiência de trabalho supervisionada, workshops e atividades de desenvolvimento profissional contínuo. Para reduzir a probabilidade de processos judiciais, o plano de tratamento endodôntico, o prognóstico e todas as complicações possíveis devem ser discutidos com o paciente, seguidos da assinatura de um consentimento informado por escrito. Além disso, a Associação Americana de Endodontistas forneceu um formulário de avaliação para avaliar a dificuldade do caso, que é uma ferramenta valiosa para prever as possíveis complicações e contratempos. Usar o isolamento do dique de borracha para minimizar o risco de infecção cruzada e prevenir a inalação ou ingestão acidental de instrumentos endodônticos de materiais dentários, que é sempre recomendado. As variações anatômicas nas raízes e na morfologia do canal radicular são comuns. Portanto, as radiografias pré-operatórias são essenciais e auxiliam os operadores no diagnóstico correto da extensão da cavidade de acesso e instrumentação dos canais radiculares. Além disso, as radiografias ajudam a reduzir as chances de erros de procedimento, como perfuração, remoção ou formação de saliências. Se disponível, o dentista deve considerar o uso de equipamentos avançados (como sistemas rotativos bem controlados e tomografia computadorizada de feixe cônico), pois o uso de tais tecnologias reduz o risco de erros de procedimento e má-prática odontológica.

    E na literatura[6] jurídica brasileira:

    Consentimento informado é aquele consentimento dado por um indivíduo capaz, que recebeu a informação necessária, que a compreendeu adequadamente e que após analisá-la e fazer suas considerações, chegou a uma decisão sem ter sido submetido à coação, à influência, à indução ou à intimidação de qualquer gênero. (…) Uma vez que a opção seja a sua realização, termo de consentimento informado deve ser apresentado ao paciente, que preferencialmente na presença de duas testemunhas, o lerá, eliminando-se qualquer dúvida porventura existente. Observa-se que a presença de testemunhas elimina qualquer dúvida a respeito da verdadeira ciência do paciente sobre os riscos do procedimento. Tal consentimento informado deve ser havido não como mera formalidade, mas, sim, como ato de suma relevância que protege o médico e o paciente.

    E ainda[7] mostrou que o dever de informar é inegociável com seu paciente:

    O dever de informação contém obrigação de resultado, já que seu cumprimento depende exclusivamente do cirurgião-dentista. Se não houver informação prévia ao paciente sobre os riscos e consequências do tratamento, será presumida a culpa do profissional. Portanto, na manutenção de prontuário com plano minucioso do tratamento, anamnese, radiografias e ficha de acompanhamento clínico, é indispensável termo de que constem expressamente as informações transmitidas ao paciente.

    E sobre a responsabilidade da equipe[8]:

    Técnicas evoluídas, geralmente, não são empregadas por um único profissional, mas são utilizadas por meio de equipes multidisciplinares, o que também gera complexidade na apuração da responsabilidade.

    RESPONSABILIDADE SOBRE A DOR PÓS-OPERATÓRIA, UM FATOR EXTRÍNSECO

    Os advogados pensam que descrever uma suposta dor, bastante exagerada, sempre é um bom argumento. Engano deles. Não sabem que estudo da dor é uma Ciência e que as características das dores estão sempre em revisão, com novos tratamentos. Livros existem sobre dor. Então, escrever nos autos um dor que numa escala entre zero e dez – foi nota onze, será ridículo. Por meio de perguntas, o perito descobrirá se a dor foi coerente ou se a dor foi simulada. Talvez seja a principal queixa em um pedido de indenização.

    Sabemos as características da dor pulpar. Narrativas incoerentes com as características dessa dor devem ser pesquisadas com outras provas. Se o paciente se contradiz numa perícia, considere isso como uma mentira dele. Sempre trabalhei assim. Quando as afirmativas são coerentes, uma anotação nas conclusões sempre será uma boa ideia: as afirmativas do paciente foram coerentes e sem exageros. Do contrário, escreva: o relato do paciente foi incoerente na descrição da dor.

    Normalmente, os advogados desinformados querem produzir essa prova em audiência, com depoimento pessoal do paciente para os ouvidos do juiz de direito. Preste atenção se existiu um assistente técnico nos autos. Nunca deixe essa lacuna na conclusão do seu laudo, antecipe-se e já seja claro se o paciente mentiu para o perito. O juiz de direito precisa dessa informação.

    Ouvi um comentário interessante uma vez durante uma perícia. Um advogado chato quis acompanhar seu cliente na perícia, mas não ligo para isso. Minha perícia é transparente, todos podem filmar e todos podem gravar o áudio. Então, o primeiro conselho do advogado ao seu cliente foi: nada do que está acontecendo hoje vale alguma coisa, tudo será produzido em audiência. Isso mostrou a crença falsa que apenas falar que teve uma dor brutal, na audiência, já será o suficiente para ganhar a indenização. Este foi o pior conselho que ouvi.

    Posteriormente, a oitiva do depoimento pessoal foi rejeitada e o processo foi terminado como a única prova como o laudo pericial. Nenhum juiz quis ouvir as mentiras de novo, pois tudo já estava antecipado no laudo, já antecipei que o cliente estava mentido e desestimulei por palavras para que não se perdesse tempo ouvindo aquele mentiroso.

    E sobre o gerenciamento de risco, muito bem descrita[9] pelos pesquisados estado-unidenses:

    REDUÇÃO DO RISCO – Os fundamentos de toda a prática odontológica devem se basear em procedimentos clínicos. Entretanto, o cuidado com outros aspectos do tratamento do paciente pode reduzir significativamente o potencial de problemas legais. Tais aspectos incluem a comunicação cirurgião-dentista–paciente e equipe–paciente, as informações fornecidas ao paciente, o consentimento do paciente após ser informado, a documentação apropriada e o tratamento adequado das complicações. Além disso, pacientes com expectativas racionais e com uma relação favorável com seu cirurgião-dentista são menos propensos a processos e toleram melhor as complicações (…) Anúncios ou promoções por escrito, às vezes, podem ser interpretados como garantia de resultados. Pacientes que têm dificuldade em mastigar após confecção de próteses novas podem considerar quebra de contrato se foi prometido inicialmente que poderiam comer qualquer tipo de alimento sem dificuldade. Os pacientes valorizam e esperam uma discussão com o cirurgião-dentista a respeito dos seus casos. Folhetos e outros tipos de informativos frequentemente são bastante úteis para dar aos pacientes informações gerais e específicas sobre os cuidados cirúrgicos e dentários. Pacientes que necessitem de intervenções cirúrgicas se beneficiarão de informações sobre a natureza de seu problema, o tratamento recomendado e as alternativas, expectativas e possíveis complicações. Essas informações devem ter um formato organizado, de fácil entendimento e ser escritas em linguagem acessível. Quando o cirurgião-dentista tem uma discussão específica com um paciente ou fornece a ele algum material informativo, isso deve ser documentado na ficha do paciente. A insatisfação com resultados estéticos ou funcionais está geralmente ligada a expectativas irracionais, muitas vezes fomentadas por comunicação deficiente entre o dentista e o paciente, ou ainda propaganda excessiva. Os conceitos atuais de consentimento informado baseiam-se em dar ao paciente as informações necessárias, a ponto de obter o consentimento por escrito ou a assinatura do paciente para uma intervenção. Além de atender às obrigações legais, há várias vantagens em obter-se o consentimento informado dos pacientes. Primeiramente, pacientes informados, que entendem a natureza do problema e possuem expectativas realistas, são menos propensos a mover uma ação contra o cirurgião-dentista. Em segundo lugar, um consentimento informado bem apresentado e documentado evita frequentemente alegações frívolas e infundadas do paciente, baseadas em mal-entendidos ou em expectativas fora da realidade. Finalmente, a obtenção de um consentimento informado oferece ao cirurgião-dentista a oportunidade de desenvolver um relacionamento harmonioso com o paciente, pois demonstra que o profissional tem interesse pessoal em seu bem-estar.

    Quanto às prescrições, no livro[10] temos o conceito de dor instalada e analgesia preventiva:

    Os AINEs (anti-inflamatórios não esteroidais) são indicados para o controle da dor aguda de intensidade moderada a severa, no período pós-operatório de intervenções odontológicas eletivas, tais como exodontia de inclusos, as cirurgias periodontais, a colocação de implantes múltiplos, os procedimentos de enxertia óssea etc. O regime mais eficaz com os AINEs é de analgesia preventiva, introduzindo imediatamente após a lesão tecidual, porém antes do início da sensação dolorosa. Em termos práticos, a primeira dose é administrada ao final do procedimento (paciente ainda sob os efeitos da anestesia local), seguidas das doses de manutenção, por curto período. Os AINEs também podem ser úteis no controle da dor já instalada, decorrentes de processos inflamatórios agudos (p.ex. pericementites), como complemento dos procedimentos de ordem local.

    Os AINEs que estão indicados na tabela da p. 48 foram: cetorolaco, diclofenaco potássico, ibuprofeno, nimesulida, cetoprofeno, piroxicam, tenoxicam, meloxicam, celecoxibe e etoricoxibe.

    Portanto, se quiser evitar problemas, prescreva sempre algum deles numa receita ao seu paciente. Irá evitar dezenas de retornos de paciente no dia seguinte. Pode ser o simples e barato diclofenaco sódico 50 mg. Se o paciente não tomar e reclamar, estaremos protegidos. Desde que anotado no prontuário: diclofenaco 50 mg, a cada oito horas, por quatro dias, com seu carimbo e nome do auxiliar que estava na sala com o dentista. O auxiliar será a testemunha ideal em uma remota possibilidade de audiência judicial. Isso é raro, mas tente se proteger legalmente, e mais importante, antecipadamente.

    Quando juntar o prontuário no processo, já destaque que no dia da consulta foi prescrito o diclofenaco, na presença do auxiliar. Já corte a cabeça da Medusa antes que ela te ataque.

    A dor pós-operatória pode ser o melhor exemplo de fator extrínseco, pois muito depende do corpo do paciente. Mas o ânimo de controlá-la é um fator intrínseco, que depende integralmente da mão do dentista, ou do carimbo do dentista. Portanto, sempre prescreva um analgésico após a consulta, mesmo que seja um simples paracetamol 500 mg.

    São Paulo, 21 de dezembro de 2024


    [1] Perito judicial em Odontologia, nomeado 282 vezes no TJ-SP, TJ-AL, TRT-15, TJ-PR e TJ-MG.

    [2] BRAMANTE, Clóvis. Acidentes e Complicações no Tratamento Endodôntico, 2ª edição, Editora Santos, São Paulo, 2000.

    [3] BRAMANTE, Clóvis. Acidentes e Complicações no Tratamento Endodôntico, 2ª edição, Editora Santos, São Paulo, 2000.

    [4] ALRAHABIL, Aspects of Clinical Malpractice in Endodontics, Mothanna Alrahabi, Muhammad Sohail Zafar, Nejdet Adanir, 2019.

    [5] ALRAHABIL, Aspects of Clinical Malpractice in Endodontics, Mothanna Alrahabi, Muhammad Sohail Zafar, Nejdet Adanir, 2019.

    [6] TAVARES, Responsabilidade Civil na Área da Saúde, Regina Beatriz Tavares da Silva Editora Saraiva, 2012, p. 163.

    [7] TAVARES, Responsabilidade Civil na Área da Saúde, Regina Beatriz Tavares da Silva Editora Saraiva, 2012, p. 210.

    [8] TAVARES, Responsabilidade Civil na Área da Saúde, Regina Beatriz Tavares da Silva Editora Saraiva, 2012, p. 7.

    [9] HUPP, Cirurgia Oral e Maxilofacial Contemporânea, Hupp. Editora Elsevier, 3ª edição, p. 202-203.

    [10] ANDRADE, Terapêutica Medicamentosa em Odontologia, ed. Artes Médicas, 3ª edição, São Paulo, 2019, p. 48.

