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André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista e perito judicial[1] em São Paulo. (andreamaralribeiro@hotmail.com)
Os instrutores do ramo da Administração de Empresas são unânimes – caso não consiga esboçar o plano de negócios da sua empresa, sua empresa não irá para frente. A primeira vez que isso escutei foi num curso na FGV, há uns vinte anos. Só entendo o significado hoje. O instrutor ressaltou – se o dono não consegue escrever oitenta páginas sobre um Plano de Negócios que contemple os três primeiros anos da sua empresa, você não terá nada para administrar.
As etapas no livro do Dornelas[2] no capítulo três: Análise de oportunidade – 1) o conceito do negócio; 2) mercado e consumidores; 3) equipe de gestão; 4) produtos e serviços; 5) estrutura e operações; 6) marketing e vendas; 7) estratégia de crescimento; 8) finanças; 9) sumário executivo. Escreva sobre esses temas no mínimo oitenta páginas sobre seu consultório, clínica ou franqueia em Odontologia, se não conseguir chegar às oitenta delas, nem pense em abri-lo e desista da ideia. Coloque seu dinheiro na renda fixa que será melhor assim.
Tudo fez sentido após vinte e quatro anos de formado. Visitei muitos negócios de amigos ou desconhecidos na Estado de São Paulo: franquias grandes, franquias desconhecidas, consultórios avulsos – aqueles com uma ou duas cadeiras, clínicas de radiologia, cursos de treinamento de auxiliares de saúde bucal, consultórios infantis, laboratórios de prótese, clínicas mais populares na periferia, clínicas de luxo nos Jardins, hospitais com serviços de Odontologia. A lição que tirei dessas dezenas de visitas foi a dificuldade que o dentista enfrenta em dimensionar seu negócio. O negócio será subdimensionado, dimensão adequada e superdimensionado. Se há mais espaço do que demanda, entenda-se cadeiras vagas, equipamentos ociosos ou dentistas desocupados. E em cerca de noventa por cento dos negócios que me lembro, eu os encontrei superdimensionamento. E não sou expert ou professor de Administração para perceber e falar desse tópico.
Um amigo montou dois consultórios numa avenida da periferia de São Paulo, cada um com uma cadeira. Eu ficava dois dias por semana em uma unidade e ele ficava todos os dias na outra unidade. A distância entre elas era 800 metros, do mesmo lado da avenida. Alguns dias ficavam vazios na minha unidade, que não funcionava aos sábados. Lembro que ainda não existia celular com internet em 2003, por sorte, eu lia bastante nas horas que ficava lá, ocioso. Nessa época fiz o tal curso na FGV sobre Plano de Negócios e conheci as ideias do Professor José Dornelas naquela época.
No máximo, atendia cinco pacientes num dia, entre 8h e 17h. Naqueles dias em que o consultório ficava vazia, a auxiliar, que era secretária, faxineira, organizadora cuidava da agenda. Nunca deu certo. Esses dois consultórios viveram onze anos superdimensionados. O dono nunca percebeu isso. Um dos consultórios fechou e o outro segue até hoje, ainda superdimensionado – não tem agenda cheia, o dentista pode gastar uma ou duas horas no almoço, pois tanto faria para o negócio. Ele nunca trabalha no limite do funcionamento.
Outro exemplo: uma clínica de radiologia com cerca de R$ 500.000,00 investidos em equipamentos. Na teoria, a clínica poderia atender até oitenta pacientes por dia para panorâmicas, documentações ortodônticas ou moldes de gesso. Nunca chegou a mais de quinze pacientes por dia. O negócio faliu, o dono se afundou em dívidas e hoje não exerce mais a profissão. Nunca percebeu que seu negócio estava superdimensionado também na área imóvel – quase duzentos metros quadrados, com salas de descanso, cozinha, uma sala que servia apenas para uma impressora. As funcionárias passavam boas horas teclando no WhatsApp – aquilo me horrorizou. Era evidente que se tratava de um superimóvel, um superequipamento importado; um supergrupo de funcionários. Até que uma loja da Oxxo abriu na mesma calçada. Foi então que notei a semelhança entre os dois empreendimentos – a Oxxo, apesar de administrada por magnatas do ramo, com parceira com a Cosan e Shell do Brasil, mas onde não havia clientes consumindo nas lojas. As lojas em número maior que a baixa demanda de cachorros-quentes. A diferença era que a Oxxo deixava um funcionário cuidando da loja, enquanto essa clínica de radiologia tinha sete moças passeando pelo imóvel.
