• Dimensionamento do negócio na Odontologia, plano de negócios. O exemplo da Oxxo e Raízen no Brasil.

    Palavras-chave: #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos

    André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista e perito judicial[1] em São Paulo. (andreamaralribeiro@hotmail.com)


    Os instrutores do ramo da Administração de Empresas são unânimes – caso não consiga esboçar o plano de negócios da sua empresa, sua empresa não irá para frente. A primeira vez que isso escutei foi num curso na FGV, há uns vinte anos. Só entendo o significado hoje. O instrutor ressaltou – se o dono não consegue escrever oitenta páginas sobre um  Plano de Negócios que contemple os três primeiros anos da sua empresa, você não terá nada para administrar.

    As etapas no livro do Dornelas[2] no capítulo três: Análise de oportunidade – 1) o conceito do negócio; 2) mercado e consumidores; 3) equipe de gestão; 4) produtos e serviços; 5) estrutura e operações; 6) marketing e vendas; 7) estratégia de crescimento; 8) finanças; 9) sumário executivo. Escreva sobre esses temas no mínimo oitenta páginas sobre seu consultório, clínica ou franqueia em Odontologia, se não conseguir chegar às oitenta delas, nem pense em abri-lo e desista da ideia. Coloque seu dinheiro na renda fixa que será melhor assim.

    Tudo fez sentido após vinte e quatro anos de formado. Visitei muitos negócios de amigos ou desconhecidos na Estado de São Paulo: franquias grandes, franquias desconhecidas, consultórios avulsos – aqueles com uma ou duas cadeiras, clínicas de radiologia, cursos de treinamento de auxiliares de saúde bucal, consultórios infantis, laboratórios de prótese, clínicas mais populares na periferia, clínicas de luxo nos Jardins, hospitais com serviços de Odontologia. A lição que tirei dessas dezenas de visitas foi a dificuldade que o dentista enfrenta em dimensionar seu negócio. O negócio será subdimensionado, dimensão adequada e superdimensionado. Se há mais espaço do que demanda, entenda-se cadeiras vagas, equipamentos ociosos ou dentistas desocupados. E em cerca de noventa por cento dos negócios que me lembro, eu os encontrei superdimensionamento. E não sou expert ou professor de Administração para perceber e falar desse tópico.

    Um amigo montou dois consultórios numa avenida da periferia de São Paulo, cada um com uma cadeira. Eu ficava dois dias por semana em uma unidade e ele ficava todos os dias na outra unidade. A distância entre elas era 800 metros, do mesmo lado da avenida. Alguns dias ficavam vazios na minha unidade, que não funcionava aos sábados. Lembro que ainda não existia celular com internet em 2003, por sorte, eu lia bastante nas horas que ficava lá, ocioso. Nessa época fiz o tal curso na FGV sobre Plano de Negócios e conheci as ideias do Professor José Dornelas naquela época.

    No máximo, atendia cinco pacientes num dia, entre 8h e 17h. Naqueles dias em que o consultório ficava vazia, a auxiliar, que era secretária, faxineira, organizadora cuidava da agenda. Nunca deu certo. Esses dois consultórios viveram onze anos superdimensionados. O dono nunca percebeu isso. Um dos consultórios fechou e o outro segue até hoje, ainda superdimensionado – não tem agenda cheia, o dentista pode gastar uma ou duas horas no almoço, pois tanto faria para o negócio. Ele nunca trabalha no limite do funcionamento.

    Outro exemplo: uma clínica de radiologia com cerca de R$ 500.000,00 investidos em equipamentos. Na teoria, a clínica poderia atender até oitenta pacientes por dia para panorâmicas, documentações ortodônticas ou moldes de gesso. Nunca chegou a mais de quinze pacientes por dia. O negócio faliu, o dono se afundou em dívidas e hoje não exerce mais a profissão. Nunca percebeu que seu negócio estava superdimensionado também na área imóvel – quase duzentos metros quadrados, com salas de descanso, cozinha, uma sala que servia apenas para uma impressora. As funcionárias passavam boas horas teclando no WhatsApp – aquilo me horrorizou. Era evidente que se tratava de um superimóvel, um superequipamento importado; um supergrupo de funcionários. Até que uma loja da Oxxo abriu na mesma calçada. Foi então que notei a semelhança entre os dois empreendimentos – a Oxxo, apesar de administrada por magnatas do ramo, com parceira com a Cosan e Shell do Brasil, mas onde não havia clientes consumindo nas lojas. As lojas em número maior que a baixa demanda de cachorros-quentes. A diferença era que a Oxxo deixava um funcionário cuidando da loja, enquanto essa clínica de radiologia tinha sete moças passeando pelo imóvel.

    Li nas páginas financeiras que a o grupo dono da Oxxo, a Raízen, pretendia abrir uma loja por dia no Brasil. Comecei a observar a lojas em funcionamento – todas eram ociosas. Um garoto entrava em comprava um refrigerante, um adulto comprava um maço de cigarros e a Raízen com as ações a cerca de R$ 7,00. Isso há uns três anos. Hoje, em setembro de 2025, a ação está cerca de R$ 1,20. Admito que comprei algumas ações aos R$ 5,00 e um grande amigo meu disse que compraria quando chegasse a R$ 2,00. Nós dois nos demos mal no mercado. A Raízen começou a somar prejuízos em todos os balanços.

    Acredito que algumas franquias como a Sorridents e a OdontoCompany assumiram alguma meta como a da Raízen e chegaram ao total superdimensionamento e consequente ociosidade, talvez abrir uma nova franquia a cada semana no Estado de São Paulo. Isso não é um dado do mercado, mas uma suposição e exemplificação minha. Então, as franquias começaram a buscar investidores e dividir a cidade naqueles mapas. A cláusula de barreira também acompanhava, de modo a impedir que o franqueado absorvesse o conhecimento, o método de trabalho, as técnicas de venda. Depois de tudo aprendido, o franqueado poderia romper o contrato, criar uma marca[3] própria e seguir com o método copiado. A história é muito longa e muitas pessoas se ofenderiam em lembrar dessas tentativas, inclusive amigos próximos.

    A superdimensionamento que acredito ter observado nas franquias resultou em coisas interessantes. Todas as tardes, entre 17h e 18h, passo de carro em frente a uma franquia da OdontoCompany. Em dois anos, penso ter visto umas três pessoas entrando na unidade franquiada. E atesto que o local é bastante movimentado para trânsito e para pedestres e ainda fica próximo a uma estação de metrô. Outra unidade da Sorridents – passo de carro pela frente dela entre 13h e 13h30, duas vezes por semana. Nessa unidade realmente nunca vi algum cliente entrar. Identifico sempre a mesma SUV preta estacionada na porta, que sei pertencer a jovem dentista dona da unidade. Lá a situação é pior. O imóvel tem dois andares e oito cadeiras.

    O maior superdimensionamento que já vi foi no litoral. Uma dentista criou uma unidade em um calçadão no litoral de SP, com dois andares e quase quarenta cadeiras odontológicas. O local era um cinema no passado, um belo imóvel de mais de mil metros quadrados. Nunca aquelas quarenta cadeiras jamais se ocuparão simultaneamente. O curioso era a visão da dona, que cria que o negócio estava no começo e que em dois anos, estaria bombando. Realmente, a ingenuidade dela me assombrou naquela época. O negócio não existe mais.

    Casos de dimensionamento ideal ou até mesmo subdimensionamento foram poucos que me lembro. Visitei uma clínica de um casal, próxima a um shopping famoso de São Paulo. Lá atendiam dois convênios, tinham uma porcentagem considerável de clientes particulares. O interessante é que a sensação de sala de espera lotada era constante. Algumas reclamações dos pacientes dos convênios quanto a espera para a consulta em mais de dez dias. Considero isso como o termômetro ideal para um negócio na dimensão certa ou ligeiramente subdimensionado.

    E minha experiência não se restringiu ao Brasil – vi clínicas superdimensionadas na Itália e nos Estados Unidos. Muitas cadeiras vazias, a diferença era que não havia o luxo de mão de obra ociosa, pois nesses dois países o custo de um funcionário é estratosférico. Para assustar, já vi unidades do SUS superdimensionadas em cadeiras, mas exatas em mão de obra – não havia dentistas ou auxiliares ociosos.

    Hoje enxergo claramente uma clínica planejada acima da demanda e que leva anos para ajustar sua dimensão. Infelizmente, muitas vão à falência antes que o dono consiga enxergar seu superdimensionamento. E nenhum deles nunca conseguiu escrever as oitenta páginas do plano de negócios…

    São Paulo, 15 de setembro de 2025

    (assinatura digital)


    [1] Soma 326 nomeações na área cível da Odontologia por Juízos de Primeiro Grau.

    [2] Dornelas, José; Plano de Negócios, Editora Empreende, São Paulo, 2016.

    [3] Isso já aconteceu algumas vezes, e os pacientes nem perceberam, pois o atendimento era idêntico.

  • As duas defesas básicas na contestação na Odontologia, os dois argumentos mais fracos.

    André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista e perito judicial no TJSP[1]

    andreamaralribeiro@hotmail.com

    Palavras-chave: #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos


    Escritórios de advocacia com alta demanda em Saúde repetem as mesmas estratégias já desgastadas: abandono do tratamento ou obrigação de meio. Quase nenhum juiz aceita a obrigação de meio na Odontologia. Algumas câmaras até entendem um pouco para este lado, mas ainda insuficientes.