  • Impugnações após o laudo pericial e suas quatro modalidades

    O lado ruim da perícia judicial: faremos inimigos. Nada demais. Você não acabará como habitante de um túmulo porque não gostaram do que escrevemos.

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    Por André Eduardo Amaral Ribeiro[1], cirurgião-dentista.

    #quesitos #periciajudicial #odontologia

    As movimentações processuais após a juntada do laudo talvez sejam inúteis para nosso aprendizado. Se o laudo foi conclusivo – como sempre deve ser – algumas das partes não gostará da conclusão precisa e apresentará sua contestação ilógica contra o laudo, a chamada impugnação. Por isso, é essencial apresentar bons quesitos fundamentados com literatura odontológica na sua primeira oportunidade. Não confie em apresentar quesitos suplementares – aqueles depois do laudo – são sempre mais fracos que os antecipados. Tudo no Direito deveria ser feito com antecipação. Assim, os perdedores apresentarão uma impugnação non sense e que nada os ajudará a vencer o litígio.

    Ambos os lados terão direito a um manifestarão, por um despacho no qual o juiz abre um prazo para as partes comentarem o laudo pericial. Uma delas concordará com o laudo, por ser obviamente favorável. Já o lado contrário irá se irritar, talvez não saiba perder ou admitir que não apresentou os melhores quesitos antecipadamente. Poderá baixar o nível do debate e começar a ofender. Vejamos quais as quatro modalidades de uma impugnação.

    Protelatória (1) : a maioria se apresentará nessa modalidade. O advogado leu que a conclusão está contrária ao seu cliente e não tem capacidade para impugná-la, seja por não dispor de argumentos científicos por falta de um assistente técnico; ou talvez, por puro costume. Existem alguns escritórios que impugnam tudo. Se o juiz manda intimar uma testemunha para comparecer, o escritório impugna. Se a parte pede um prazo de dez dias, o escritório argumenta que aquele prazo é nocivo para seu cliente. Se o juiz determina que haverá perícia, o escritório acha um defeito. Portanto, atente-se para a modalidade.

    A impugnação protelatória não ajudará nada, apenas deixará o juiz e o perito cansados. Não dê atenção a essa modalidade, guarde sua energia, responda com frases curtas e passe para o próximo laudo. Quesitos genéricos retirados do Google são comuns nesta modalidade.

    Tente rever o laudo e notará que o advogado reclamão não apresentou bons quesitos.

    Entenda que uma maioria de advogados, por coincidência daqueles que estão pior na profissão, aqueles que generalizam seu fracasso culpando a OAB, o excesso do advogados no mercado, a baixa remuneração. Repare que estes são sempre os advogados com pior manifestação escrita em língua portuguesa, também aqueles com petições redigidas no mais ridículo juridiquês[2] ou com outros muitos problemas de redação.

    Jurídica em si (2): a parte vencida resolve que irá combater a conclusão pericial desfavorável com argumentos jurídicos. Na Odontologia, normalmente entrará na questão da responsabilidade civil ser um contrato de meio, sem a obrigação de atingir um resultado, por exemplo. Outro modo pode ser que apesar da conclusão ter sido desfavorável seriam as negativas em aceitar a culpa e a impugnação enveredará por negar a imprudência, imperícia ou negligência. Até então, faremos parte do jogo. O perito não deve ter grande preocupação, pois foram questões de direito, que são de apreciação privativa do juiz de direito. Nestes casos, costumo usar uma frase pronta: a questão tem interpretação privativa do juiz de direito, não cabe ao perito. Isso basta para os esclarecimentos periciais.

    Ofensas pessoais (3): surgem com advogados de nível baixo e nervosos. Sempre me lembro de uma frase do filme Apocalipse Now. O narrador explicou que o soldado de bigodes, um chef de cozinha de Nova Orlean e sob comando do Capitão Willard (Martin Sheen) era “muito nervoso para o Vietnã”. Será a justificativa desta impugnação agressiva.O advogado resmungão é muito nervoso para a enfrentar nossa fase pericial, ou para o Vietnã, então vai apelar para as gracinhas…afinal, ele precisa se explicar pelos fracassos de seus quesitos fracos, pois o cliente não gostará do resultado.

    1. Ataque à formação ou conhecimento acadêmico: O advogado, o assistente técnico ou ambos irão insultar a pessoa do perito. Vão fugir do trabalho do perito, por ser complexo, além das capacidades dos dois somadas.

     Basicamente, irão atacar a formação acadêmica: alegarão que o perito não sabe nada, não conhece o assunto e que não tem a especialidade para trabalhar no caso. Uma resposta boa quando se fala em falta de especialização, o perito pode argumentar que a parte está errada quando classificou a perícia como uma perícia em cirurgia bucomaxilofacial ou Dentística. deverá dizer que toda e qualquer perícia é multidisciplinar. Por exemplo, contra-argumentar que esta perícia é multidisciplinar pois as provas vieram por meio de radiografias e tomografias, o que obriga ao conhecimento de Radiologia Odontológica,

    • Ataque na honestidade do perito: por meio do argumento de suspeição. Significa que o perito não foi teoricamente neutro. Ou ele foi corporativista – agiu em defesa da classe odontológica, ou agiu em favor de uma das partes porque a conhecia pessoalmente. A melhor resposta sobre a arguição de suspeição é que a suspeição deve ser arguida imediatamente após a nomeação. E a parte resmungona deverá apresentar provas. Hoje em dia, essas provas costumam vir de comentários em redes sociais, telas de WhatsApp e ou de outros meio eletrônicos.
    • Ironias: esta é a mais fraca de todas as impugnações. Testemunhei talvez dois casos em minha vida de perito. A parte que teve a conclusão pericial desfavorável começará com ironias sobre o perito. Para o leitor ter uma ideia, um advogado ridículo escreveu que minha passagem para Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo não traria a vantagens para o laudo e expôs um raciocínio sem sentido. Obviamente, ele não acreditava que o argumento iria melhorar as coisas pra ele.
    • Com segundas intenções: esse é o mais grave. O advogado xinga o perito e o perito reage. O advogado tinha segundas intenções, ele quer usar o print do texto reativo do perito para usá-la em processos futuros contra o perito e arguir a suspeição (item b, acima). Entenda que o insulto tem como estratégia gerar uma reação sua por escrito. Isso será usado futuramente para tentar te excluir de futuras perícias. Na minha opinião, a questão envolveu alguma inveja que o advogado teve do perito, em especial se o pagamento do perito for um bom valor. O advogado muitas vezes sequer cobrou adiantado do seu cliente, está revoltado com a decadência de seu trabalho (não falo que a advocacia está decadente, mas o advogado despreparado e preguiçoso.

    Impugnações técnicas ou científicas (4): seria o que deveríamos esperar numa defesa séria, então seriam aquelas do interesse do dentista. As partes oporiam teses embasadas em conhecimentos específicos, sempre com trechos de literatura, para o debate científico. Por isso, sempre oriento o perito novato que responda seus quesitos com referências bibliográficas. Lembre-se que mais de três linhas devem seguir as normas e transcrevê-las. Pessoalmente, sempre transcrevo a fundamentação científica. Exemplo:

    Na literatura[3]:

    A estomatite aftosa recorrente é uma das patologias mais comuns da mucosa oral. A prevalência relatada na população em geral varia de 5% a 66%, com uma média de 20%. As hipóteses de sua patogênese são numerosas. Tão logo um pesquisador relate ter descoberto a causa definitiva, um relato subsequente descredencia a descoberta. Diferentes subgrupos de pacientes parecem ter diferentes causas para a ocorrência das aftas. Estes fatores sugerem um processo patológico que pode ser desencadeado por uma variedade de agentes causais, cada um dos quais sendo capaz de produzir a doença em certos subgrupos de pacientes. Para tornar mais simples, a causa parece ser “coisas diferentes em pessoas diferentes”. Apesar de nenhum agente desencadeante ser responsável, a destruição da mucosa parece representar uma reação imunológica mediada por células T.

    Mas a maioria dos assistentes técnicos não opta por esta modalidade de trabalho.

    REFORÇO DE HONORÁRIOS PERICIAIS

    Nunca seja um perito que reclama nos autos, aceite tudo, escreva petições curtas e lembre que se em um laudo você trabalho demais, isso será pago em um laudo fácil em que trabalhou pouco. Esse é o melhor raciocínio.

    Suponhamos que após um laudo pericial principal, uma das partes ofereça sessenta quesitos suplementares. O perito terá que os responder, custará um bom tempo e raramente mudará a conclusão. Isso nos levará às ideias de que devemos receber por um trabalho extra. Na prática pericial será chamado de reforço de honorários periciais. No entanto, não é um pedido facilmente aceito por juízes de direito.

    Então, ao calcular seus honorários, considere que a segunda parte, pós-laudo, poderá vir com esses sessenta quesitos e que você não poderá cobrar por eles. Um pedido de reforço de honorário raramente dá certo. Os juízes costumam despachar contra este pedido e afirmar que o cálculo deveria ter sido feito antecipadamente. No exemplo: o perito recebeu vinte quesitos antes de iniciar a perícia e cobrou quatro mil reais como honorários provisórios. Após a entrega do laudo, uma das partes resolveu se revoltar e apresentar mais sessenta quesitos, ou três vezes mais do oferecido. Por lógica, o perito poderia pedir mais cinquenta porcento, ou três mil reais. Infelizmente, esse tipo de pedido costuma ser indeferido pelos magistrados.

    Saiba disso e conforme-se com essa distorção. Do contrário, poderá o tornar em um perito resmungão, o que é sinônimo de poucas nomeações.

    CLAREZA NA SUA RECOMPENSA

    Sugiro que todo o perito estudo alguma matemática, em destaque para a chamada Teoria dos Jogos[4]. Uma matéria que estuda as recompensas e caminhos para se chegar a elas. Então, o perito precisa definir qual a recompensa deseja com seu trabalho pericial. Defini minhas recompensas como o bom pagamento, mas também com a oportunidade de escrever, desenvolver minha redação, aprender a diagramar um laudo, aprender sobre tipografia, conhecer as fontes tipográficas, melhorar minha expressão em língua portuguesa e por prazer no que faço. Pergunte a si mesmo por que está tentando a sorte na carreira pericial.

    CONCLUSÃO

    Portanto, a fase dos esclarecimentos pode vir disfaçada como uma armadilha do advogado contra o novato, que induzirá para que o perito o xingue, depois para usar o texto para opor um incidente de suspeição. As manobras são um absurdo, mas saiba que ela foi prevista no Código de Processo Civil, nomeada de suspeição e poderá gerar trabalho futuro sem uma recompensa ao nosso trabalho.

    A suspeição significa que o perito é inimigo do advogado, ou que tem bronca dele. Isso é fictício se não for provado. Por isso, evite todo tipo de comunicação por aplicativos com advogados. Eles ficam concentrados em usar um print de uma conversa para tentar dar a entender que você se indispôs e não gosta dele, mesmo que nunca tenha o visto na vida. Portanto, fale apenas o essencial: converse apenas sobre datas de perícias e sobre provas de que devem ser apresentadas. Do contrário, o incômodo reside nesses prints.

    Já escrevi sobre provas periciais em Odontologia quando a pessoa não apresenta nenhuma radiografia e tenta substituir provas técnicas por recibos, conversas de WhatsApp e outras provas sem conteúdo científico.

    São Paulo, 30 de dezembro de 2024

    (assinatura digital)


    [1] Perito no Tribunal de Justiça de São Paulo, área da Odontologia, com 283 nomeações até dezembro de 2024.

    [2] Técnica de escrita com palavras excessivas, bajulação aos juízes de direito, com frases longas e invertidas e muitos termos difíceis em latim.

    [3] NEVILLE, Patologia oral e maxilofacial, Elsevier, Rio de Janeiro, 2009. p. 332.

    [4] PIANEZZER, Teoria dos Jogos, InterSaberes, São Paulo, 2021.

  • Publicação no Diário de Justiça são relevantes na atualidade?

    #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos

    Qual o valor de uma publicação no Diário de Justiça Eletrônico (DJE)?