Li nas páginas financeiras que a o grupo dono da Oxxo, a Raízen, pretendia abrir uma loja por dia no Brasil. Comecei a observar a lojas em funcionamento – todas eram ociosas. Um garoto entrava em comprava um refrigerante, um adulto comprava um maço de cigarros e a Raízen com as ações a cerca de R$ 7,00. Isso há uns três anos. Hoje, em setembro de 2025, a ação está cerca de R$ 1,20. Admito que comprei algumas ações aos R$ 5,00 e um grande amigo meu disse que compraria quando chegasse a R$ 2,00. Nós dois nos demos mal no mercado. A Raízen começou a somar prejuízos em todos os balanços.
Acredito que algumas franquias como a Sorridents e a OdontoCompany assumiram alguma meta como a da Raízen e chegaram ao total superdimensionamento e consequente ociosidade, talvez abrir uma nova franquia a cada semana no Estado de São Paulo. Isso não é um dado do mercado, mas uma suposição e exemplificação minha. Então, as franquias começaram a buscar investidores e dividir a cidade naqueles mapas. A cláusula de barreira também acompanhava, de modo a impedir que o franqueado absorvesse o conhecimento, o método de trabalho, as técnicas de venda. Depois de tudo aprendido, o franqueado poderia romper o contrato, criar uma marca[3] própria e seguir com o método copiado. A história é muito longa e muitas pessoas se ofenderiam em lembrar dessas tentativas, inclusive amigos próximos.
A superdimensionamento que acredito ter observado nas franquias resultou em coisas interessantes. Todas as tardes, entre 17h e 18h, passo de carro em frente a uma franquia da OdontoCompany. Em dois anos, penso ter visto umas três pessoas entrando na unidade franquiada. E atesto que o local é bastante movimentado para trânsito e para pedestres e ainda fica próximo a uma estação de metrô. Outra unidade da Sorridents – passo de carro pela frente dela entre 13h e 13h30, duas vezes por semana. Nessa unidade realmente nunca vi algum cliente entrar. Identifico sempre a mesma SUV preta estacionada na porta, que sei pertencer a jovem dentista dona da unidade. Lá a situação é pior. O imóvel tem dois andares e oito cadeiras.
O maior superdimensionamento que já vi foi no litoral. Uma dentista criou uma unidade em um calçadão no litoral de SP, com dois andares e quase quarenta cadeiras odontológicas. O local era um cinema no passado, um belo imóvel de mais de mil metros quadrados. Nunca aquelas quarenta cadeiras jamais se ocuparão simultaneamente. O curioso era a visão da dona, que cria que o negócio estava no começo e que em dois anos, estaria bombando. Realmente, a ingenuidade dela me assombrou naquela época. O negócio não existe mais.
Casos de dimensionamento ideal ou até mesmo subdimensionamento foram poucos que me lembro. Visitei uma clínica de um casal, próxima a um shopping famoso de São Paulo. Lá atendiam dois convênios, tinham uma porcentagem considerável de clientes particulares. O interessante é que a sensação de sala de espera lotada era constante. Algumas reclamações dos pacientes dos convênios quanto a espera para a consulta em mais de dez dias. Considero isso como o termômetro ideal para um negócio na dimensão certa ou ligeiramente subdimensionado.
E minha experiência não se restringiu ao Brasil – vi clínicas superdimensionadas na Itália e nos Estados Unidos. Muitas cadeiras vazias, a diferença era que não havia o luxo de mão de obra ociosa, pois nesses dois países o custo de um funcionário é estratosférico. Para assustar, já vi unidades do SUS superdimensionadas em cadeiras, mas exatas em mão de obra – não havia dentistas ou auxiliares ociosos.
Hoje enxergo claramente uma clínica planejada acima da demanda e que leva anos para ajustar sua dimensão. Infelizmente, muitas vão à falência antes que o dono consiga enxergar seu superdimensionamento. E nenhum deles nunca conseguiu escrever as oitenta páginas do plano de negócios…
São Paulo, 15 de setembro de 2025
(assinatura digital)
[1] Soma 326 nomeações na área cível da Odontologia por Juízos de Primeiro Grau.
[2] Dornelas, José; Plano de Negócios, Editora Empreende, São Paulo, 2016.
[3] Isso já aconteceu algumas vezes, e os pacientes nem perceberam, pois o atendimento era idêntico.