      A contestação fraca se esquece de enumerar os documentos odontológicos que o dentista dispõe antes de qualquer argumento ou tese. Confirme se seu cliente redigiu um prontuário (muitos não fazem, ou fazem num papel de pão, bem esculachado), verifique o termo de consentimento (raridade em São Paulo), as anotações de cada uma das consultas e datas, exames complementares – radiografias. Note que a radiografia pode estar com o paciente ou no banco de dados ou nuvem da clínica de radiologia. O dentista que costuma a pedir radiografias panorâmicas pode acessar todas elas, já o paciente não tem essa facilidade.

    Após esse levantamento, a contestação pode ser esboçada. Quando sou contratado para serviços de assistência técnica quer do paciente, quer do dentista requerido, comecemos pela enumeração dos documentos disponíveis em um prontuário odontológico exemplar. Segundo o CFO os documentos mínimos são: 1) anamnese; 2) anotação das consultas; 3) termo de consentimento; 4) plano de tratamento com custos esperados. Sem eles, resta à defesa trabalhar com dois últimos recursos: abandono de tratamento e obrigação de meio. Justamente os que nunca devemos usar como fundamento por sua fraqueza. Pela minha experiência, chegamos a essas duas defesas genéricas quando o dentista não escreveu um prontuário mínimo – o abandono de tratamento é bastante difícil de se comprovar, embora insistam nele.

    O abandono de tratamento pode ser útil quando o dentista se habitua a anotar algo como: retorno em sete dias, retorno em agosto de 2025. Nesses casos raros fica mais provável funcionar. Por outro lado, sou o único dentista que anota essas informações, mesmo no ambulatório da Prefeitura, pois tomo este cuidado – jogar a obrigação do retorno sobre o cliente. O paciente se compromissou a voltar em uma semana, se não o fez, estava advertido. Para evitar a prática irreal de colher a assinatura ou rubrica do paciente, eu apenas anoto o nome do auxiliar de consultório que estava comigo naquele dia. A Justiça ainda gosta de testemunhas em audiências, o que já considero obsoleto, pois as câmeras de segurança fazem melhor esse trabalho, com data e hora. Também digo porque conheço uma juíza bastante influente, mas que não confia plenamente nos meus laudos e sempre cria uma audiência com familiares e auxiliares de dentista. Ela não usa filmagens do consultório, prefere as testemunhas clássicas, com a acareação.

    Quando estamos realmente perdidos, o último fraco argumento é o de que a Odontologia é um contrato de meio, ou de que o corpo do paciente reage de modos diferentes, que isso, que aquilo… São os casos em que seu cliente dentista perderá a causa. Afirmo com 90% de chances. O mau uso desse argumento se percebe quando o escritório – e conheço dois grandes – que repetem esse argumento e sem ter levantado a documentação em poder do dentista. Usam essas defesas com padrão default para todas as causas em Odontologia porque querem economizar dinheiro com um assistente técnico.

    Prova padrão-ouro: radiografias

    A melhor forma de começar um ataque ou uma defesa é por exames de imagem: radiografias ou tomografias – são impossíveis de falsificar, são objetivas e estão sempre datadas. Não necessariamente a prova pode ser bilateral – o paciente pode não entender o valor da radiografia que guardou em casa e omiti-la para seu advogado, sem saber o valor dela. Mas acredite em mim: são as melhores provas para atacar. Por meio de uma radiografia panorâmica, um assistente técnico pode montar uma tese forte.

    Omissão do prontuário: coisa do passado.

    Um escritório em Curitiba me contratou para um caso em que a dentista se recusava a entregar o prontuário. A advogada da paciente já se atrapalhou e pediu aqueles mandados para se entregar ao oficial de Justiça. Na verdade, ninguém pode se recusar a entregar um prontuário. Se escrito em papel, uma foto de celular das páginas pode resolver o problema. Se um prontuário digital, um arquivo PDF pequeno pode comportar todo o histórico de tratamento de um paciente. Não há mais justificativas para essas omissões. De qualquer forma, essa advogada de Curitiba aguardou a apresentação do prontuário antes de esboçar sua tese de ataque sobre um tratamento ortodôntico de uma adolescente, que supostamente a teria abalado quatro dentes anteriores.  Ela agiu com critério. Contratou um assistente para avaliar a viabilidade do processo – e de fato havia a conhecida reabsorção radicular pós-ortodontia. Era um argumento poderosíssimo contra a dentista irresponsável. Quando recebemos uma cópia do prontuário, as anotações se resumiam a data da consulta e alguns números que indicaram o fio ortodôntico usado. Assim se repetiu por dois anos, sem qualquer orientação sobre higiene bucal, sem qualquer radiografia de controle. Vejam a literatura que um escritório jamais poderá acessar sem um assistente técnico:

    A literatura[2] já especificou o problema.

    A importância das reabsorções dentárias na prática clínica diária está relacionada com as seguintes razões:

    1. Têm frequência significante, constituindo-se em causa comum de perda dentária.
    2. Constituem problemas clínicos de diagnóstico e tratamento; às vezes, suas causas são difíceis de serem identificadas e determinadas com precisão e segurança, dificultando o prognóstico.
    3. Estão implicadas no processo de reparo pós-operatório das estruturas periodontais, quer sejam laterais quer apicais.
    4. São fundamentais no processo de rizólise dos dentes decíduos.
    5. Têm um significante valor semiológico no diagnóstico de lesões císticas e tumorais, como por exemplo, na distinção entre um queratocisto odontogênico e um ameloblastoma.
    6. Caracterizam-se como consequências e complicações de determinadas situações clínicas:

    Traumatismos com ou sem fraturas dentárias, em consequência do processo inflamatório ou da aquilose alveolodentária a serem estabelecidos.

    Fraturas dentárias: dificultando ou impedidnto sua consolidação.

    Reimplantes dentários por causas acidentes e intencionais.

    Lesões periapicais inflamatórias crônicas, especialmente os granulomas periapicais.

    Movimentação dentária induzida.

    A economia não valeria a pena, sem um assistente técnico, esse conceito de reabsorção dentária não é aplicável por advogados que costumam usar trechos de outros processos semelhantes. Até é uma tentativa, mas o ideal é custear a assistência técnica.

    A conclusão desse caso em Curitiba – duas semanas após o protocolo da petição inicial na vara cível, um acordo de R$ 60.000,00 foi assinado. Opinei que era bastante vantajoso, pois a mãe da adolescente acreditava em uma indenização de cem mil reais, ao qual consegui dissuadi-la desse dinheiro. Considero um exemplo perfeito de bom trabalho advocatício – calma, sem pular etapas, aguardar o prontuário e fugir das teses básicas de contrato de meio na Odontologia, ou abandono do tratamento. E o curioso, o prontuário parecia falso ou fabricado, o que é bastante difícil de se fazer. Na verdade, consegui provar que um prontuário era falsificado numa divergência em datas: a compra do antibiótico era anterior à data da receita. Foi sorte, pois percebi sem querer.

    Falta do uso de medicamentos ou contrato de meio?

    Outro argumento fraco é a falta de consumo de antibióticos para justificar uma infecção. As infecções pós-operatórias costumam acontecer em até seis porcento dos casos. Mesmo com a técnica cirúrgica ou ambulatorial perfeita, ela pode acontecer. Neste caso, entendo que a teoria de contrato de meio pode ser aplicada. Na literatura[3]:

    Princípios de profilaxia da infecção de feridas

    Infecções pós-operatórias ocorrem em cerca de 6 a 9% das cirurgias limpas e contaminadas (p. ex., na cavidade bucal) e chegam a 40% em procedimentos envolvendo feridas sujas. Os antibióticos perioperatórios podem reduzir a taxa de infecção em cerca de 3,3% e, especificamente para a cirurgia bucomaxilofacial, em 70%. No entanto, o dentista deve interpretar os dados com cautela. Em primeiro lugar, a incidência de infecção após procedimentos cirúrgicos bucais é muito baixa. Na verdade, as taxas são comparáveis com a frequência de reações alérgicas decorrentes do uso de antibióticos. Em segundo lugar, as infecções do sítio cirúrgico após a cirurgia bucal de rotina são menores e respondem prontamente aos antibióticos ou procedimentos secundários, como incisão intraoral e drenagem em consultório. As análises sistemáticas de estudos clínicos sobre os procedimentos cirúrgicos bucais não conseguiram identificar quaisquer infecções pós-operatórias do espaço profundo da região da cabeça e do pescoço. Os benefícios da prescrição de rotina de antibióticos antes de cada procedimento de cirurgia bucal (redução na já baixa incidência de infecções leves do sítio cirúrgico) não justificam o aumento do risco de reações adversas a antibióticos, o aumento do risco de selecionar bactérias resistentes aos antibióticos e o ônus financeiro para o paciente e o sistema de saúde. Portanto, recomendam-se os antibióticos pré-operatórios apenas em circunstâncias selecionadas, como procedimentos cirúrgicos longos e pacientes com as defesas do hospedeiro comprometidas. Períodos operatórios mais longos demonstraram aumentar o risco de infecções no sítio cirúrgico, e isso tem sido demonstrado em vários estudos e análises sistemáticas com metanálises, que confirmaram uma associação consistente entre o aumento dos períodos operatórios e a ocorrência de infecções do sítio cirúrgico. Embora a maioria das cirurgias bucais seja curta, os antibióticos pré-operatórios podem ser contemplados em procedimentos longos e complicados (p. ex., alveoloplastia extensa com colocação de múltiplos implantes dentários e enxertos ósseos).