    André Eduardo Amaral Ribeiro

    Cirurgião-Dentista/ Perito Judicial na Odontologia/ Servidor da Prefeitura de São Paulo Redator técnico

    January 12, 2025

    #periciajudicial #odontologia #saopaulo #quesitos

    O significado das intimações pela diário oficial, para leigos (dummies).

    O diário oficial é a publicação na qual os três Poderes (legislativo, executivo e judiciário) tornam públicas suas decisões. Um líder ou um juiz redigi um documento, mas que fica em seu gabinete. Para o documento ter valor, ele precisa sair do gabinete para o público conhecer seu conteúdo. Por exemplo: não se pode entrar em fóruns da Justiça vestido bermudas e camisetas regatas para os homens. Nem todos sabem disso e as confusões nas entradas são diárias. Um desembargador-presidente da Corte tomou essa decisão há anos, e para ela teoricamente tornar-se pública, ela foi publicada no Diário Oficial.

    Então, a Administração Pública entendeu que a forma para que todos os brasileiros saibam da decisão seria a tal publicação no Diário Oficial. Por exemplos: editais de concursos públicos, funcionários novos que acabaram de ser nomeados, funcionários que se aposentaram. Também podemos ter sentenças judiciais, despachos judiciais menores, decisões de segunda instância. No legislativo temos leis, portarias, resoluções.

    Antes, o diário oficial era um jornal, com mais de trezentas páginas que ficava disponível nas repartições públicas para as consultas. Atualmente, ele está disponível na internet e pode ser baixado num arquivo PDF. Não é muito fácil localizar informações e publicações no Diário Oficial nem no DJE (Diário de Justiça Eletrônico). São letras miúdas, Times New Roman, tamanho 6 e somam 4.000 páginas diárias, às vezes.

    O DJE do Tribunal de Justiça de São Paulo é publicado nos dias úteis, por volta das 6h da manhã. O acesso se faz pelo site www.tjsp.jus.br

    Então, se o juiz escreveu uma decisão dentro processo, como determinar a intimação do perito para que agende seu exame pericial, apesar de estar escrito lá, ainda não tem seu valor se não for publicada no diário oficial. Então, isso mesmo. Está no processo, mas não vale enquanto não for publicada no diário oficial. Para os mais novos, isso é estranho. Qual seria a lógica disso? Se a pessoa ou empresa é parte no processo, ela não deveria acompanhá-lo, um vez por semana talvez? Concordo com essa lógica. Mas o Judiciário não pensou assim.

    Se o juiz escreve a decisão no processo, a pessoa interessada leu em agosto, nada vale. A publicação veio em setembro, então começará a valer em setembro. Esse conceito é fundamental para o perito novato. Muito do que os advogados reclamam é essa lacuna, que chamam de processo parado. Concordo com eles. Numa era digital, não há sentido em esperar a tal publicação no DJE, dado que existe o sistema Push.

    O sistema Push é um e-mail que cada parte recebe quando há movimentação processual, mas que não vale oficialmente. Para os advogados, a publicação da decisão interna do processo só passa a valer quando o nome e número da OAB com o texto da decisão é publicado no DJE. Na verdade, passa a valer no dia útil seguinte ao da publicação. Já ao perito, um e-mail deve ser enviado pelo cartório de justiça e a regra é a mesma, vale a partir do dia útil seguinte. Portanto, essas são as intimações para advogados (DJE) e para peritos (e-mail).

    Com tantos meios de comunicação fáceis atuais, esse sistema é obsoleto e anacrônico. No entanto, é o que ainda vale. Muitos gostam desse sistema primitivo, pois dá tempo ao escritório de advocacia para ler todo o processo e responder. Discordo, pois se outros meio como um e-mail ou uma mensagem de WhatsApp tivesse valor de intimação, mas os juízes não aceitam essas tecnologias e ainda acreditam nesse sistema de “diário oficial”, bem mais difícil.

    André Eduardo Amaral Ribeiro, perito judicial na área de Odontologia em São Paulo, com 285 nomeações.

  • Cefaleias

    Cefaleias – uma breve revisão.

    #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos

    HUPP, p. 614

    A maioria dos pacientes que procura o médico com queixa de dor de cabeça recebe o diagnóstico de cefaleia do tipo tensional. O nome pode induzir ao erro, porque a “tensão muscular” ou a “tensão pelo estresse” nem sempre estão presentes, isoladas ou combinadas. A cefaleia do tipo tensional é comum na população em geral, e maioria das pessoas sofre pelo menos um episódio de cefaleia do tipo tensional ao longo da vida. A cefaleia do tipo tensional crônica é mais comum em mulheres. A dor de cabeça em geral é bilateral. A dor é frequentemente bitemporal ou frontotemporal. Os pacientes comumente descrevem sua dor como se a cabeça estivesse “envolvida” ou “espremida” por um elástico ou chapéu apertado. A cefaleia ocorre com ou sem “enrijecimento de músculos pericranianos” (i. e., sensibilidade à palpação dos músculos mastigatórios e dos músculos occipitais). Para ser definido como cefaleia do tipo tensional, o sintoma precisa estar presente por mais de 15 dias por mês. Os critérios da International Headache Society para a cefaleia do tipo tensional são apresentados no Quadro 29-7. O tratamento da cefaleia do tipo tensional utiliza comumente antidepressivos tricíclicos ou de outro tipo. Quando a cefaleia do tipo tensional ocorre em pacientes que sofrem de enxaqueca, o tratamento para enxaqueca pode ser benéfico. Fatores psicológicos são comumente fatores contribuintes de influência sobre a cefaleia do tipo tensional. Nessa situação, terapia cognitivo-comportamental e outras terapias psicológicas são frequentemente benéficas. Para o dentista, é importante diferenciar a cefaleia do tipo tensional da dor miofascial mastigatória. Isso pode ser difícil, pois ambas as condições apresentam sintomas semelhantes. Destaca-se que, na dor miofascial, pressão sobre diferentes músculos da cabeça e do pescoço refere a dor para o sítio da dor de cabeça, enquanto, na cefaleia do tipo tensional, a pressão identifica o sítio da dor. É importante ainda destacar que, nessas condições, identificar o sítio da dor não significa encontrar a fonte da dor. Além disso, na cefaleia do tipo tensional, a dor não aumenta proporcionalmente ao aumento da pressão sobre o sítio da dor nem refere a dor para outros locais.

    139. Cefaleias – diagnóstico diferencial
    Gabriela Fernandes
    Documento de trabalho
    última actualização em Dezembro 2000
    Contacto para comentários e sugestões: Cruz, Mª Georgina
    1
    1 – Introdução e enquadramento epidemiológico
    A morbilidade por cefaleia na população geral é muito elevada: 60 a 80%. Destes, apenas uma parte recorre ao médico (15%) e por sua vez, de entre estes, 9 em cada 10 têm cefaleias consideradas primárias (ex.: enxaqueca, cefaleias de tensão, cefaleias em salva).
    A maioria procura um médico de medicina geral e familiar e só cerca de 1% vai a um neurologista.Na medicina geral e familiar as cefaleias representam entre 1 a 4% dos motivos de consulta embora não sejam na maioria dos casos o motivo principal. Num estudo de base populacional efectuado na Dinamarca, utilizando os critérios da Sociedade Internacional de Cefaleias (IHS – International Headache Society), verificou-se que 16% da população tinha enxaqueca e 78% cefaleias do tipo tensão. As cefaleias de tensão representam 47% das cefaleias tratadas em clínica Geral (quadro I) e segundo Pereira Monteiro num estudo efectuado no nosso país, 55%. 5
    Quadro I Tipos de cefaleias observadas pelos Clínicos Gerais Tipo Percentagem Tensão 47 Enxaqueca 31 Sinusopatias 6 Causadas por fármacos 4,5 Pós-traumáticas 3 Cervicogéneas 1,5 Outras 7 Nos serviços de urgência cerca de 10% das cefaleias observadas são devidas a causas secundárias que por vezes passam despercebidas, como é o caso de um tumor ou hematoma intra cerebrais.2
    2 – Classificação