    Então, um trecho com esse pode dar munição tanto para o requerente quanto ao requerido sobre o tema comum das infecções pós-operatórias. Um caso em Santos, no qual fui o perito, foi exatamente esse. O dentista se defendeu argumentando que a paciente não havia comprovado a compra do medicamento, pois não havia nota fiscal de compra da farmácia ou não havia o carimbo de aviamento da medicação, caso houvesse retirado o antibiótico no SUS. A paciente autora reclamava de uma infecção pós-operatória, até que feia. Se o caso fosse julgado no estado em que se encontrava, ou seja, sem a perícia, talvez a autora ganhasse a causa. Após a perícia, a questão de não ter comprovado a obtenção do antibiótico ganhou força. Embora as fotos nos autos pudessem impressionar um juiz de direito, dada a imagem de uma grande área vermelha no queixo da paciente, isso não significa muito para o cirurgião. Pode acontecer. Basta saber orientar sua tese e embasar com alguma literatura – não vejo melhor trecho do que o que coloquei acima – um livro referência internacional em Cirurgia Bucal que indicava uma porcentagem de falhas na antibioticoterapia, indicando que mesmo com a técnica perfeita, a infecção poderia acontecer.

    Antes de elaborar teses, levante o prontuário e enumere as provas, com a preferência para os exames de imagem. Não tem como errar.

    São Paulo, 14 de setembro de 2025

    (assinatura digital)


    [1] Soma 326 nomeações até setembro de 2025.

    [2] CONSOLARO, Reabsorções Dentárias nas Práticas Clínicas, Alberto Consolaro, 3ª edição, Editora Dental Press, 2002, p. 20-21.

    [3] HUPP, Princípios de Cirurgia Oral e Maxilofacial, sétima edição, Ed. Guanabara Koogan, 2021, p. 1050:

  • Doenças infecciosas comuns na boca das crianças e os erros dos pais.

    André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista em São Paulo.

    Três doenças dolorosas mais comuns poderão surgir em seus filhos até doze anos: herpes bucal, aftas, candidíase. As doenças se aplicam aos adultos igualmente. As informações servem também para os pais sobre algumas patologias bucais.

    Herpes[1]

    O herpes é causado pelo vírus chamado Herpes simplex. Normalmente, presente em setenta porcento da população adulta mundial. Mesmo com o vírus escondido no corpo, ele pode ficar em silêncio por anos, sem atacar a criança ou adulto, pois é muito comum e prevalente. Não é motivo de preocupação para os pais. As pessoas pegaram o vírus de outra pessoa, por beber em um copo de um restaurante seria um exemplo. De qualquer modo,talvez ele nunca se manifeste.

    A infecção viral pode aparecer antes dos seis anos. Não é sinônimo de sujeira ou má-higiene bucal. A origem é súbita, com pequenas bolhas, duas ou três – a mucosa bucal se avermelha, com mal-estar demonstrado pelo mau humor da criança, dor e importante: a queixa de não querer se alimentar. Alimentos ácidos podem ser intoleráveis para crianças no episódio do herpes. As bolhas se rompem e deixam pequenas úlceras – machucados – de cerca de três milímetros nos lábios, língua, mucosa da bochecha, palato (céu da boca) e amígdalas. Essas úlceras podem ser maiores. Úlcera é o rompimento da continuidade do tecido da superfície da boca. Algumas crianças maiores nos explicam como uma sensação de queimadura. O vírus em si não causa nenhuma queimadura. A febre baixa pode seguir a irritabilidade, por isso um antitérmico como o paracetamol pode ser necessário.

    Um cuidado importante é orientar a criança a não colocar ou coçar as bolhas e depois coçar os olhos, pois poderemos causar uma conjuntivite ocular, muito mais perigoso nos olhos e que pode deixar sequelas no corpo. O diagnóstico é clínico com o histórico da doença, vez que existem exames para detectar os anticorpos do vírus dos herpes, porém desnecessários na maioria das vezes. É possível acertar qual é a doença que está atacando seu filho apenas por examiná-lo – dentista ou pediatra são capazes de afirmar e tratar a doença. Existem alguns exames laboratoriais para confirmar a presença do vírus: (1) para detectar anticorpos produzidos pelo sistema imunológico para combater a infecção. É um exame de sangue; (2) o Teste de Tzanckfeito através de uma raspagem das lesões para avaliar o tecido no microscópio e detectar células específicas presentes quando há infecção pelo herpes. Em pessoas saudáveis, existem  grandes probabilidade de que o anticorpo contra o HSV1 seja notado, sem significado importante. Em pacientes com outras infecções, os testes podem ser necessários.

    A duração da infecção por este vírus incomoda de dez a quatorze dias. Por outro lado, não significa que a criança sofrerá por todos estes dias. Normalmente, três a cinco dias são sensíveis e depois, as úlceras se cicatrizam, embora ao vírus esteja presente e possa ser espalhado por meio da mão suja, colocada no olho ou partes do corpo. Enquanto a criança estiver com dificuldades, os alimentos da dieta devem ser macios, não ácidos, mornos, para não machucam a mucosa em cicatrização. Muitas bolhas causam mais dor e mais irritação na criança e uma única bolha também é provável.

    Dois tipos de medicamentos podem ser úteis: analgésicos – paracetamol, dipirona e ibuprofeno. É necessário calcular a dose de acordo com o peso da criança. Por isso, os pais devem saber o peso de seus filhos. Outro medicamento, mais específico é um antiviral, que nunca deve ser tomado sem prescrição. O aciclovir (Zovirax) é esse medicamento em forma de comprimidos, elixir e creme. Existem outros antivirais mais caros – Penciclovir, Fanciclovir e Valacicovir – que são raros em crianças até os seis anos ou adolescentes. Talvez acima dos sete anos faça mais sentido. Existe até uma apresentação injetável, usadas para pacientes no hospital em razão de outra doença.

    No Brasil, a suspensão oral HPMix (laboratório Aché) é a mais usada, muito em razão do preço mais baixo. É um líquido espesso, concentrado em 40 mg/ml. A tomada deve ser dividida em cinco medidas por dia, normalmente até 5 ml do dosador. Isso é bastante chato, mas recomendo dar uma medida a cada três horas durante o dia, e abolir a dose noturna. A criança não precisa ser acordada para tomar o remédio. O tratamento exige as cinco doses diárias, por cinco a dez dias. Então, é bastante chato e com baixa adesão por indisciplina dos pais ou da criança doente.

    Não ofereça nenhum tipo de anestésico ou enxaguante bucal em seu filho. O anestésico com lidocaína pode ser rapidamente absorvido pelo corpo e atingir um nível alto no sangue de seu filho. Já o enxaguante bucal pode ter álcool e causará mais dor.

    Após o ataque inicial, o vírus fica escondido no corpo, normalmente nos muitos gânglios nervosos. Pode aparecer no futuro, pelo resto da vida e o tratamento costuma ser o novamente com o aciclovir. O primeiro ataque é chamado de primário, os ataques futuros são conhecidos por recidivas. Os estudos apontaram uma prevalência maior em pessoas com estresse emocional, com outras doenças em curso ou por algum machucado na boca, que pode desencadear uma nova infecção pelo herpes. Muitas pessoas associam queimaduras no lábio pela luz solar – a mucosa do vermelhão do lábio se fragiliza e algumas bolhas e úlceras surgem apenas no lábio pela ativação do herpes. Esse tipo labial pode ser tratado com a creme de aciclovir aplicada sobre as feridas, sem necessidade de se tomar o aciclovir por deglutição. Outras crianças percebem que o ataque pelo herpes coincide em eventos como provas na escola, nos quais deixam a criança ansiosa. E nos mais velhos, comuns em fases de vestibular.

    A criança deve beber bastante líquido, ter sua temperatura corporal aferida por termômetro. Se a criança for para a escola, orientar cuidado e lavar as mãos frequentemente, para não espalhar para outras partes do corpo: os olhos – que podem desenvolver uma conjuntivite por herpes. Copos, talheres e toalhas não devem ser compartilhados com pais, irmãos e coleguinhas na escola. O ibuprofeno geralmente é suficiente para o conforto da criança, três vezes diárias com gotas proporcionais ao peso da criança. Crianças que chupam os dedos podem formar um machucado na pelo, em destaque para o polegar.

    Aftas [2]

    Outra doença dolorosa para as crianças e bastante conhecida pelos adultos é a afta bucal, ou no meio científico: úlceras aftosas recidivantes (UAR). Pelas estatísticas, é a doença mais comum na boca até os dezenove anos[3]. Pequenas crateras, com margens elevadas, avermelhadas e dolorosas – às vezes unitárias ou múltiplas.

    O mais estranho é que a Ciência ainda não certeza sobre a origem das aftas: talvez genética, condições bucais específicas que possam facilitar o surgimento das aftas e possíveis alergias.  Não parecem se originar de causas relacionadas a vírus e bactérias. Outra hipótese são produtos presentes nos cremes dentais ou certos alimentos – normalmente afirmadas por adultos. Existem estudos sobre o potencial que a canela pode desencadear processos de estomatite alérgica – estomatite é o nome científico para se referir a inflamações na boca.

    O tratamento deve promover a cicatrização da úlcera, reduzir o tempo na boca, cicatrizar, reduzir a dor, para permitir a alimentação normal do paciente em sofrimento.

    O tratamento da afta é mais simples do que o do herpes: creme com corticoides ou bochechos podem ajudar. No Brasil, o mais comum é o Mud-Oral (triancinolona acetonida) é um corticosteroide que atua no alívio temporário de sintomas associados a machucados e aftas na boca. Segundo o fabricante: orabase atua como um veículo adesivo para aplicar a medicação ativa aos tecidos orais. Porém,  o defeito de não ficar muito aderido ao local da afta e muitos pacientes não gostam. Existem dois outros corticoides em apresentação líquida de dexametasona (Decadron elixir) e betametasona (Celestone em xarope). Meia medida ou cinco mililitros são suficientes para uso colutório (bochecho) por um ou dois minutos, mantendo o líquido com contato com a úlcera. Normalmente, depois de muitas crises de afta, a pessoa já consegue se decidir por qual remédio prefere e sente eficaz – alguns usam somente um medicamento que lhes caiu melhor. Pessoalmente, gosto de bochechos com betametasona líquida, por dois minutos para deixar o líquido em contato com a lesão.

    A afta não é contagiosa como o herpes, ela fica no lugar dela nos incomodando sem sair da boca, portanto, bem menos perigosa.

    Candidíase

    É uma infecção por um fungo chamado Candida albicans. O nome científico é monilíase. Não é perigosa em crianças saudáveis  nem é transmissível da criança para outras. O fungo já existe na nossa boca, ele é natural, ele praticamente ataca quando a resistência tecidual está reduzida. Fungos sempre se reproduzem em locais úmidos e quentes – exatamente as condições da boca humana. Portanto, um fungo habitante bucal com o qual conseguimos viver se brigar.

    Dois tipos de candidíase: (1) a branca, mais comum em bebês. Alguns flocos brancos podem ser vistos na boca do bebê ou criança. O paladar fica alterado, de modo que as crianças não sabem descrever o que sentem. O ideal é perguntar para crianças maiores se sentem um gosto ruim ou gosto metálico. (2) A outra forma de candidíase é a vermelha, mais ardida, mais incômoda, chamada de candidíase eritematosa. O tratamento é praticamente o mesmo da branca e da vermelha, nos casos de crianças saudáveis. Crianças com doenças sistêmicas precisam de avaliação.

    Outros nomes da candidíase: sapinho, boqueira. Existe uma modalidade mais irritante, que os adultos reclamam – a queilite angular – a comissura (cantos) da boca fica rachado, dolorido e não cicatriza nunca. Pois geralmente é o fungo ali, escondido entre as rachaduras. Os hidratantes e protetores labiais ajudam, mas o tempo de cicatrização é longo. Mais comum no inverno, relacionado com a pele seca. Os hidratantes labiais não matam o fungo. Para tanto existem dezenas de antifúngicos: a nistatina é a mais barata e mais comum no Brasil. Ela acaba com o fungo e, portanto, a cicatrização é mais rápida com a eliminação do fungo.

    A nistatina é um líquido espesso que usado como colutório (bochecho) e pode ser engolido. É um remédio que não é quase absorvido pelo trato gastrointestinal, ele passa ileso e sai nas fezes. Portanto, é bastante seguro.  A nistatina não apresenta atividade contra bactérias, protozoários ou vírus. Pacientes mais idosos que usam dentaduras conflitam por longos períodos contra esse fungo, que se deposita em dentaduras mal higienizadas. No Brasil, a forma mais comum e de menor custo é a nistatina suspensão oral 100.000 U/I. Deve ser usada como um bochecho de um ou dois minutos (intrabucal) e pode ser aplicado com um cotonete nos cantos machucados da boca. Para se bochechar e deglutir para uma criança de seis anos, dois mililitros – medidos na tampa dosadora – podem permitir um bochecho com gosto de damasco por até cinco minutos, sem quaisquer problemas.

    A candidíase pode aparecer na garganta e no esôfago, então a suspensão oral pode ajudar bastante com a deglutição. Por outro lado, um antifúngico oral, em cápsula, pode ser obrigatório, normalmente cápsulas de fluconazol. O fungo também é comum nas cavidades vaginal e anal, convivendo sem nos atacar.

    Traumas por escovação e por mordidas

    Morder a língua ou escovação muito forte podem machucar e sangrar. Isso é comum, se a criança estiver muito incomodada, pode-se aplicar o mesmo tratamento que a afta. Existe muita semelhança nos sintomas da afta e do traumatismo. O tratamento pode ser feito com a pomada orabase (triancinolona) ou com bochechos de dexametasona ou betametasona. Esses dois líquidos não devem ser deglutidos na maioria dos casos. Se o dentista ou pediatra indicarem. Para o dentista o uso do líquido em contato com a lesão é a regra.

    Os erros dos pais

    Era a parte ao qual queria chegar.

    A prática de remédios caseiros pode ser nociva, pois já vimos queimaduras, alergias, machucados graves por misturas irracionais de produtos como: vinagre, água oxigenada, água sanitária diluída, bicarbonato de sódio, dipirona, chás incomuns, lidocaína e enxaguantes bucais. Às vezes, as misturas se compõem de todos esses produtos.

    O vinagre é basicamente um ácido, seu pH baixíssimo: entre 2,2 e 2,5. Tudo que é ácido é nocivo para o esmalte dos dentes e para as mucosas. Bochechos nos quais as pessoas mantêm o medicamento por minutos na boca não tem nenhuma comprovação científica como eficazes para qualquer lesão bucal. Podem piorar aftas, herpes e candidíase. Além de retardarem a cicatrização por queimaduras.

    Água oxigenada é péssima, pois sua decomposição gera calor e pode agravar as aftas, bolhas de herpes e não são eficazes contra a candidíase. A água oxigenada é um potencial agente mutagênico e tóxico para as células. Algumas situações ela pode ser prescrita pelo dentista para o tratamento adjuvante à gengivite ulceronecrosante. É uma doença restrita a pessoas com outras doenças, como a infecção por HIV e a tuberculose. Essa forma de gengivite é muito dolorosa, exige combinação de antibióticos por períodos longos. Felizmente, é rara em bebês, crianças e adolescentes saudáveis.

    Os hipocloritos presentes na água sanitária são os mais nocivos. Idosos costumam limpar suas dentaduras com esse produto. No entanto, hipoclorito corrói as partes metálicas dos grampos da prótese. Outros adultos fazem bochechos com hipocloritos, geralmente para tentar resolver o mau hálito. Nunca deve ser deglutida, por causar queimaduras na língua, bochechas, lábios e esofago. Por outra visão, o hipoclorito é bastante usado pelo dentista. Algumas pessoas comentam como cheiro de piscina quando estão em tratamento de canais dentários, ou tratamento endodôntico. Usamos esse produto, mas ele é purificado, com água destilada e usamos concentrações baixas ou muito altas, em 0,5% e 5,25%. O hipoclorito do dentista deve lavar somente o interior da câmara pulpar, com vinte mililitros, por meio de uma seringa com uma agulha especial, muito final, que não permite o contato com outras mucosas bucais. Além de usarmos aquela proteção desconfortável – o isolamento absoluto.

    O bicarbonato sódico é outro erro ou também qualquer tipo de fermento alimentar. Ele não serve para clarear os dentes com o simples contato com o esmalte dentário. Existe uma escala de dureza que classifica o diamante como o material mais resistente, seguido do esmalte dentário. Portanto, usar bicarbonato não vai branquear um tecido tão duro. Para tratar aftas ele até causa uma sensação de alívio, mas queimará o local e a cicatrização será prolongada, acima da média. Uma mistura de vinagre com bicarbonato é usada por muitos idosos, o que multiplica os problemas de reações adversas.

    Muitos adultos costumam pingar dipirona num dente com cárie ou com dor. Isso é totalmente errado. A dipirona é um analgésico, o que é bem diferente de um anestésico. O uso correto da dipirona líquida é degluti-la. Ela dá uma falsa sensação de melhorar o dente doloroso. Já o anestésico verdadeiro é a lidocaína. Existem produtos piratas, sem licença da Anvisa e que circulam em algumas farmácias. Porém um algodão embebido em lidocaína pode até ajudar no alívio da dor. A lidocaína é rapidamente absorvida e pode causar convulsões. A forma que os dentistas usam para a lidocaína é a anestesia injetável, com as técnicas que bloqueiam os nervos corretamente e se tornam úteis para o tratamento dental.

    Quanto aos chás, não há nenhuma prova científica que funcionem. Desde que não queimem a boca dos seus filhos, podem ser usados. O chá preto e o chá de maçã contêm flúor em pequenas quantidades. Não temos o costume de tomar chá no Brasil, coisa que vi ser comum com crianças no Reino Unido.

    Existem tantos enxaguantes bucais que nós dentistas admitimos que não conhecemos todos eles. A maioria contém flúor, mas contém álcool também. O álcool não ajuda na cicatrização de feridas na boca.

    Um produto usado indiscriminadamente é a clorexidina 0,12 %. É um remédio. Cansei de ver crianças usando Periogard, Ortho Gard por vontade dos pais. A clorexidina pode ser entendia como um antibiótico, que não se deve deglutir. Ela é adjuvante nos tratamentos de gengivas e existe uma disciplina na graduação em Odontologia chamada Periodontia.

    Outro que os pais oferecem é o Listerine, uma boa mistura de produtos. Eu pessoalmente não prescrevo esse medicamento. Não vejo nenhuma utilidade, apenas deixar a boca com um gosto agradável. Ele não é indicado para o mal hálito. A propaganda é muito forte e as pessoas compram quando na verdade estão desperdiçando seu dinheiro. O mais grave é o uso contínuo, sem trazer qualquer benefício. Propaganda enganosa portanto. Adultos costumam usar o Listerine antitártaro, que não reduz tártaro nenhum. No site do fabricante leremos: Também faz diferença tomar água filtrada ou mineral, sendo possível encontrar pequenas quantidades de flúor com o consumo de alguns alimentos, como espinafre, cenoura, aspargo, a maior parte dos frutos do mar, chá e alimentos preparados em água fluoretada, ou utilizando uma pasta de dente ou enxaguatório com flúor, como LISTERINE® Cuidado Total e LISTERINE® Defesa dos dentes e gengivas. A frase não tem qualquer sentido para mim, dentista.

    As fórmulas do Listerine que contêm álcool não ajudam a tratar nenhuma lesão bucal. Já as versões sem álcool são meros produtos para causar uma sensação boa na boca. Podem desidratar as mucosas. Outra frase sem sentido no site do fabricante do Listerine: Se a placa não é removida todos os dias, com escovação delicada, uso de fio dental e bochechos com o enxaguatório bucal antisséptico LISTERINE®, ela pode endurecer e se transformar em tártaro. Posso dizer é uma grande mentira e uma analogia sem lógica. Costumo falar para meus pacientes que o Listerine faz o mesmo efeito do Halls – frescor na boca.