    Em 1988, a Sociedade Internacional de Cefaleias criou uma classificação e critérios diagnósticos operacionais para cefaleias, que surgiram como uma necessidade sentida, face à relativa ambiguidade dos critérios então existentes. Com os novos critérios pretende-se diminuir a variabilidade de diagnóstico entre diferentes observadores e dar um salto em frente em investigação. Assim, a IHS classifica as cefaleias em treze grandes grupos: 6
    Quadro II CLASSIFICAÇÃO DAS CEFALEIAS (IHS.) 1. Enxaqueca 2. Cefaleias de tipo tensão 3. Cefaleia em salvas e hemicrania paroxística crónica 4. Outras cefaleias não associadas a lesões estruturais 5. Cefaleia associada a traumatismo craniano 6. Cefaleia associada a alterações vasculares 7. Cefaleia associada a alterações intra cranianas não vasculares 8. Cefaleia associada ao uso de determinadas substâncias ou à sua abstinência 9. Cefaleia associada a infecções não cefálicas 10. Cefaleia associada a alterações metabólicas 11. Cefaleia ou dor facial associada a alterações dos ossos cranianos, pescoço, olhos, ouvidos, nariz, seios peri-nasais, dentes, boca e outras estruturas faciais e cranianas 12. Nevralgias cranianas, radiculalgias e dor de desaferenciação 13. Cefaleia não classificável 3
    3 – Diagnóstico diferencial
    Abordagem semiológica – O aspecto mais gratificante para o clínico que lida com cefaleias, é o facto de o diagnóstico ser muitas vezes realizado apenas com a colheita de uma boa história clínica. Quando o padrão da doença é facilmente reconhecível, como acontece com a enxaqueca, cefaleia de tipo tensão ou cefaleia em salvas, isto não dispensa o médico da realização do exame objectivo, mas pode evitar investigações desnecessárias e tratamentos inadequados. Para o diagnóstico diferencial há que atender ao início e evolução temporal das cefaleias subdividindo-as em agudas/sub-gudas por um lado, e crónicas/recorrentes por outro. Na história clínica importa ainda questionar o doente acerca da localização, carácter, horário, frequência e duração da dor, assim como acerca de possíveis factores precipitantes e agravantes e existência ou não de sintomas e sinais acompanhantes. Quando estamos perante uma cefaleia de início recente, aguda ou sub-aguda devemos pesquisar eventuais deficits neurológicos, febre, ou rigidez da nuca que nos coloquem na pista de um quadro meníngeo. A cefaleia da hemorragia subaracnoideia é aguda, generalizada, com sensação de explosão. Tem intensidade máxima na área occipital, irradia ao longo do pescoço, e acompanha-se em regra de náuseas, vómitos, obnubilação e posteriormente sinais meníngeos. Os doentes referem-na como a pior cefaleia de sempre, e a sua agitação deve-se habitualmente a ela. É obrigatória a realização de uma fundoscopia nestes doentes, que revela muitas vezes uma hemorragia subhialoideia, em chama de vela. Uma história de febre aguda associada a cefaleias na região fronto-orbitária é sugestiva de sinusite aguda.É obrigatório nestes casos a observação em busca de rinorreia purulenta e a percussão dos seios peri-nasais que provocará uma exacerbação da dor. Num doente idoso as cefaleias agudas de início recente devem fazer pensar em arterite temporal. Esta hipótese obriga a investigar sintomatologia local: dor e endurecimento da artéria temporal superficial, claudicação dos masséteres e alterações visuais. A VS neste caso encontra-se francamente elevada (>50 mm na 1ª hora). A biopsia da artéria temporal fornecerá o diagnóstico definitivo. Dores oculares e visão enevoada levantam a hipótese de glaucoma agudo. Neste caso, no exame objectivo, observa-se uma diminuição da transparência da córnea devido ao edema e a pupila encontra-se moderadamente dilatada e não reactiva à luz. É também importante na história que se questione o doente sobre possíveis traumatismos cranianos que nos ponham na pista de um hematoma epi ou subdural agudos.
    As cefaleias de tipo tensão, seguidas da enxaqueca, são as causas mais frequentes das cefaleias crónicas ou recorrentes. Uma vez que a enxaqueca será tratada numa unidade de texto separada daremos aqui um lugar de destaque à cefaleia de tensão, apresentando os seus critérios diagnósticos: 7
    Quadro III Critérios de diagnóstico das Cefaleias de Tensão Episódicas (IHS) 1.As cefaleias surgem menos de 15 dias por mês (< 180 dias/ano) 2. Duram entre 30 minutos e 7 dias e os doentes tiveram pelo menos 10 episódios anteriores que preenchem os seguintes critérios: 3. Presença de pelo menos duas das seguintes características:
    – Pressão ou aperto (não pulsáteis), frequentemente à volta da cabeça
    – Intensidade ligeira a moderada (podem reduzir mas não impedem as actividades habituais)
    – Localização bilateral
    – Não agravadas por subir escadas ou actividades semelhantes 4- Ausência de náuseas e vómitos (pode surgir anorexia)
    Nenhum ou apenas um dos sintomas seguintes estão presentes:
    – Fotofobia
    – Fonofobia 5- Exclusão de outras hipóteses de diagnóstico pela história clínica, exame objectivo ou exames complementares 8
    Quadro IV
    Critérios de diagnóstico das cefaleias de tensão crónicas 1. Em média, as cefaleias estiveram presentes em pelo menos 15 dias por mês durante 6 meses consecutivos (180 dias/ano) e satisfazem os critérios seguintes: 2. Pelo menos estão presentes duas das seguintes características das dores:
    – Tipo pressão ou aperto
    – Intensidade ligeira a moderada (pode reduzir mas não impede as actividades)
    – Localização bilateral
    – Sem agravamento com a subida de escadas ou com actividades físicas semelhantes 3. Ausência de vómitos
    Não mais que um dos seguintes sintomas:
    – Náuseas
    – Fotofobia
    – Fonofobia 4. Exclusão de outras possibilidades de diagnóstico pela história clínica, exame objectivo ou exames complementares de diagnóstico 9
    Quadro V
    Critérios de diagnóstico das cefaleias de tipo tensão, que não se incluem nas formas acima descritas 1- Preenchem todos excepto um, dos critérios de uma das formas de cefaleia de tipo tensão acima descritas 2- Não preenche os critérios de enxaqueca sem aura Nota: Os critérios da IHS requerem crises múltiplas para o diagnóstico porque o primeiro episódio nem sempre pode ser distinguido de uma cefaleia secundária. A evolução temporal da cefaleia pode ser particularmente reveladora: aumentos na gravidade e/ou frequência ao longo do tempo levantam a hipótese de uma lesão ocupando espaço, enquanto que um padrão de cefaleias que permanece constante ou ondulante é mais típico de cefaleias de tensão ou enxaqueca. Deve-se ter particular atenção aos sintomas acompanhantes: náuseas, vómitos, fotofobia e fonofobia são característicos de enxaqueca. Sintomas autonómicos tais como lacrimejo, sudação, rinorreia, edema palpebral e injecção conjuntival do mesmo lado de uma cefaleia de curta duração, orbitária, supraorbitária ou temporal são característicos de cefaleia em salvas, hemicrania paroxística crónica ou SUNCT (short-lasting unilateral neuralgiform headache with conjunctival injection and tearing). Os deficits neurológicos que constituem a aura da enxaqueca são reversíveis. Os deficits neurológicos irreversíveis, e os deficits de novo aumentam a probabilidade da existência de uma lesão estrutural como por exemplo um tumor ou um enfarte cerebral. A localização e o carácter da dor são por vezes úteis, apesar de poder existir uma sobreposição considerável entre os diversos tipos de cefaleias. Como exemplo (quadros III e IV) a cefaleia de tensão tem habitualmente uma localização bilateral e um carácter tipo pressão ou aperto, frequentemente à volta do crânio, no entanto, estas características podem também ser referidas por doentes com aumento da pressão intra-craniana. A localização unilateral e a pulsatilidade são características da enxaqueca, contudo, estas mesmas características podem também ser referidas por doentes com cefaleias de tensão. Na enxaqueca a unilateralidade da dor não é fixa, isto é, pode ocorrer de um lado ou outro do crânio. A constância da dor, sempre do mesmo lado, faz pensar numa lesão estrutural, como por exemplo um tumor. Neste caso será muito importante a realização duma fundoscopia para pesquisa de estase papilar. A ocorrência de dor que irradia a partir do pescoço faz pensar em radiculopatia cervical. Os factores precipitantes e agravantes devem ser pesquisados. As actividades físicas de rotina (como por exemplo subir escadas) normalmente não agravam a cefaleia de tensão (quadros III e IV) mas agravam a enxaqueca, sendo este aliás um dos melhores critérios clínicos para distinguir estes dois tipos de cefaleias. Cefaleias desencadeadas pela ingestão de certos alimentos (gorduras, chocolate, queijo, citrinos, álcool, peixe fumado) e situações de stress (ruídos, luzes e cheiros intensos, factores emocionais) são também típicas da enxaqueca. O álcool também pode desencadear uma crise de cefaleia em salvas durante um período de actividade da doença. Nos antecedentes familiares tem especial importância a pesquisa de quadros clínicos semelhantes, pelo carácter heredofamiliar de alguns tipos de cefaleias, como é o caso da enxaqueca.
    Exames complementares de diagnóstico – Os exames complementares de diagnóstico não deverão ser utilizados de uma forma sistemática, mas sim orientados pelas hipóteses diagnósticas levantadas após a realização da história clínica e exame objectivo. Nos doentes que apresentam cefaleias de início agudo, referindo-as como “as cefaleias mais intensas alguma vez sentidas” deve-se fazer uma TAC de urgência. Perante uma história sugestiva de hemorragia subaracnoideia, e mesmo sendo a TAC normal, deverá ser realizada uma punção lombar, para detecção de sangue no licor. Se a história sugere uma possível sinusite aguda devem pedir-se radiografias dos seios perianais. Cefaleias “de novo”, num doente idoso, com endurecimento e dor à palpação da artéria temporal superficial deve conduzir a um pedido de VS e possível biopsia da artéria temporal, sobretudo se apoiado por outros dados da história clínica (deficits visuais, sintomas sistémicos). Cefaleia súbita, cervical, com início temporalmente relacionado com manipulação ou traumatismo cervical, associada a sopro cervical ou dor à palpação, justificam um pedido de «ecodoppler» da carótida ou de angioressonância para detecção da dissecção da carótida. Contudo, o padrão de ouro para confirmar este diagnóstico continua a ser a angiografia convencional com cateterismo. Perante um doente com cefaleias crónicas ou recorrentes que não sugerem doença intra-craniana e na presença de um exame objectivo e neurológico normais, na maioria das vezes, é desnecessária a realização de exames complementares. As excepções a este princípio compreendem cefaleias com menos de 6 meses de evolução que não se enquadram num padrão conhecido de cefaleias primárias (ex.: cefaleia de tipo tensão, enxaqueca, cefaleia em salvas) ou secundárias (quadro II), cefaleias de agravamento progressivo, com perda de consciência ou com alteração persistente da personalidade. Também a alteração das características de um padrão até então habitual numa cefaleia merece mais investigação.
    Finalmente gostaríamos de referir que o EEG não é útil na avaliação de rotina de doentes com cefaleia e não é recomendado para excluir uma causa estrutural de cefaleia.4
    Pontos práticos a reter:

    1. A morbilidade por cefaleia na população geral é muito elevada: 60 a 80%, recorrendo os doentes em primeiro lugar ao clínico geral.
    2. A maioria dos sofredores tem cefaleias de tensão ou enxaqueca.
    3. Os critérios de classificação da IHS vieram permitir uma maior uniformidade de diagnósticos.
    4. Para simplificar o raciocínio, em termos de diagnóstico diferencial, é útil dividir as cefaleias em agudas e sub-agudas por um lado e crónicas ou recorrentes por outro.
    5. O diagnóstico é muitas vezes realizado apenas com a colheita de uma boa história clínica.
    6. Os exames complementares de diagnóstico não deverão ser utilizados de uma forma sistemática.
    7. O EEG não é útil na avaliação de rotina de doentes com cefaleia.10
    Bibliografia
    Arnaud F, Monsanto ML. Cefaleias – Orientação Diagnóstica. Revista Portuguesa de Clínica Geral 1995;12: 311-19. Dodick D. Cefaleias como sintoma de doença grave. Quais são os sinais de alarme? Postgraduat Medicine 1998; 9: 14-23. Headache Classification Comittee of the Internatinal Headache Society. Classification and diagnostic criteria for headache disorders, neuralgias and facial pain. Cephalalgia 1988; 8 Suppl 7: 9-96. Lance JW, Goadsby PJ. Mechanism and Management of Headache. th ed. Oxford: Butterworth Heinemann; 1998. Machado MG, Colaço MJ. Cefaleias de interesse para o Clínico Geral. Revista Portuguesa de Clínica Geral 1989; 6: 45-50. Perkins AT. Quando pode uma cefaleia ser preocupante? Postgraduate Medicine 1996; 6: 66-75. Pruitt AA. Abordagem do doente com cefaleia. In: Goroll AH, May LA, Mulley AG, editors. Cuidados Primários em Medicina. 3ª edição. Lisboa: McGraw-Hill; 1997: 831-40. Rasmussen BK, Jensen R, Olesen J. A population based-analysis of the diagnostic criteria of the International Headache Society. Cephalalgia 1991; 11: 129-34. Schoenen J, Wang W. Tension-Type Headache. In: Goadsby PJ, Sielberstein SD, Editors. Headache, Blue Books of Practical Neurology. Boston: Butterworth-Heinemann; 1997; 17: 177-200. Trachtenbarg DE. Cefaleias de tensão: aliviar a dor sem criar dependência. Postgraduate Medicine 1995; 3: 58-64.

  • Riscos da odontolgia moderna. ataques cibernéticos, pedidos de retirada de prontuários e parecerer vendidos a peso de ouro.

    Riscos da odontolgia moderna. ataques cibernéticos, pedidos de retirada de prontuários e pareceres vendidos a peso de ouro.

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    Por André Eduardo Amaral Ribeiro[1]


    Inteligência artificial e disruptura na Odontologia digital

    Existe o medo de que a inteligência artificial domine a raça humana no futuro. Talvez seja apenas um roteiro do filme Exterminador do Futuro, no qual o tal SkyNet controla robôs exterminadores, que viajam no tempo e matam humanos que julgam perigosos para o domínio dessses robôs. Foi um filme excelente, até assisti no cinema, com a trilha sonora dos Guns n´Roses. Porém não acreditamos que esse futuro apocalíptico virá e não acreditamos na escravização humana pelas máquinas. Mesmo porque elas dependem da energia elétrica para funcionar. A Odontologia vem sendo ajudada pela tecnologia, em especial nos escaneamentos 3D e nas maravilhosas impressoras para coroas e próteses customizadas.

    Quando escrevi este livro, tentei usar uma inteligência artificial para produzir um índice para o livro. O Copilot da Microsoft foi incapaz dessa tarefa. Ele produziu um índice com falhas. Desejava que cada título fosse alinhado com suas páginas. A Inteligência Artificial do Copilot não conseguiu diferenciar os títulos e subtítulos, tampouco conseguiu enumerar a página de cada um. Depois, pedi para o texto ser reescrito com ajuda da inteligência artificial. Ele foi novamente incapaz. Talvez por Odontologia Legal brasileira nunca ter sido incluída nos algoritmos da Microsoft. Fiz do modo tradicional, comparando o título com o número da página. O humano foi superior à máquina. Não duvidamos que sempre o humano será melhor, afinal “A mão humana é ferramenta perfeita”, como já disse Leonardo da Vinci.