    São Paulo, 13 de setembro de 2025

    (assinatura digital)


    [1] AVERY, McDONALD, Odontopediatria para crianças e adolescentes, tradução da nona edição, 2011, São Paulo, p.365.

    [2] AVERY, McDONALD, Odontopediatria para crianças e adolescentes, tradução da nona edição, 2011, São Paulo, p.365.

    [3] AVERY, McDONALD, Odontopediatria para crianças e adolescentes, tradução da nona edição, 2011, São Paulo, p.368.

    Palavras-chave: #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos

  • Ronco em crianças

    Doenças que pensamos ocorrer em adultos, mas que acometem as crianças

    Ronco e obstrução das vias aérea superiores – nariz e garganta

    Os pais desconfiam que seu filho está roncando e acharem isso estranho, talvez atribuir o ronco a uma doença que não existe em crianças por ser exclusivo dos adultos. Não é verdade – as crianças podem roncar. Os pais devem lembrar se: seu filho costuma a ficar resfriado muitas vezes por ano. Lembrar se a criança sofreu muitas dores de garganta ou dores de ouvido e se usou muitos antibióticos. Um parâmetro usado é o número de infecções durante os últimos doze meses.

    As tonsilas são órgão linfóides[1] que se localizam no palato (amígdala), no fundo da língua e na garganta – a tonsila faríngea, ou adenoide.

    Os corticoides (Prelone, Predsim, prednisona) indicam uma informação importante. Geralmente, crianças costumam sofrer de coriza e não se preocupam muito com isso, vão para a escola com o nariz escorrendo e brincam normalmente. Dez dias com coriza, muitas vezes, não incomodam a criança.

    No Brasil, a experiência nos mostra um uso muito grande de antibióticos em crianças sem necessidade. A azitromicina é a principal, dada a facilidade de se tomar uma dose líquida diária. A amoxicilina é mais complicada por ter três doses por dia. A cefalexina tem quatro doses por dia. Então, crianças que não gostam de tomar remédios, vemos uma certa queda ou tendência dos pais a preferirem a azitromicina. E o consumo de antibióticos leva a outra dúvida dos pais – dentes manchados ou muito cariados, que as pessoas pensam ser culpa dos antibióticos.

    Ronco e infecções de garganta, nariz e sinusites, se somadas à prescrição de antibióticos e corticoides nos levam a desconfiar de alguma obstrução de vias aéreas, com os estreitamentos da faringe, cavidade nasal pode gerar o ronco. Uma forma de obstrução nasal persistente, pois um simples resfriado comum causa uma obstrução nasal, porém transitória.

    Alguns pais dão os antibióticos e corticoides e consideram isso normalmente. Por isso, a informação das vezes que a criança precisou nos últimos doze meses. Com a suspeita de que alguma coisa está errada, a faringe e a cavidade nasal deve ser avaliada.

    O dentista consegue avaliar facilmente as amígdalas somente pela oroscopia. O tamanho da amígdala e a extensão do aberto da faringe obedece à uma classificação de Mallampati. Ela abrange quatro graus – o primeiro é a garganta desimpedida, já o quarto mostra a garganta totalmente bloqueada.

    Uma dica: o sininho, que corretamente se chama úvula deve ser visualizado pelos pais – se ele for totalmente visível, provavelmente não há problema. A úvula pode ser parcialmente visível, pois a base da língua pode impedir. E se mais grave, a úvula não poderá ser vista.

    Depois as amígdalas (tonsilas palatinas) que já não tem uma verificação simples pelos pais. Os profissionais de saúde rapidamente notam se as amígdalas estão grandes.

    Já o dentista antes de começar um tratamento ortodôntico pode ajudar no diagnóstico hiperplasia de uma glândula que fica no fundo do nariz – a glândula adenoide (tonsila faríngea). Ela não é visível sem o uso de equipamentos. Portanto, se o pai tentar olhar dentro do nariz dos filhos, não conseguirá ver a glândula. Existe uma radiografia chamada telerradiografia, obrigatoriamente solicitada pelo ortodontista quando está estudando a dentição da criança. Nessa radiografia, a adenoide pode ser avaliada, pois a visão que teremos é a lateral da cabeça da criança.

    Se as amígdalas e a adenoide parecem mais volumosas que deveriam, se a criança veio tomando uma média alta de antibióticos e se ela ronca, isso terá de ser investigado. O profissional indicado é o médico otorrinolaringologista em razão de ter os equipamentos e câmeras para avaliar o interior do nariz. Ressalto essas informações pois o pediatra clínico não terá esses equipamentos no consultório.

    As adenoides podem sofrer de uma doença chamada hiperplasia adenoamigdaliana, que não infância é a principal causa das doenças respiratórias durante o sono: ronco primário, síndrome da resistência das vias aéreas superiores e as síndromes da apneia ou da hipopneia obstrutiva do sono. Por isso, a remoção desse pequeno órgão linfóide é comum nas crianças. O ronco no adulto já é bem diferente.

    Outras causas nas crianças: hipertrofia das conchas nasais (dentro do nariz, não são visíveis pelos pais), desvio de septo nasal (pode ser na cartilagem interna, invisível aos pais), macroglossia (língua muito grande), má relação entre maxila e mandíbula. O tamanho das amígdalas é avaliado pela escala de Brodsky[2]. As maiores amígdalas talvez sejam (grau 3 ou 4) removidas por cirurgia. A cirurgia se chama adenoamigdalectomia e traz qualidade de vida.

    Article content
    Article content

    Após avaliada pelo médico otorrinolaringologista algumas terapias estarão disponíveis.

    Possivelmente, a criança poderá receber a indicação de uma cirurgia de adenoidectomia e amigdalectomia – a remoção delas. Mesmo com a cirurgia, a criança ainda poderá apresentar um ruido ou ronco residual, mas certamente terá melhorado, não necessitará de tantos antibióticos e corticoides nos próximos anos. A cirurgia é segura.

    A classificação de Mallampati[3]

    A Classificação de Mallampati avalia as estruturas da orofaringe para prever a dificuldade na intubação endotraqueal, variando de Classe I (visibilidade total das estruturas) a Classe IV (apenas o palato duro visível), onde uma pontuação mais alta indica uma via aérea mais difícil. A avaliação é feita com o paciente sentado, com a cabeça reta, e o profissional observa a boca, classificando a visibilidade do palato mole, úvula e pilares amigdalianos para planejar a melhor técnica de intubação.


    [1] DOLCI, José Eduardo Lutaif, Otorrinolaringologia – Guia prático, Ed. Atheneu, São Paulo, 2015, p.137.

    [2] A escala de Brodsky é um método para classificar o tamanho das amígdalas, variando de 0 a 4, com base na percentagem de obstrução do espaço orofaríngeo (o espaço na parte de trás da garganta) que as amígdalas ocupam. Um paciente é classificado como grau 0 se as amígdalas não obstruem a via aérea, grau 1 se obstruem menos de 25% do espaço, grau 2 se obstruem entre 25% e 50%, grau 3 se obstruem entre 50% e 75% e grau 4 se obstruem mais de 75% do espaço.

    [3] A Classificação de Mallampati avalia as estruturas da orofaringe para prever a dificuldade na intubação endotraqueal, variando de Classe I (visibilidade total das estruturas) a Classe IV (apenas o palato duro visível), onde uma pontuação mais alta indica uma via aérea mais difícil. A avaliação é feita com o paciente sentado, com a cabeça reta, e o profissional observa a boca, classificando a visibilidade do palato mole, úvula e pilares amigdalianos para planejar a melhor técnica de intubação.

    Palavras-chave: #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos

    Comments

    Comments settings

    Photo of André Eduardo Amaral Ribeiro

    LikeCommentShare

    Add a comment…

    Open Emoji Keyboard

    No comments, yet.

    Be the first to comment.Start the conversation

  • Livro no Amazon: Introdução à perícia judicial na Odontologia, André Amaral.

    Apolice, resposanbilidade, civel, odontologia, periciajudicial, perito, codigodedefesa, consumidor, endodontia, implantes, ortodontia, seguro, profissional, laudopericial, assistenciatecnica, enriquecimento, ilícito, indenizacoes

    Palavras-chave: #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos

    Amazon.com.br eBooks Kindle: Introdução à perícia judicial em Odontologia: Gestão de risco profissional na prática cotidiana, Amaral, André

    R$ 44,90

    202 páginas.

  • Dilema das agências[1], fraudes em empresas e a microeconomia

    Palavras-chave: #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos

    BREVE DEFINIÇÃO

    Em ciência política e em economia, o dilema do principal–agente ou dilema da agência, ocorre quando uma pessoa ou entidade (o agente) está apto a tomar decisões ou a promover iniciativas em nome de, ou com impactos, relativos a outra pessoa ou entidade (o principal). Este dilema surge, em determinadas circunstâncias, quando a motivação dos agentes vai no sentido de agirem de acordo com os seus interesses próprios, contrários aos dos principais que os recrutaram. As dificuldades podem surgir em condições de informação assimétrica e incompleta. Com efeito, um principal” contrata um agente para, presumivelmente, prosseguir os seus interesses mas tal princípio pode comportar um conflito de interesses ou um risco moral.

    Vários mecanismos podem ser utilizados para tentar alinhar os interesses do agente com os do principal, tais como pagamentos por peça, comissões, participação nos lucros, medição de desempenho (incluindo demonstrações financeiras), estabelecer uma ligação do agente ou o receio de demissão.