    A disruptura não virá tão cedo portanto, nós dentistas não seremos substituídos por robôs. Não acreditamos nisso e nem acreditamos que isso seja financeiramente viável. Consideramos apenas as impressoras 3D e os prontuários digitais como disruptivos. Um exemplo de tarefa que inteligência artificial não soube fazer, além de me escrever um simples índice, foi vista durante a pandemia do COVID-19.

    Segundo o Professor Vaclav Smil[2], pesquisador renomado do tema de energia:

    Mas há ainda a tentativa de alcançar a medicina personalizada (o diagnóstico e o tratamento sob medida para cada indivíduo em seu risco ou resposta específica para uma doença), o que fez a revista The Economist publicar uma reportagem especial sobre o assunto em 12 de março de 2020, quando a COVID-19 começou a se alastrar pela Europa e América do Norte, enchendo os hospitais com pessoas privadas de oxigênio. Qual é a relevância de todas essas buscas quando, como diz o clichê, a única superpotência que restou não conseguiu abastecer seus enfermeiros e médicos com simples equipamentos de proteção pessoal, entre itens de baixa tecnologia como luvas, máscaras, toucas e aventais?

    As impressoras 3D para as próteses e coroas não causam dúvidas sobre sua superioridade em relação as mãos humanas. Elas diminuem os erros. São benéficas para reduzir o risco do dentista na prática cotidiana.

    No entanto, os prontuários digitais ainda perdem para os clássicos prontuário de papel. O papel é mais fácil de trabalhar no cotidiano do dentista – não são prejudicados com a falta de energia elétrica – e podem receber desenhos do assoalho pulpar, para nos lembrarmos da geometria dos canais na nossa próxima consulta. Particularmente, sempre desenho a configuração da câmara pulpar e a entrada dos canais no prontuário de papel.

    Adeptos do prontuário digital reclamam do sequestro de informações quando a empresa do software some com dados dos pacientes se o dentista não pagar a anuidade, impedindo acesso às informações já digitadas. O sistema que usa um odontograma puro, sem a possibilidade escrever livremente no prontuário, perde para o papel. Como exemplo, se um paciente disser que engoliu uma coroa protética, isso deve ser anotado no prontuário. Nem todo o software dá essa liberdade, pois a maioria se resume ao preenchimento dos procedimentos, com a pintura do odontograma nas faces de cada dente, com a legenda. Isso inclui o prontuário do SUS, que falhou em oferecer um espaço para anotações não relacionadas ao tratamento. Pessoalmente, quando o paciente se queixa do atraso, por exemplo, anoto no prontuário.

    No livro sobre inteligência artificial – A Próxima Onda, de Mustafá Suleiman e Michael Bhaskar, Editora Record, 2024, p. 203:

    Na manhã de 12 de maio de 2017, o Serviço Nacional de Saúde britânico parou. Milhares de suas instalações em toda a nação viram seus sistemas de TI congelarem. Nos hospitais, os funcionários não conseguiam acessar equipamentos médicos cruciais, como aparelhos de ressonância magnética nem prontuários de pacientes. Milhares de procedimentos agendados, de consultas de pacientes com câncer e cirurgias eletivas, tiveram de ser cancelados. Equipes em pânico improvisaram com recursos manuais, como anotações em papel e telefones pessoais. O Royal London Hospital fechou seu departamento de emergências, com os pacientes deitados do lado de fora das salas de cirurgia.

    Prontuários de papel não sofrem ataques cibernéticos afinal. Por isso, gostamos deles.

    SOLICITAÇÃO DA CÓPIA DO PRONTUÁRIO

    Um sinal de alerta de que um processo virá contra o dentista, talvez o mais importante deles. Felizmente, a maioria dos advogados usam uma fórmula desgastada para escrever suas acusações iniciais contra o dentista, a receita do bolo é sempre a mesma: três orçamentos, cópia do prontuário e conversas do WhatsApp.

    Sempre orientamos ao dentista nunca ficar se explicando ou se desculpando com o paciente por WhatsApp. A maioria dos advogados usa essas conversas para instruir sua acusação. Portanto, ao receber qualquer mensagem do paciente, não fique se explicado. Diga uma frase: venha para uma consulta. Preciso avaliar ou qualquer outra frase que exija a presença do paciente no consultório. Não prescreva nem mesmo dipirona por WhatsApp. Por comodismo e falta de conhecimento, ficou muito fácil acusar usando prints de telas de aplicativos de mensagens. Digamos que 90% das petições iniciais acusatórias são enfeitadas com prints de Whats App.

    Isso porque dá trabalho redigir uma petição com provas técnicas: radiografias, tomografias, textos científicos e uma boa redação. A maioria dos escritórios se recusa a pagar um assistente técnico ou, até mesmo, porque pensa que entende de Odontologia. Algumas petições são ridículas e foram escritas com pesquisas no Google sobre doenças da boca, como por exemplo o bruxismo. O advogado faz uma busca no Google e junta alguns textos sem sentido para formular sua tese de acusação. Tudo ficará fraco e fácil de se rebater, mas nos custará tempo e dinheiro, bens preciosos.

    Anotações digitais tem o mesmo valor de anotações em papel. Alguns juristas debatem as diferenças. No entanto, quando um paciente pede uma cópia do prontuário, fica difícil entregá-la quando se usou um prontuário digital. Sempre dissemos que solicitar a cópia do prontuário é o sinônimo de que o paciente ingressará com um pedido de indenização na Justiça. A fórmula nunca falhará, preste atenção a este sinônimo imortal:

    Caixa de Texto: Pedir cópia do prontuário = processo judicial pela frente

    É o que a experiência nos tem mostrado. Não conseguimos lembrar de um único caso em que o paciente tenha pedido a cópia apenas porque deseja continuar o tratamento com outro dentista, quer dizer, pediu com bondade.

    Maus advogados usam um protocolo errado: pedem a cópia do prontuário e fazem o paciente consultar três dentistas para obter três orçamentos. Chamo isso de processo de funilaria, pois é a fórmula desgastada para um acidente de trânsito. Ninguém se declara culpado, mas existe o costume de pedir três orçamentos em funilarias. Isso não funciona em Odontologia, pois os orçamentos terão tratamentos diferentes. No primeiro, o dentista vai indicar um protocolo; no segundo, o dentista vai indicar implantes individuais; no terceiro, implantes com outra geometria. Portanto, fácil para identificar a qualidade do trabalho do advogado.

    PARECER EXTRAJUDICIAL

    Outro engano.

    O parecer extrajudicial não vale nada em um processo cível. Alguns dentistas cobram para escrever um parecer. O parecer nada vale se for unilateral, sem a participação daquele que será o réu. Uma vez, tentamos escrever um parecer extrajudicial por insistência da advogada. Enviamos uma carta convite para o dentista réu, ele foi instruído por advogados a dizer que não compartilharia o prontuário do paciente, pois era sigiloso. Com razão. Estávamos trabalhando para uma advogada sem experiência no ramo do Direito da Saúde.

    É bastante comum nos depararmos com processos cíveis que contenham pareceres de dentistas, escritos sempre de modo unilateral (sem a presença da outra parte). Não conhecemos nenhum caso em que a briga entre dentista-paciente tenha sido resolvida pela via extrajudicial. Gostaríamos que fosse possível, mas na prática vimos que foi inviável, pois não há colaboração de ninguém.

    Houve um ano que recebia telefonemas de pessoas me perguntando quanto eu cobraria para escrever um laudo. Na verdade, seria um parecer. E as pessoas se assustavam com a honestidade de recusar o serviço e de informar que o tal parecer não valia nada. No entanto, testemunhamos um caso em São José dos Campos, em que uma cirurgiã bucomaxilofacial cobrou dez salários-mínimos (R$ 14.000,00 em 2022) para escrever um parecer. A autora ganhou a ação, mas o parecer não ajudou em nada.

    Na informação que a paciente que pagou pelo parecer extrajudicial era que se ela juntasse um texto de outro dentista condenando a sua cirurgia ortognática (que foi um desastre estético) ela ganharia na Justiça. No fim, o advogado inexperiente dela não pensou no item essencial da falta de termos de consentimento. A mulher foi operada e nunca assinou nenhum termo de consentimento. Percebemos isso ao ler o processo. Ela nos contratou, mas depois nos dispensou, pois a dentista de São José dos Campos disse que não éramos especialistas em Cirurgia Bucomaxilofacial, e portanto, não seríamos aptos para o trabalho. No fim, o termo de consentimento foi fundamental para a sentença judicial condenatória contra o dentista.

    São Paulo, 2 de fevereiro de 2025


    [1] Perito judicial no TJSP na área de Odontolgia, com 293 nomeações.

    [2] SMIL, Vaclav. Como o mundo funciona, Ed. Intríseca, Rio de Janeiro, 2024, p. 297.

  • Fármacos para analgesia em dor em Endodontia – responsabilidade civil e dever de indenizar quando o controle da dor é ineficiente.

    Caixa de Texto: FÁRMACOS PARA ANALGESIA EM DOR EM ENDODONTIA

    Fevereiro de 2025, por André Eduardo Amaral Ribeiro, dentista.

    #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos

    Contarei minha experiência nos últimos onze anos na clínica odontológica de um serviço público, unidades na Prefeitura de São Paulo e Taboão da Serra, uma cidade vizinha da Capital. É minha opinião e as observações, prevalência delas foram todas colhidas por fichas assinadas.

    O que comumente nos traz o paciente ao serviço de urgência é a especialidade da Endodontia. As queixas comuns são dores lancinantes (em forma de pontada de lança, esse é o significado lexical da palavra que ser origina de lança), seguida de queixas de insônia. Os pacientes costumam a se medicar com os fármacos, nesta ordem: dipirona sódica, amoxicilina (uma crença errônea da população), ibuprofeno, diclofenaco ou nimesulida. A maioria foi atendida nos sábados, domingos, noites ou madrugadas em serviços médicos. A maioria não foi atendida por um dentista nestes horários, por terem o primeiro contato com médico plantonista, sem especialidade conhecida. Considero o uso da amoxicilina irrelevante para analgesia em dores pulpares ou periapicais.

    Normalmente, nos hospitais, os médicos prescrevem antibióticos (a grande maioria a própria amoxicilina) e nimesulida via oral. A medicação injetável raramente é prescrita. Muitas vezes recebo telefonemas de médicos que estão de plantão, grande parte no sábado ou domingo, depois dos quais indico a medicação injetável: Profenid 100 mg (cetoprofeno) ou Voltaren 75 mg (diclofenaco sódico), que são de analgesia rápida para o paciente em sofrimento álgico.

    Convém relembrar[1]:

     A anamnese é a base da consulta odontológica inicial, que tem por objetivo colher informações para formar um ou mais hipóteses diagnósticas. Aos mesmos tempos, permite que o cirurgião-dentista comece a delinear o perfil do paciente que será tratado sob sua responsabilidade profissional. Nessa direção, é recomendável que paciente seja classificado de acordo com seu estado de saúde geral ou categoria de risco médico. A American Society of Anesthesiologists adota um sistema de classificação de pacientes com base no estado físico, daí a sigla ASA-OS. Por este sistema, nos Estados Unidos, os pacientes são distribuídos em seis categorias, denominadas de P1 a P6. No Brasil, ainda prevalece apenas o uso do acrônimo ASA (de I a VI). Ressalte-se que essa classificação foi designada para adultos.

    ASA-I: paciente saudável, que de acordo com a história médica não apresenta nenhuma anormalidade. Não mostra ansiedade, sendo capaz de tolerar muito bem o estresse ao tratamento dentário, com risco mínimo de complicações. São excluídos pacientes muito jovens ou muitos idosos.

    ASA-II: paciente que sofre de doença sistêmica modera ou de menor importância que o ASA-I, por apresentar maior ansiedade ou medo do tratamento odontológico.

    ASA-III: paciente que sofre de doença sistêmica severa, que limita suas atividades. Sendo imprescindível a troca de informações com o médico.

    ASA-IV: paciente que sofre de doença sistêmica severa, que corre o risco de morte. Quando possível, os tratamentos dentários devem ser postergados. As urgências odontológicas, como dor e infecção, devem tratadas da maneira mais conservadoras que a situação permita.