    O dilema do principal e do agente é encontrado na maioria das relações empregador com empregado, por exemplo, quando acionistas contratam executivos de topo, de corporações. A ciência política observou os dilemas inerentes a delegação de autoridade legislativa para agências burocráticas.

    Noutro exemplo, a aplicação da legislação (tais como leis e diretivas executivas) está aberta a interpretação burocrática, que cria oportunidades e incentivos para o burocrata, como agente, se desviar das intenções ou preferências dos legisladores. Variações na intensidade do controlo legislativo, também servem para aumentar os dilemas principal–agente, na implementação de preferências legislativas.

    O mundo dos negócios está cheio de conflitos de interesses. Normalmente, ocorrem quando as pessoas ou entidades servem aos seus interesses pessoais, em vez de cumprir as suas responsabilidades profissionais. Simplificando, um conflito de interesses surge quando alguém coloca seu ganho pessoal acima de suas obrigações para com a empresa.

    O dilema das agências é um conflito de interesses que ocorre quando os agentes não representam totalmente os melhores interesses dos principais.

    O fim da Enron foi causado pelo fato de a administração esconder perdas dos acionistas e do público em geral por meio de truques contábeis. O golpe de Bernie Madoff é um dos exemplos mais famosos de esquema Ponzi que tira proveito das suspeitas e medos dos consumidores em relação ao setor bancário.

    O dilema das agências é um conflito de interesses que ocorre quando os agentes não representam totalmente os melhores interesses dos principais. Os diretores contratam agentes para representar seus interesses e agir em seu nome. Os agentes são frequentemente contratados para permitir que as empresas obtenham novos conjuntos de habilidades que faltam aos diretores ou para realizar trabalhos para os investidores da empresa. No mundo dos negócios, essa relação é representada pela direção de uma empresa e pelos acionistas da corporação. Em outros casos, o agente é o chefe de uma empresa de investimento, enquanto os investidores são os principais. Dilemas de agência são comuns nas relações fiduciárias, incluindo aquelas entre curadores e beneficiários, e membros do conselho e acionistas.

    Os investidores se beneficiam do sucesso de uma empresa e esperam que os funcionários executivos busquem os melhores interesses dos acionistas. Os líderes da empresa não têm necessariamente os mesmos interesses dos acionistas. Embora possam ser motivados pelo sucesso da empresa, a motivação geralmente é diferente – ou seja, sua receita. Quanto mais bem-sucedida for a empresa, mais chances terão de ganhar. Esses agentes ou funcionários, desde trabalhadores comuns até executivos corporativos, podem representar falsamente a empresa e agir das formas descritas pelo dilema do agente principal, que pode ser visto nas situações do dia-a-dia no setor financeiro bem como outras indústrias, incluindo o mundo jurídico.

    Dois exemplos

    Um exemplo do dilema das agências foi aquele da Enron, nos EUA. Os diretores da Enron tinham a obrigação legal de proteger e promover os interesses dos investidores, mas tinham poucos outros incentivos para fazê-lo. Mas muitos analistas acreditam que o conselho de diretores da empresa falhou em cumprir seu papel regulador na empresa e rejeitou responsabilidades de supervisão, fez com que a empresa se aventurasse em atividades ilegais. A empresa faliu após um escândalo contábil que resultou em perdas de bilhões de dólares.

    A Enron foi uma das maiores empresas dos Estados Unidos. Ela começou a perder dinheiro em 1997. A empresa também começou a acumular muitas dívidas. Temendo uma queda nos preços das ações, a equipe de gestão da Enron escondeu as perdas deturpando-as por meio de contabilidade complicada – ou seja, veículos para fins especiais (SPV) ou entidades para fins especiais (SPE) – resultando em demonstrações financeiras confusas.

    Os dilemas começaram a se desdobrar em 2001. Havia dúvidas sobre se a empresa estava sobrevalorizada, levando a uma queda no preço das ações de mais de U$ 90,00 para menos de U$ 1,00. O pedido de falência veio em dezembro de 2001. Acusações criminais foram movidas contra vários jogadores importantes da Enron, incluindo o ex-diretor executivo (CEO) Kenneth Lay, o diretor financeiro (CFO) Andrew Fastow e Jeffrey Skilling, que foi nomeado CEO em fevereiro de 2001, mas renunciou seis meses depois.

    Os esquemas Ponzi representam muitos dos exemplos mais conhecidos do dilema de agência. A teoria da agência afirma que a falta de supervisão e alinhamento de incentivos contribui muito para esses dilemas. Muitos investidores caem em esquemas Ponzi (pirâmides financeiras) pensando que assumir a gestão de fundos fora de uma instituição bancária tradicional reduz as taxas e economiza dinheiro.

    Alguns esquemas tiram proveito das suspeitas e medos dos consumidores sobre o setor bancário, embora as instituições financeiras estabelecidas reduzam o risco fornecendo supervisão e aplicando as práticas legais e criam um ambiente onde o consumidor não pode garantir adequadamente que o agente está agindo no melhor interesse do principal. Muitos exemplos do dilema das agências ocorrem longe do olhar atento dos reguladores e são frequentemente perpetrados contra investidores em situações em que a supervisão é limitada ou completamente inexistente.

    O golpe de Bernie Madoff é provavelmente um dos exemplos mais notáveis ​​de um esquema Ponzi. Madoff criou um elaborado negócio de simulação que acabou custando aos investidores quase US $ 16,5 bilhões em 2009. Mas não foi possível determinar quando Madoff começou a fraudar seus investidores. Os retornos que prometeu aos investidores eram maiores do que a maioria das firmas de investimento e bancos estavam oferecendo na época. Foram tão promissores que quase todos os seus investidores olharam para o outro lado. Madoff colocou o dinheiro em uma conta bancária e financiou os pedidos de resgate com o dinheiro recém-investido.

    Seu esquema se desfez quando ele não pôde mais pagar seus investidores e confessou suas fraudes. No final das contas, Madoff foi acusado criminalmente e condenado por suas ações.

    Madoff foi condenado a mais de cento e cinquenta anos de cadeia e acabou morto na prisão em Nova York.

    São Paulo, 4 de janeiro de 2024

    André Eduardo Amaral Ribeiro[2]

    (assinatura digital)


    [1] RAVIKANT, The Almanack of Naval Ravikant, Editora Intrínseca, 2021 p. 106.

    [2] Perito judicial no TJSP, na área de Odontologia, com mais 283 nomeações por juízes de direito de São Paulo e outros Estados.

  • Sobre vinte cursos on-line do Instagram reprovados sobre perícia judicial em Odontologia.

    Palavras-chave: #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos

    André Eduardo Amaral Ribeiro, dentista perito no TJ-SP, com 275 nomeações até hoje.

    Sempre se fala em renda extra nas redes sociais. E estão certos. A perícia tem sido oferecida como uma renda extra como propaganda de muitos cursos on-line mal intencionados, com instrutores ou professores que nunca foram nomeados para ser peritos, ou seja, são grandes fraudes. Essa indústria dos infoprodutos é perigosa, com altas taxas de insatisfação porque seus produtos escritos são superficiais, as apostilas e modelos de laudos.

    Sempre espiono estes sites de cursinhos de perícia judicial e ajudo muitos dentistas a fugirem deles para não jogar dinheiro fora.

    Encontrei estes textos depois de uma aluna me perguntar se eu conhecia o curso que pretendia fazer. Não conhecia a autora, mas espionei o site e descobri que a instrutora era uma bibliotecária. Exatamente, uma bibliotecária ensinando a um dentista a escrever um laudo.

    Obviamente, a bibliotecária nunca poderia ter sido nomeada para uma perícia na Justiça Cível, por falta de diploma em Odontologia. Visitei o site dela, mal redigido e cheio de generalidades. O texto não me disse nada. Trouxe um trecho para que o aluno entendo a diferença entre conteúdo de qualidade e um conteúdo genérico, as palavras em itálico são minhas:

    Desafios e Dificuldades da Profissão: A profissão de dentista perito judicial é uma atividade que requer muita responsabilidade e habilidade técnica, contudo, assim como em qualquer outra profissão, existem desafios e dificuldades que precisam ser enfrentados. Desafios: Um dos principais desafios da profissão de dentista perito judicial é lidar com a complexidade dos casos, tendo em vista que muitos casos envolvem questões técnicas e científicas que exigem um conhecimento aprofundado da área. Além disso, é preciso ter uma visão crítica e imparcial para avaliar as evidências e tomar decisões justas e equilibradas. Outro desafio é a pressão do tempo, já que os prazos para a realização dos laudos e pareceres são muitas vezes curtos, o que exige uma boa organização e planejamento para entregar um trabalho de qualidade dentro do prazo estabelecido. Dificuldades: Quanto às dificuldades enfrentadas pelos dentistas peritos judiciais, a principal é a falta de reconhecimento da profissão. Muitas vezes, os profissionais são vistos como meros prestadores de serviço, sem a devida valorização e respeito pela sua expertise. Além disso, a falta de padronização dos procedimentos e metodologias utilizadas pelos dentistas peritos judiciais pode gerar divergências e conflitos entre os profissionais. Portanto, é fundamental que haja uma uniformização dos critérios e procedimentos para garantir a qualidade e a confiabilidade dos laudos e pareceres. Outra dificuldade é a necessidade de atualização constante, sobretudo porque a área da odontologia está em contínua evolução, com novas técnicas e tecnologias surgindo a todo momento. Sendo assim, os dentistas peritos judiciais devem se manter sempre atualizados e capacitados para lidar com as demandas da profissão.