    ASA-V: paciente em fase terminal.

    ASA-VI: paciente com morte cerebral decretada.

    Cerca de dois terços dos pacientes recorrem à automedicação, ante ao desespero da dor. Um terço consome dipirona em superdoses: cem gotas, cento e vinte gotas. A dose de 1000 mg é indicada a cada seis horas. Colhi opiniões de colegas médicos que prescrevem 2000 mg em hospitais, por via endovenosa de dipirona sódica. Nunca prescrevi essa dose de 2 g. Quando ouço que o paciente se automedicou com dipirona, oriento que a dipirona não é um fármaco com eficácia anti-inflamatória. Oriento que para dores de dente inespecíficas, o efeito anti-inflamatório será necessário.

    Quanto às prescrições, no livro[2] temos:

    Os AINEs (anti-inflamatórios não esteroidais) são indicados para o controle da dor aguda de intensidade moderada a severa, no período pós-operatório de intervenções odontológicas eletivas, tais como exodontia de inclusos, as cirurgias periodontais, a colocação de implantes múltiplos, os procedimentos de enxertia óssea etc. O regime mais eficaz com os AINEs é de analgesia preventiva, introduzindo imediatamente após a lesão tecidual, porém antes do início da sensação dolorosa. Em termos práticos, a primeira dose é administrada ao final do procedimento (paciente ainda sob os efeitos da anestesia local), seguidas das doses de manutenção, por curto período. Os AINEs também podem ser úteis no controle da dor já instalada, decorrentes de processos inflamatórios agudos (p.ex. percicementites), como complemento dos procedimentos de ordem local.


    E outro texto sobre a má-prática[3] :

    Evitando lesões por negligência durante a terapia endodôntica – A consideração mais importante seguir as diretrizes e protocolo padrão durante a realização do tratamento endodôntico. A observação dos protocolos de tratamento está associada ao compromisso com qualidade do resultado do tratamento, o que pode levar a processos cíveis indenizatórios. A grande maioria das lesões resultantes da má prática do tratamento endodôntico foi considerada evitável. O conhecimento atualizado do assunto e a competência de habilidades também são um dos fatores na prevenção da negligência endodôntica e permite que os profissionais diagnostiquem, planejem o tratamento e realizem o procedimento endodôntico com os prognósticos desejados. Portanto, as habilidades técnicas dos endodontistas devem ser aprimoradas com experiência de trabalho supervisionada, workshops e atividades de desenvolvimento profissional contínuo. Para reduzir a probabilidade de processos judiciais, o plano de tratamento endodôntico, o prognóstico e todas as complicações possíveis devem ser discutidos com o paciente, seguidos da assinatura de um consentimento informado por escrito. Além disso, a Associação Americana de Endodontistas forneceu um formulário de avaliação para avaliar a dificuldade do caso, que é uma ferramenta valiosa para prever as possíveis complicações e contratempos. Usar o isolamento do dique de borracha para minimizar o risco de infecção cruzada e prevenir a inalação ou ingestão acidental de instrumentos endodônticos de materiais dentários, que é sempre recomendado. As variações anatômicas nas raízes e na morfologia do canal radicular são comuns. Portanto, as radiografias pré-operatórias são essenciais e auxiliam os operadores no diagnóstico correto da extensão da cavidade de acesso e instrumentação dos canais radiculares. Além disso, as radiografias ajudam a reduzir as chances de erros de procedimento, como perfuração, remoção ou formação de saliências. Se disponível, o dentista deve considerar o uso de equipamentos avançados (como sistemas rotativos bem controlados e tomografia computadorizada de feixe cônico), pois o uso de tais tecnologias reduz o risco de erros de procedimento e má-prática odontológica.

    Vou classificar a analgesia de: antiinflamatórios não esterioidais (AINEs), antiiflamatórios esteroidais GC (glicocorticóides), analgésicos comuns e analgésicos de ação central. Escrevei sobre o cloridrato de tramadol como um analgésico de ação central. A classificação será quanto a potência analgésica que observei nesses onze anos, pois ingressei na Prefeitura de São Paulo em 2014, depois de ser aprovado no concurso público. Ainda dividiremos os analgésicos entre injetáveis e comprimidos/cápsulas/drágeas, ou via oral.

    Então teremos:

    Analgesia muito boa (++++): quatro cruzes.

    Analgesia boa (+++): três cruzes.

    Analgesia média (++): duas cruzes

    Analgesia fraca (+): uma cruz.

    FÁRMACOS INJETÁVEIS

    Gosto bastante e prescrevo com frequência as injeções após a instrumentação de canais em pacientes que se queixam de uma dor com score sete ou maior, numa escala de zero a dez. Normalmente, se o paciente afirma insônia, sempre administro na via injetável.

    Betametasona: suas apresentações mais famosas são Diprospan 7 mg (Dipropionato de Betametasona 2 mg + Fosfato Dissódico de Betametasona 5 mg). Mais raro é o Celestone 2 mg, nem sempre disponível no serviço público. Tem bom efeito analgésico e é rápido na via injetável. Como reações adversas: aumento do apetite e euforia leve. Pessoalmente, esse medicamento me causa uma cefaleia chata. Os pacientes costumam conhecer e o consideram um remédio muito forte, alguns tem medo dele por causa dessa fama. Uma ampola é necessária para tratar uma dor pós-instrumentação, flare up e dor pericementária (pericementite ou periapicite). Existe o Duoflam, Beta-Trinta e a versão genérica. (++++)

    Dexametasona: sua apresentação mais famosa é o Decadron (Fosfato Dissódico de Dexametasona 4 mg ou 10 mg). Decadron é praticamente o sinônimo da dexametasona com ampolas com 2 ml ou 2,5 ml para a versão com 10 mg. Tem bom efeito analgésico e é rápido na via injetável. Como reações adversas: aumento do apetite e euforia leve. Pessoalmente, esse medicamento me causa soluços horríveis e incoercíveis, por isso não tomo essa medicação e prefiro a betametasona. Uma ampola de 4 mg é suficiente para tratar uma dor pós-instrumentação, flare up e dor pericementária (pericementite ou periapicite). A versão de 10 mg não é necessária, vez que 4 mg foram suficientes. A versão genérica é bastante comum nas UBS. (++++)

    Diclofenaco[4]: sua apresentação mais famosa é o Voltaren (diclofenaco sódico 75 mg). Antigamente, existia a versão injetável de Cataflam (diclofenaco potássico), mas há anos não a encontro em farmácias ou unidades de saúde. É o fármaco mais barato e o que mais prescrevo na via interna, intramuscular no glúteo. A dose única costuma ser suficiente para tratar a dor relacionada à pulpite ou dor pós-instrumentação, flare up e dor pericementária (pericementite ou periapicite). Também prescrevo com frequência para evitar a dor pós-operatória nas exodontias com osteotomias, em destaque para os terceiros molares. O paciente precisou de uma dose no dia seguintes em menos de 2% das exodontias. Relativamente seguro, e o evento adverso mais comum é a epigrastalgia. (++++)

    Cetoprofeno: também chamado de Profenid, comum em pós-operatórios hospitalares em Ortopedia, Cirurgia Geral e Otorrinolaringologia. A dose de 100 mg a cada doze horas, na veia, é aceitável. Tem a vantagem de uma posologia mais flexível com duas ou três doses diárias, se comparado às doses únicas do diclofenaco. A náusea, vômito ou dor epigástrica são as reações adversas mais comuns. A dose única costuma ser suficiente para tratar a dor relacionada à pulpite ou dor pós-instrumentação, flare up e dor pericementária (pericementite ou periapicite). Também prescrevo com frequência para evitar a dor pós-operatória nas exodontias com osteotomias, em destaque para os terceiros molares. Eficácia clínica analgésica equivalente ao diclofenaco injetável, segundo minhas observações. (++++).

    Tenoxicam: a nome comercial Tilatil é o mais famoso, quase um sinônimo. Numa época que trabalhei num Serviço, eles tinham uma relação com um fabricante e havia duas modalidades de ampolas – 20mg ou 40 mg. Foi um medicamento que não vi boa resposta para o tratamento de dor endodôntica. Considero inferior em analgesia em relação ao diclofenaco 75 mg e o cetoprofeno 100 mg, ambos intramusculares nas especialidades de Endodontia e Cirurgia Bucal ou Maxilofacial. Desconselho essa medicação. (++ 40 mg ou + 20 mg)

    Tramadol 100 mg injetável: não tive experiência suficiente para formar uma opinião.

    Dipirona sódica injetável: em razão da falta de efeito anti-inflamatório, nunca prescrevi isoladamente. A escolha da dipirona sempre esteve associada ao corticoide, portanto, não pude formar uma opinião sobre ela em uso avulso. Normalmente, antes de mudar de fórmula, o Lisador era o “sinônimo” de dipiora, muito embora tenha seja medicamento com associações – Lisador Injetável 375mg de dipirona + 12,5mg de prometazina + 12,5mg cloridrato de adifenina, caixa com 3 ampolas com 2mL de solução de uso intramuscular ou intravenoso. Já o Lisador na fórmula acima, consegui bons resultados quando estudei no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. No entanto, os casos eram exclusivos na Cirurgia Bucomaxilofacial. O Lisador era injetado a cada seis horas (750 mg de dipirona sódica), no leito hospitalar, com ótima analgesia. (++++)

    Meloxicam: usei poucas vezes a versão injetável de 15 mg por ampola, em razão de ter recebido amostras do antigo Movatec. Agora, o Melocox é a marca mais comum no mercado. Em razão do pouco uso injetável, não pude classificá-lo nesta escala quatro graus de analgesia, embora via oral tenha se mostrado pouco eficaz.

    Acredito que uma injeção em dose única de diclofenaco 75 mg ou cetoprofeno 100 mg seja suficiente após a instrumentação de canais infectados, pulpectomia ou penetração desinfetante em Endodontia. Como medicação de resgate, uma prescrição da mesma droga via oral para os quatro dias seguintes, ou diclofenaco sódico 50 mg a cada oito horas ou cetoprofeno 100 mg a cada doze horas, via oral para ambos. Atenção para a técnica[5] de injeção.

    FÁRMACOS POR VIA ORAL

    No ótimo livro de Farmacologia de Eduardo Dias de Andrade, capítulo 6, tabela 6.2, o professor apresenta como principais AINEs (anti-inflamatórios não esteroidais) os fármacos: cetorolaco (Toragesic); diclofenaco potássico (Cataflam); ibuprofeno (Advil); nimesulida; cetoprofeno; piroxicam; tenoxicam; meloxicam; celecoxibe (Celebra); Etoricoxibe (Arcoxia). Foda da lista temos: etodolaco, lornoxicam, loxoprofeno.

    Assisti a um curso no ano passado, promovido pela Prefeitura de Taboão da Serra com a disciplina de Clínica Odontológica da FOUSP. Na ocasião, o professor Rodney concluiu: (a) ibuprofeno de 200 a 400 mg para dores leves e moderadas; (b) celecoxibe 200 mg ou 400 mg na dose inicial para dores intensas; (c) dipirona como droga para se associar e se alcançar analgesia mais eficiente; (d) paracetamol com codeína 30 mg (Tylex) para dores intensas. E de fato podemos associar celecoxibe com dipirona, ibuprofeno e dipirona, além dos casos de celecoxibe com codeína e paracetamol – esta última a minha preferida. No entanto, os pacientes costumam reclamar do preço. Não considero o celecoxibe como um bom analgésico, seu efeito contra a dor é fraco e eu classificaria como (+), uma das cruzes. Já associado, tem ótimo efeito anti-inflamatórios e a dipirona ou a codeína associada servem na fração analgésica e rápida da dor. Nos meu pacientes de exodontias de terceiro molar com osteotomia, na clínica particular, sempre prescrevo celecoxibe e deixo uma receita separada com o Tylex, para comprar se a dor se intensificar.