    Os termos indefinidos já indicaram que a autora nada sabia sobre o que escreveu. Note o “muita responsabilidade” como é uma frase inespecífica. Se o aluno for nomeado e não souber o que está escrevendo, poderá apresentar uma falsa conclusão, o que é um crime (art. 342, Código Penal). Então entenda: você não pode fazer um curso vagabundo, se inscrever no site do Tribunal do seu Estado, comprar um certificado digital e aguardar as nomeações. Não vai entender os termos jurídicos, não vai conhecer a sequência processual. Será um vexame logo na sua primeira nomeação.

    A fase pericial sempre está contida fase de instrução do processo, antes da fase decisória (sentença judicial). Para se manifestar nos autos, você precisa conhecer o andamento e sequência de passos dentro do processo, precisa já ter lido uns vinte processos antes. Então, a primeira dica verdadeira será ler outros processos.

    Um autor preciso enumera as etapas de uma perícia cível em Odontologia: decisão pela prova pericial, nomeação de um perito, pedido de honorários, depósito judicial, agendamento da data do exame, exame pericial com a presença do paciente-autor e assistentes técnicos. Depois: redação do laudo, juntada aos autos, fase de esclarecimentos, impugnações e homologação ou recusa do laudo. Outra ordem pode existir em casos de segunda perícia, por insuficiência da primeira perícia ou por anulação do laudo pericial anterior. E isso não é para novatos. Se receber uma nomeação para corrigir outra perícia, não aceita. Isso é difícil porque exige experiência.

    Depois temos a “complexidade de casos”. Aqui me pareceu que a autora se referiu às especialidades – o que todos pensam que é preciso ser especialista na área de Odontologia – isso não é verdade. As perícias são multidisciplinares, a maioria das provas hoje em dia vêm por meio de radiografias e tomografias. Se o advogado do paciente pedir um especialista em Implantodontia, você pode responder que a perícia é multidisciplinar, que as provas técnicas principais serão exames de imagem (tomo e panorâmicas). Já afaste esse papo de advogado que não quer pagar, mas quer exigir um especialista.

    A “pressão do tempo” já me mostrou que a autora desse blog não tinha qualquer conhecimento de perícias judiciais. O perito experiente enfrenta o excesso de tempo, a demora do fórum para impulsionar o processo. O oposto é a verdade forense porque tudo demora. Às vezes, a petição do perito pode levar três meses para ser lida. Aconteceu comigo, numa nomeação que recebi em Barueri. A autora (paciente) faltou à perícia, algumas horas depois do horário marcado para o exame, escrevi três parágrafos. Era uma folha. Foi protocolada em julho e lida em outubro, com um despacho: Intime-se o perito a reagendar a perícia. O juiz não pediu nenhuma comprovação da autora, que alegou ter sentido um mal súbito. Ele não exigiu um atestado médico e mandou que eu marcasse nova data, o que me faz pagar pelo aluguel de um consultório naquela tarde. Nunca recebi nenhuma compensação financeira, mas aprendi. Segunda dica verdadeira: nunca agende uma perícia por dia. A não ser que você não pague pelo espaço. No caso da maioria dos peritos iniciantes, que precisam de renda extra, pense sempre na possibilidade da falta do cliente e do descaso de um juiz ou outro. A falta da parte é uma desvantagem da carreira de perito, mas com o tempo você aprenderá a lidar com isso.

    Então tivemos uma frase “Portanto, é fundamental que haja uma uniformização dos critérios e procedimentos para garantir a qualidade e a confiabilidade dos laudos e pareceres”. Quais são os critérios? Quais são os procedimentos? Já notou que tudo é genérico nessa apresentação de curso on-line.

    Se eu quiser escrever sobre os critérios para avaliação da qualidade de um laudo pericial, eu diria de modo concreto:

    Língua portuguesa: excesso de frases em ordem indireta, excesso de voz passiva e juridiquês. Exemplos:

    A petição foi indeferida pelo juiz (ordem indireta). Escreva na ordem direta: O juiz indeferiu a petição.

    Os quesitos não foram respondidos pelo perito (voz passiva). Escreva na voz ativa: O perito não respondeu aos quesitos.

    Com clareza solar, a requerida não cumpriu as obrigações dela (juridiquês). Não use. Escreva simplesmente que a requerida não cumpriu suas obrigações e especifique quais foram as obrigações: A requerida não cumpriu as obrigações para entregar o implante e a coroa unitária.

    Existe um livro ótimo sobre o tema. Aliás, o único do qual você aprenderá sobre redação jurídica, do Professor Antônio Gidi. Nascido na Bahia, ele leciona nos Estados Unidos, onde há preocupação séria no combate ao juridiquês, como ele explica no começo de seu livro, Redação Jurídica Profissional.

    Falta de fundamentação: sempre junte alguma literatura aos seus laudos. Nunca escreva com a voz dentro de sua cabeça. Exemplo:

    E por último, evitar o texto prolixo em respeito ao tempo do leitor[1] : “Se o texto é repetitivo, a tarefa de ler passa a ser difícil, cansativa, enfadonha. O leitor pode se irritar e abandonar a leitura, ou pular algumas partes e não entender bem o texto”. Afinal na conclusão de Antônio Gidi[2] : o leitor ocupado não vai reler a mesma ideia várias vezes sem se aborrecer.

    Isso é qualidade num texto pericial, com fontes literárias. Um laudo dever ter suas referências no rodapé sempre. Um exemplo retirado da literatura odontológica:

    Quesito 2 – Diga o Perito, quais foram os exames solicitados pela Requerida para sugerir e iniciar o tratamento? Os exames solicitados foram suficientes? Era necessário/recomendável a prescrição de exames complementares? A não solicitação de exames complementares como dito anteriormente influenciou no insucesso do tratamento?

    Foram insuficientes. A literatura[3] é clara sobre a segurança da avaliação do paciente na fase pré-operatória.

    Das áreas edêntulas faz-se necessário o pedido de tomografias, pois só assim a(o) profissional pode ter uma visão tridimensional da região a ser operada, bem como medidas reais do volume ósseo disponível. Em algumas situações, é possível pedir protótipos associados as tomografias para auxiliar no planejamento do caso. 

    Use sempre uma fonte menor e um recuo maior para transcrever citações com mais de três linhas, como no caso acima. Isso gera um aspecto estético ao texto. Quando puder, leio algum livro sobre tipografia.

    Confiabilidade: o termo foi inespecífico. O laudo terá um dos dois valores lógicos dentro do processo: será homologado ou será recusado. Ter um laudo recusado é grave. O perito novato nunca mais será chamado naquela vara ou por aquele juiz. Então, não se aventure. Saiba o que está fazendo. Esses cursinhos do Instagram não contam as enrascadas que o novato pode se meter. Não contam por que o instrutor do curso nunca fez uma perícia odontológica.

    Depois, a autora do blog escreveu “atualização constante”. Isso é falso.

    A justiça cível é lenta nas mudanças e um laudo em Odontologia não exige conhecimentos de tecnologia, biomateriais ultra avançados ou participação nos últimos congressos. Uma vez ouvi de um assistente técnico já experiente que me disse me meus laudos eram inválidos porque eu usava referências de livros, no caso ele se referiu ao Caminhos da Polpa, Cohen. Na opinião dele, eu deveria segui-lo e responder aos quesitos usando literatura científica, apenas escrever sobre o mais moderno.

    No caso, um tratamento endodôntico realizado numa clínica popular, com sub-obturação. Não acredito nesse tipo de colocação, foi apenas um modo de se justificar para o dentista que o contratou para justificar seu “copia e cola” na produção dos quesitos. Se quiser citar algum texto científico, junte-o integralmente ao laudo, mesmo que seja em inglês. E cuidado para não entrar por um caminho da ultra tecnologia quando está lidando com um caso de uma clínica popular que custou R$ 1.200,00. São realidades diferentes. Então, foque-se na realidade do processo cível que está na sua frente, não em congressos em Estocolmo ou Viena.

    Dicas verdadeira para o perito iniciante

    Quando quiser iniciar-se na carreira da perícia judicial, não improvise. Comece com  a meta de aprender a procurar processos cíveis no site do tribunal de Justiça do seu estado. Normalmente, duas opções existem para procurá-los: banco de sentenças ou jurisprudência.

    Digite algum termo odontológico, como: implantes dentários, tratamento endodôntico, ortodontia. Procure alguns processos, baixe em PDF e arquive-os numa pasta no seu computador.

    Leia cerca de vinte deles, se achar insuportável e chato, tenha a certeza de que você não poderá ser um perito judicial na área. A perícia exige muita leitura, que ficará mais rápida e seletiva na prática.

    Depois de alguma familiarização como processos, você reconhecerá folhas que se repetirão dentro do processo, como certidões de publicação. Quando estiver lendo e vir uma dessas, pule imediatamente. Afirmo que cerca de 20% de um processo será o que usará para começar o seu laudo.

    O segundo passo é aprender sobre responsabilidade civil do dentista. Mas ficará para depois.

    Se gostar do que leu, entre em contato comigo.

    andreamaralribeiro@hotmail.com

    São Paulo, 26 de outubro de 2024


    [1] SCHOPENHAUER, Arthur, On Style, edição de Lane Cooper, p. 232, 1952.

    [2] GIDI, Redação Jurídica, Editora Podivm, Salvador, 2024, p. 67

    [3] Guia para o Implantodontista, CROSP, p. 7/15 

  • Apresentação de honorários periciais no Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, a suposta obrigação da planilha[1].

    Palavras-chave: #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos

    Nada pior que os pseudomentores na área das periciais judiciais. Aquele que nunca foi nomeado por nenhum juiz de direito, mas considera-se autoridade no assunto. Lembre-se: cada nomeação já foi publicada no Diário de Justiça Eletrônico e qualquer pessoa pode verificar a veracidade da nomeação. É a indústria dos infoprodutos malfeitos.