    O curso da FOUSP não citou o uso de medicamentos injetáveis, já o livro do professor Andrade pontua bem no uso de injetáveis, o qual defende a aplicação do Diprospan (betametasona) antes do procedimento, como forma de analgesia preemptiva. Na literatura[6] sobre o controle da dor pós-operatória:

    Tratamento da dor pós-operatória – Em implantodontia, diferentes classificações e mecanismos de supressão da dor podem ser usados. Um protocolo de controle de dor foi estabelecido, o que significa e padroniza os vários aspectos de alívio da dor:

    1. Analgésicos não-opioides (paracetamol, ibuprofeno, naproxeno, cetoprofeno, piroxicam, nimesulida, celecoxibe, tramadol)
    2. Analgésicos opioides (codeína).
    3. Adjuvantes.

    A estratégia do manejo da dor usando múltiplos analgésicos com diferentes mecanismos de ação é denominada terapia analgésica combinada. O objetivo de combinar diferentes tipos é aumentar o efeito analgésico e diminuir as possíveis reações adversar farmacológicas. Quando múltiplas drogas são usadas em combinação os efeitos aditivos e sinérgicos permitem o uso de doses menores de cada droga individual. Com a terapia combinada, o paracetamol e os anti-inflamatórios são usados somados a um opioide. (…) Devido ao efeito máximo do paracetamol e dos anti-inflamatórios não-esteroidais, incrementos na dosagem não fornecerão qualquer analgesia adicional; contudo irão aumentar os efeitos colaterais.

    Minha experiência clínica classifica com potentes e rápidos analgésicos (++++): naproxeno sódico 500 ou 550 mg; diclofenaco sódico 50 mg; piroxicam[7] 20 mg; cetoprofeno 50 ou 100 mg; codeína 30 ou 60 mg associados com paracetamol ou sem associar. Portanto, são medicamentos de ataque para a dor.

    Já os bons também são (+++): loxoprofeno 60 mg (Loxonin ou Oxotron) e tramadol 50 ou 100 mg. Nunca gostei muito do tramadol, pois considero-o inferior à associação de codeína 30 mg e paracetamol 500 mg. Pode ser usados como medicamentos de ataque para a dor.

    Insuficientes (++) e (+): meloxicam, tenoxicam, lornoxicam (Xefo 8 mg); nimesulida; etodolaco; celecoxibe e etoricoxibe.

    Como já escrevi, se uso celecoxibe, associo com outro medicamento para analgesia mais rápida. O uso de corticoides via oral é lento para o efeito de analgesia, como dexametasona e betametasona em comprimidos. Não os usocomo medicamentos de ataque contra à dor.

    Não vejo nenhum motivo para prescrever uma medicação de resgate para todos os pacientes de Endodontia.

    ASSOCIAÇÕES ENTRE CLASSES DIFERENTES E VIAS DE ADMINSTRAÇÃO DIFERENTES

    As associações que pratico são um AINE com um analgésico puro (sem efeito anti-inflamatório). Uso a paracetamol 500 mg como a primeira escolha e o Tylex, para associações com celecoxibe, nimesulida ou qualquer outro dos grupos (++) ou (+). Na literatura[8], sobre a reagudização no pós-operatório:

    Flare-up: Igualmente, a sintomatologia clínica pós-operatória pode ser controlada pelo emprego de anestésicos de longa duração, como a bupivacaína, durante a execução dos procedimentos, e pela prescrição de agentes analgésicos/anti-inflamatórios, como o ibuprofeno de 400 a 600 mg, a cada seis horas. Outros agentes, como diclofenaco, naproxeno, cetoprofeno e piroxicam também são bastante eficazes no controle da dor de origem endodôntica. Em casos de dor severa, recomenda-se associar o acetaminofeno de 650 a 1.000 mg no intervalo das doses do ibuprofeno. Para pacientes com intolerância a AINEs que apresentam dor severa, recomenda-se o acetaminofeno de 650-1.000 mg associado a um opioide (60 mg de codeína ou 10 mg de hidrocodona).2 Em consultas posteriores, após a remissão dos sintomas em canais parcialmente instrumentados, a extrusão apical pode causar exacerbação por mobilização de novas células inflamatórias para aquela região. Este flare-up gera frustração ao profissional e, principalmente, ao paciente, que se julgava livre da dor.

    A reagudização é uma possibilidade previsível, portanto, sejamos pesados na prescrição de analgésicos. Também podemos associar um fármaco via intramuscular com um fármaco via oral. Por exemplo: uma injeção de 75 mg de diclofenaco via intramuscular, com possível continuação de comprimidos, em casa, para diclofenaco sódico com 50 mg por drágea. Na literatura[9], já previsto:

    O regime mais eficaz com os AINEs é o de analgesia preventiva, introduzindo imediatamente após a lesão tecidual, porém antes do início da sensação dolorosa. Em termo práticos, a primeira dose é administrada no final do procedimento (paciente ainda sob os efeitos da anestesia local), seguida das doses de manutenção, por curto período. Os AINEs também são eficazes na dor já instalada (p.ex: pericementites), como complemento dos procedimentos de ordem local (remoção da causa).

    A falha no controle da dor leva a problemas como: o tratamento e opinião de outro profissional, automedicação, associação irracional de medicamentos e até processos na Justiça. Portanto, sempre prescreva um comprimido para o paciente, anote no seu prontuário porque o livrará de problemas futuros. Se o paciente levou a receita e não tomou e depois reclamou, isso precisa constar por escrito e será sua defesa em processos indenizatórios oportunistas.

    O flare-up frusta o dentista.

    CONCLUSÃO

    Use sempre o naproxeno, diclofenaco, cetoprofeno ou piroxicam em razão de sua potência analgésica. Na pior das hipóteses, precisará complementar com uma injeção intramuscular de diclofenaco 75 mg ou cetoprofeno 100 mg. Se impossível, a prescrição bem indicada será o Tylex, com fosfato de codeína 30 mg com paracetamol 500 mg. O controle da dor é tarefa do profissional, sem ele, a intervenção de terceiros ou de hábitos nocivos do paciente poderá acabar com sua clientela.

    São Paulo, 16 de fevereiro de 2025

    (assinatura digital)


    [1] ANDRADE, Terapêutica Medicamentosa em Odontologia, Artes Médicas, São Paulo, 2014, p.3-5.

    [2] ANDRADE, Terapêutica Medicamentosa em Odontologia, ed. Artes Médicas, 3ª edição, São Paulo, 2019.

    [3] ALRAHABIL, Aspects of Clinical Malpractice in Endodontics, Mothanna Alrahabi, Muhammad Sohail Zafar, Nejdet Adanir, 2019.

    [4] SANTOS, Jadson. Estudo comparativo da analgesia preemptiva do tramadol, combinado a dexametasona e diclofenaco de sódio em cirurgia de terceiro molar, Aracaju, 2011.

    [5] MARQUES FILHO, José. Necrose tecidual após injeção de diclofenaco de sódio, Revista Brasileira de Reumatologia, julho/agosto 2003, p.273-274.

    [6] MISCH, Implantes Dentais Contemporâneos, Carl E. Misch, 3ª edição, Elsevier, p. 477-480.

    [7] Feldene SL (sublingual) talvez seja o analgésico mais rápido. No entanto, tem sido difícil de se encontrar desde 2024.

    [8] LOPES e SIQUEIRA, Endodontia – Biologia e técnica, 4ª Edição, Editora Elsevier, 2014, p. 1302.

    [9] ANDRADE, Terapêutica Medicamentosa em Odontologia, ed. Artes Médicas, 3ª edição, São Paulo, 2019, p. 47.

  • Os riscos ocultos do turismo médico para o dentista e as consequências para o profissional. Gestão de risco.

    #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos

    André Eduardo Amaral Ribeiro[1], dentista em São Paulo.

    Março de 2025.

    Palavras-chave: #quesitos #odontologia #periciajudicial #odontologialegal


    Vejo fotos de profissionais com pessoas que vieram de países com moeda valorizada, como os Estados Unidos e Europa, para receberem cirurgias e tratamento dentários aqui no Brasil. Também conheci uma dentista, poliglota, que criou uma empresa de turismo de saúde com a qual trabalha para trazer franceses e italianos para tratamentos em Cirurgia Plástica e Odontologia para o Brasil.

    Por outro lado, conheci um rapaz que foi a Istambul, Turquia, para implantar cabelos. O preço da cirurgia era um terço do preço aqui no Brasil. O pós-operatório foi um desastre e não houve socorro, em razão da distância. Vi também dentistas brasileiros concluírem em um dia reabilitações de todos os dentes, inferiores e superiores, com protocolos de Branemark e serem processados por isso. Vi garotas de vinte anos que vieram da Flórida para tratar um canal aqui no Brasil, pois gastariam U$ 2.300,00 no dentista da cidade delas lá. Os dentistas não imaginaram as consequências.

    Teoricamente, não existiriam contraindicações para o tratamento, pois seriam pacientes ideais, com moeda forte no bolso e dispostos a pagar à vista.

    Mas vi casos concretos: quatro processos movidos contra dentistas em 2024. Brasileiros no exterior exigiram indenizações, mas calculadas em dólares, por procedimentos refeitos nos EUA. Uma prótese fixa se transformou em um irritante processo judicial em que um reclamão voltou ao Brasil para participar de uma única audiência de vinte minutos. O paciente viveu duas semanas no Brasil e procurou sua dentista para corrigir a ausência de um pré-molar superior, visível no sorriso. O tratamento correu às pressas, pois a dentista pressionou o protético para entregar rápido a ponte fixa – que ligaria o canino ao segundo pré-molar superior. Concluí que a dentista teria que repetir a moldagem e o protético refazer a parte metálica da prótese fixa com três elementos. No entanto, o paciente tinha sua passagem aérea marcada e voltou aos EUA. Dez dias depois, lá nos EUA, comeu um chocolate – segundo o que ele me alegou, pois, tal prova é muito difícil de se produzir – e o pôntico quebrou. Ele se consultou com um dentista lá, que criticou o trabalho dental brasileiro, disse que teria de refazer tudo e cobrou de mais de R$ 2.000,00 dólares. No Brasil, havia custado R$ 1.500,00. Então, o paciente fez as contas e resolveu culpar sua dentista brasileira.

    Por meio de processo digital, contratou um advogado no Brasil, que agravou com um pedido indenizatório. A cobrança foi calculada em dólares com câmbio alavancado, as custas do advogado, o valor foi crescendo com os danos morais e outras invenções do advogado como dano estético. A juíza determinou a perícia e fui escolhido como perito.

    Minha apuração pericial concluiu: a dentista nada anotou sobre a pressão do paciente para concluir o tratamento até a data do seu voo de retorno aos EUA. Ela até foi informada, pois em outros casos, o paciente não explica onde mora – pois teme que o valor do tratamento seja inflacionado, pois imagina que o paciente ganha em dólares, então pode pagar. Já o paciente pensou com má-fé, pois ele apenas cotou os procedimentos nos EUA, sem pagá-los. Apresentou os valores como se o tratamento fosse feito. Enfim, ele voltou a viver sem a prótese, com uma falha na dentição que já carregava há mais de dez anos. A minha perícia foi feita por videochamada com o paciente e a assistente técnica da clínica dentária brasileira. O paciente era agressivo e grosso, com tom de deboche ao Brasil. No fim, apurei que ele apenas conseguiu três orçamentos nos EUA sem iniciar o retratamento. As notas fiscais americanas são diferentes das nossas brasileiras e não pude compreendê-las por inteiro. Mas não houve nenhuma prova sólida de que ele havia substituído a prótese nos EUA. Escrevi tudo isso no laudo, ele se revoltou e mudou sua estratégia. Pediu uma audiência presencial, veio ao Brasil para participar e no fim, conseguiu uma pequena indenização de R$ 6.500,00. No fim, a indenização não custeou a nem mesmo a passagem aérea.

    Portanto, um processo cível de má-fé, um prejuízo razoavelmente pequeno para a clínica brasileira, um advogado que levou um dinheiro fácil e um homem que vive nos EUA e que xinga o Brasil o tempo todo, suponho. Tudo deu errado por orientações equivocadas, talvez um familiar, talvez um familiar, talvez o advogado. Como perito, já previ tudo isso: a burocracia do processo que traria esse resultado ínfimo.

    Quanto à dentista brasileira, ela ficou surpresa com a minha conclusão de que deveria anotar no prontuário que o paciente morava nos EUA, e mais surpresa com minha sugestão de anotar Turismo de Saúde no prontuário. O entendimento muda nesse caso, pois a garantia existe, o paciente simplesmente não está aqui para exercê-la.

    Então, um novo problema na Saúde e no Judiciário: consequências negativas do turismo de saúde.

    Existe a má-fé, mas há a obrigação de retornar ao profissional no caso de complicações do caso ou de consultas pós-tratamento obrigatórias. No caso das cirurgias, fica mais difícil e arriscado para profissionais e pacientes: complicações tardias, infecções, dores, necessidade de reavaliações presenciais. A teleconsulta não ajudará na maioria dos casos, em Odontologia, acredito que nenhum momento, pois tudo na profissão requer intervenção e instrumentação. Os improvisos para tratar uma pulpite são inúteis: tentar aplacar uma dor pulsátil com analgésicos, mesmo que morfina não será eficaz. E ainda há dificuldade de se obter medicamentos no exterior.

    E houve outro caso: a jovem de vinte anos vivia na Flórida e sofria de uma dor dental que era suportável, mas se agravou em dois meses. Era uma pulpite[2] – a famosa dor de dente – que a população compara como: “pior que dor do parto e pior que dor de pedra nos rins[3]. A jovem comprou medicamentos como paracetamol, ibuprofeno e naproxeno no supermercado americano e os consumiu em grandes quantidades e superdoses de comprimidos. Teve dores gástricas e se automedicou com omeprazol e pastilhas contra acidez. Empurrou a situação até chegar ao fim do ano, quando veio ao Brasil para ver a família e “aproveitar, e passar na dentista”, segundo palavras dela no processo. A dentista diagnosticou e propôs o tratamento endodôntico clássico (tratamento de canal). E foi tratada em consulta única, em duas horas – uma técnica preconizada na literatura[4]. A dentista prescreveu o celecoxibe 200 mg por cinco dias. Tudo correu bem – a dor cessou.

    Após a realização do preparo químico-mecânico em dentes com polpas vitais, duas são as opções de tratamento: a obturação do sistema de canais radiculares na mesma sessão operatória; ou a colocação de uma medicação intracanal, postergando a conclusão do tratamento para uma segunda sessão. O tratamento em sessão única em casos de biopulpectomia é um procedimento que apresenta mais vantagens do que desvantagens, tanto para o profissional quanto para o paciente: economia de tempo, economia de material descartável, maior produtividade e início imediato dos procedimentos restauradores. Além disso, tal tratamento vem se tornando um fato rotineiro, principalmente quando os fatores habilidade do profissional, ergonomia na execução e aceitação pelo paciente permitirem a sua realização. O fato de que na biopulpectomia a polpa radicular encontra-se inflamada, mas não infectada, permite a conclusão do tratamento em sessão única, não havendo a necessidade de empregar um medicamento entre as consultas para auxiliar na desinfecção do sistema de canais radiculares.

    CASOS PERICIAIS CONCRETOS

    Ao voltar à Florida, a jovem supostamente sofreu alguma dor. Procurou três dentistas e um deles acusou o tratamento brasileiro de estar errado e que precisava ser refeito. Propôs US $ 2.400,00. Aproximadamente, seis vezes o valor pago aqui. A jovem não tinha o dinheiro nem tinha cartão de crédito nos EUA. No entanto, resolveu procurar um advogado. Tudo deu errado. Por viver nos EUA e supostamente receber em dólares não teve o benefício da justiça gratuita, pois a juíza brasileira recusou o pedido. Depois o processo entrou em fase pericial e fui escolhido para o caso. A jovem entregou radiografias que foram tomadas lá: nada vi de errado no caso. O canal estava hermeticamente fechado, cônico, sem bolhas de ar. O periápice estava em fase de cicatrização. Um trabalho bem-feito e honesto. Não haveria como condenar a dentista. A história da jovem não podia ser comprovada: “tive um dor, o dentista falou que estava errado, tomei amoxicilina” Aliás, a única prova foi uma foto do frasco de amoxicilina da jovem de uma farmácia do Walgreens. E ela entrou em contato com a dentista no Brasil: “venha até aqui, vou reavaliar”. A dentista nada sabia sobre sua antiga paciente morar na Florida. Novamente, a dentista prescreveu o celecoxibe e foi então que a jovem admitiu que estava nos EUA. A receita brasileira não serviria para comprar o medicamento nos EUA e  então, a dentista conheceu a verdadeira história escondida de sua paciente.

    Não houve perícia presencial, fizemos a modalidade perícia indireta: avaliação dos documentos. No caso da Endodontia, o tratamento é visível somente por radiografias. A dentista tinha boas radiografias e as apresentou adequadamente. Já a jovem se atrapalhou, ou foi mal orientada e não conseguiu apresentar as provas. Então, conclui que não havia lógica na demanda e o processo foi encerrado. No entanto, a jovem agora deve pagar a sucumbência (taxas e honorários da dentista brasileira) e o processo encontra-se na fase de execução dessa cobrança, contra uma pessoa que sequer ter residência fixa nos EUA. O processo foi um desastre para ambos os lados.

    Atenção aos procedimentos com detalhes, como as lentes de contato. Na literatura[5]:

    Indicações e Contraindicações: A indicação da faceta de porcelana deve ser precedida de uma análise do caso e a constatação da real necessidade deste tratamento, pois o bom senso é fundamental, já que a conservação de estruturas dentárias é um dos objetivos:

    1. Mudanças discretas na cor dos dentes,
    2. fechamento de diastemas,
    3. restaurações em dentes com fraturas pequenas,
    4. irregularidades,
    5. mudanças no contorno dentário,
    6. camuflagem de restaurações classes III, IV e V, são alguns exemplos de indicações para lentes de contato.
    7. Dentes pequenos e lingualizados também são ideais para a aplicação sem a necessidade desgaste dental prévio.

    Por outro lado, a aplicação de lentes de contato dentais está contraindicada em:

    • dentes expostos à elevada carga oclusal.
    • Hábitos para-funcionais como o bruxismo,
    • grande modificação de posicionamento dentário,
    • grande destruição coronária,
    • alterações importantes de cor,
    • dentes salientes, restaurações extensas e
    • presença de doença periodontal não favorecem o planejamento com esses laminados.  Quantidade de esmalte insuficiente para a obtenção de uma boa adesão e pacientes com higiene bucal inadequada também são contraindicações.

    Então, oriento o dentista a recusar tratar seu paciente se entender que o pouco tempo que o paciente ficará no Brasil será insuficiente para todas as etapas do tratamento. E outro problema é a prescrição de medicamentos, pois as receitas brasileiras não servem no exterior.

    A GARANTIA DO TRATAMENTO EXISTE…AQUI NO BRASIL

      Um caso forçado foi de um idoso que vivia no Canadá. Veio ao Brasil e tentou uma reabilitação completa em prazo difícil de concluir. Ele exigiu que tudo fosse feito até um dia antes de regressar ao Canadá. Eram dois protocolos de Branemark: superior e inferior. A ideia do paciente era conseguir construir todos os seus dentes em duas semanas no Brasil e voltar. O pós-operatório é complexo. Exige retornos após sete, quatorze e um mês, talvez. Exige radiografias de controle e revisões na oclusão. Por ser complexo, não se pode ter certeza dos retornos do paciente, em especial para ajustar a mordida e a oclusão. As peças podem se soltar. Uma série de complicações. O paciente nunca comunicou a vida no Canadá ao dentista e não pensou em cumprir os retornos, sequer voltou para remover a sutura. Retornou ao Canadá e a prótese começou a incomodar e ele telefonou para o Brasil. O dentista disse para vir na quinta-feira, às 9h. O paciente aceitou, mas desmarcou a consulta por WhatsAPP, pois inventou que viajaria ao Canadá por causa de uma urgência. Na verdade, ele já estava no Canadá. Omitiu tudo do dentista. No fim, achou que tinha muitos direitos, foi orientado por pessoas de má-fé e entrou com um processo indenizatório e perdeu.

    Quanto à garantia, ela existe na lei brasileira. O dentista estava disponível, marcou uma consulta, mas o paciente estava a milhares de milhas daqui (Thousand miles away). Não havia o que reclamar porque não exerceu seu direito a usar a garantia do tratamento. Não havia o que reclamar. A questão toda ficou sobre se o dentista sabia que o paciente iria viajar e se morava no exterior. Ir viajar é uma declaração genérica, pode ser uma viagem de uma semana. Mas pessoas que moram em outros países não comunicam que vivem fora. Aí reside tudo – a falta de informações, que o paciente omite, por medo que seja cobrado em dólares. Sugiro que ao ouvir qualquer menção de que o paciente precisa viajar, pergunte sobre essa suposta viagem. A realidade é que você deverá entender essa viagem como um prazo para concluir o tratamento. Muitas vezes o problema também começa com check-up com a frase: “moro nos EUA, estou aqui no Brasil de passagem e quero fazer uma avaliação” deve ser interpretada conforme esses conselhos nossos.

    RESUMO

    O turismo da saúde é um bom negócio, em razão da moeda forte com a qual os clientes estão abastecidos. No entanto, não é uma modalidade isenta de riscos, pois existe má-fé e possibilidade de um erro se converter uma dívida em dólares ou euros. Siga estes cuidados.

    1. Ao ouvir que o paciente precisará viajar e que o tratamento precisará ser concluído até a data do voo, imagina a risco de o contrato não ser cumprido ou ser feito às pressas, sem o cuidado necessário. As moldagens, lentes de contato e as próteses se encaixam perfeitamente neste risco – usar uma prótese com uma adaptação moderada empurrará o problema para o futuro. Muitos pacientes omitem que moram no exterior por medo de que o preço do tratamento seja inflacionado, por supostamente o paciente ter salário em dólares ou euros. Portanto, questione quando ouvir essa declaração de viagem e pergunte se o paciente mora no exterior. Essa informação deve constar no prontuário.
    2. Considere que poderá haver uma indenização cotada em dólares e que existe muita má-fé movida por parentes ou advogados mal-intencionados. Os dentistas no exterior podem criticar seu procedimento com finalidade de agarrar um novo paciente. O paciente poderá fazer algum tratamento corretivo e apresentar o custo em juízo, em dólares, aqui no Brasil e pretender que o dentista ou a clínica pague.
    3. As receitas de antibióticos e analgésicos não valem no exterior. Medicar à distância será ineficaz. O tratamento da dor à distância no exterior é complicada.
    4. A garantia do produto existe, mas quem não está aqui para exercer o seu direito é o próprio paciente. Por isso, a informação de que o paciente vive no exterior deve sempre ser anotada no prontuário.

    São Paulo, 3 de março de 2025

    andreamaralribeiro@hotmail.com

    (assinatura digital)


    [1] Perito judicial no TJ-SP com 298 nomeações na área cível (indenizações).

    [2] A polpa dentária está singularmente dentro de uma cavidade inelástica (a câmara pulpar do dente). Já outras inflamações em tecidos do corpo (um músculo, uma articulação) conseguem se expandir um pouco com o edema. No caso dos dentes, o edema cria uma pressão insuportável, dentro de uma cavidade que não pode se expandir. Isso causa a dor de dente tão intensa que é popularmente conhecida.

    [3] Muitos dentistas negam que exista medicação eficaz para a dor pulpar aguda.

    [4] LOPES e SIQUEIRA, Endodontia – Biologia e técnica, 4ª Edição, Editora Elsevier, 2014, p. 467.

    [5] OKIDA, Ricrdo Coelho, LENTES DE CONTATO: RESTAURAÇÕES MINIMAMENTE INVASIVAS NA SOLUÇÃO DE PROBLEMAS ESTÉTICOS