    A planilha de horas não é obrigatória. Ela está em desuso, pois abusaram tanto dela com a inflação das horas que o modelo se esgotou.

    As respostas para as dúvidas devem ser escritas e assinadas, para que o aluno sinta segurança na resposta. Mas os pseudomentores da internet (as pseudomentores também) fogem de escrever, eles preferem filmar, dá menos trabalho e fica mais fácil ser prolixo: ou encher linguiça, como dizem no sul do Brasil. Vídeos com vinte e cinco minutos de duração no YouTube sobre como apresentar a planilha de honorários não acrescentam ao aluno e sempre o vídeo termina com uma venda de um infoproduto malfeito, escrito por alguém que nunca foi nomeado numa Vara Cível (ou escrito por inteligência artificial). Se quiser meter-se em confusão, pergunte às falsas mentoras quantas vezes elas já foram nomeadas e se eles têm o número de cada processo e de qual Tribunal a nomeação partiu. Verifique no mecanismo de busca do Diário de Justiça e confirme a informação. Nada será encontrado com o nome da pseudoperita, provavelmente. Notem que gosto do prefixo grego pseudo.

    Alguns novatos em perícia judicial me perguntaram sobre a perícia criminal. O Estado já tem esse mecanismo por meio da Polícia Civil. Ela é responsável por investigações de crimes. Então, se você vir algum curso ou mentoria tentando te vender teoria para entrar no mundo da perícia criminal, fuja, pois, uma fraude para levar seu dinheiro. O único caminho para a perícia criminal é o concurso público para Perito Criminal. Em São Paulo na Polícia Civil, na qual a escola fica dentro da Cidade Universitária, no Butantã, Academia de Polícia Dr. Coriolano Nogueira. Se tiver interesse na perícia criminal, procure um cursinho sério, aqueles geralmente ministrados por professores que foram delegados de polícia.

    Os peritos criminais recebem salários fixos. Não existem comissões ou qualquer tipo de extra por cada inquérito concluído.

    Talvez esses pseudomentores diga mais mentiras num vídeo do YouTube: que existe a função de assistente de acusação ou assistente técnico. Isso existe de fato, mas é muito raro que alguém te pague para trabalhar nisso. A ação penal é movida pelas Promotorias de Justiça, do Ministério Público Estadual ou Federal. Poucas ações criminais têm a iniciativa privada, as mais comuns são naqueles crimes contra a honra: calúnia, injúria e difamação. Improvável que alguém pague por um serviço de assistente de acusação nesses casos. Nesses casos, a pessoa ofendida geralmente quer sigilo e não vai lhe permitir que um desconhecido acesse fotos íntimas que acabaram na internet, por exemplo. Então, cuidado com os truques dos infoprodutos na internet.

    Existe uma alternativa concreta:  concentre-se na perícia cível, portanto. Procure as ações indenizatórias. Talvez você já tenha ouvido falar na indústria do dano moral ou na indústria de indenização. Pois é a demanda real e onde você deve procurar a para entrar na realidade dos peritos judiciais que faturam algum dinheiro. Procure no Google sobre a indústria do dano moral, pois você encontrará textos das OABs sobre milhares de processos parados, com pedidos de indenização e seguidos de muitas críticas ao Poder Judiciário.

    A suposta obrigação de uma planilha de honorários periciais não é complicada como os pseudomentores afirmam no YouTube. Existem duas situações: se você já é famoso; ou, se você está começando, pois não teve nenhuma nomeação ainda.

    SE VOCÊ JÁ É FAMOSO NO PODER JUDICIÁRIO

    Nunca se esqueça de somar e anotar todas os números dos processos nos quais foi nomeado, arquive no Word ou Excel. Você poderá enumerar numa lista com o número de nomeações que já recebeu (com o número de cada processo). Isso faz com que a informação seja comprovável para o juiz de direito. Nestes casos, sua apresentação de honorários pode ser escrita por meio de apenas um parágrafo. Pessoalmente, uso o número prévio de nomeações para cobrar um valor mais alto, exemplo:

    Em razão da experiência acumulada em 275 nomeações, proponho R$ 11.000,00 como honorários provisórios.

    Vou comprovar. Note este exemplo de um processo no qual trabalhei em 2021. Veja que ele é verdadeiro porque a assinatura digital está na margem direita (seta amarela). Naquela época, eu somava 174 nomeações, então usei essa informação para justificar meu preço, sem precisar usar uma planilha artificial de horas.

    E isso basta. Na pior das hipóteses, o juiz vai arbitrar um valor menor daquele que você pediu, contra o qual você não vai discutir. Vai aceitar e vai escrever seu laudo.

    SE VOCÊ AINDA NÃO É FAMOSO NO PODER JUDICIÁRIO

    Você deve ser concreto para aumentar o valor que você pretende cobrar. Entenda isso.

    Caixa de Texto: Duas horas – leitura dos autos
Quatro horas – ida até a biblioteca da faculdade para levantamento bibliográfico
Quatro horas – realização da perícia em si
Uma hora – organização e edição das fotos periciais
Oito horas – resposta aos quesitos
Quatro horas – revisão do laudo
Total: 23 horas, com o custo de R$ 300,00 por hora, R$ 6.900,00.

As planilhas com horas, ficções como “ida até a biblioteca”, “doze horas para a resposta aos quesitos” são ridículas porque são artificiais. Não escreva essas mentiras, que vão depor contra você. Ninguém vai até a biblioteca hoje em dia para pesquisar. Exemplo de uma planilha artificial:

    Tais planilhas que os pseudomentores vendem são infoprodutos, que querem te  vender desesperadamente. Não funcionam na prática e até desacreditam o novato diante dos juízes. A dica concreta é: você vai ler os autos e sua primeira ação será enumerar as provas.

    Portanto, dê um número para cada prova já na petição inicial. Nisso você já mostrou ao Juiz que está trabalhando no processo (antes mesmo de ter aceitado) e nada melhor do que trabalho concreto para poder justificar seus honorários.

    Evite frases como: as partes deverão apresentar todas as provas que consideraram elucidativas para o caso, seja concreto, dê nome, datas e números a cada uma das provas – exames de sangue, radiografias, tomografias. Evite os pronomes indefinidos em suas petições como: muitos, vários, alguns, diversos. Use números propriamente ditos.

    Quando quiser referenciar a alguma prova, use o número e talvez um recurso tipográfico, como o grifo cinza, exemplo:

    Então, o implante dentário se mostrou satisfatório, conforme a radiografia (PROVA 8).

    Note que não haveria como ser mais concreto do que a frase acima. Ela foi escrita na ordem direta – sujeito (implante dentário), verbo (mostrar), complemento (satisfatório) e um advérbio de lugar (radiografia) e ainda você numerou a prova.

    Outro fator para valorizar seu pedido de honorários é montar uma cronologia dos fatos no processo, veja como é simples e concreto:

    Quanto mais concreto, maior confiança você passará ao juiz, que ainda não o conhece. Sugiro que não ultrapasse os R$ 3.000,00 no começo da carreira. Quando somar umas vinte nomeações, você poderá pedir um pouquinho mais, quatro ou cinco mil reais.

    COMO FUNCIONAM AS NOMEAÇÕES NA JUSTIÇA CÍVEL

    Existem três formas: por sorteio, por indicação e por fama. Os Tribunais têm um cadastro dos peritos de cada área. Se um juiz quer nomear alguém na área de Geologia, mas não conhece nenhum perito na área, ou ele sorteará ou perguntará a algum outro juiz se conhece alguém para a tarefa pericial. Portanto, temos as alternativas para receber as nomeações:

    • Por sorteio: quando nunca se teve uma nomeação antes, resta esperar ser sorteado. Alguns levam até três anos para ganhar a oportunidade.
    • Por indicação: não depende de você. Normalmente, os juízes que trabalham no mesmo fórum participam grupos de WhatsApp. Quando precisam, eles conversam entre eles.
    • Por fama: quando já foi nomeado muitas vezes, com um trabalho honesto, com um bom português, as nomeações surgirão.

    Logo, se você é um novato, cadastre-se e espere. Viva normalmente, olhe sua caixa de e-mails diariamente e não cometa o erro de tentar acelerar as nomeações por meio de visitas aos gabinetes. Essa é outra mentira que os pseudomentores contam – dizem para visitar, para que você use um terno, uma gravata, imprima seu currículo e visite todos os juízes do fórum da sua cidade.

    Primeiro, verá que é muito chato. Os assistentes jurídicos vão te esnobar, deixar esperando no gabinete, e se o juiz te atender, raramente te dará atenção. Segundo, você não terá nada a dizer, afinal, você nunca foi nomeado…

    Talvez essa lenda de visitar os gabinetes tenha funcionado no passado, quando não existiam portais de cadastro de auxiliares de Justiça; ou quando os currículos eram impressos em papel. Quando eu comecei em 2013, os chefes dos cartórios cíveis tinham pastas arquivadas, cheias de currículos de peritos. Isso já acabou, apesar de muitos pseudomentoreses continuarem a propagar essa história nas redes sociais. Tudo foi digitalizado.

    Lembro que por volta de 2014, ainda existia essa moda de levar currículos. Fiz isso no fórum de Pinheiros, em São Paulo. Pedi para falar com a chefe do cartório e chamaram uma mulher alta e mau humorada. Quando ela ouviu que eu era um “perito”, respondeu: “não estamos pegando currículos agora, já temos muitos”. Foi humilhante.

    DICAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

    Essa é dica mais importante de redação jurídica – escreva sempre com ordem direta, ou ordem canônica. Evite frases indiretas como: mostrou-se satisfatório o implante dentário; estava satisfatório o implante dentário; insatisfatório estava o implante dentário. Grande volume de textos nos processos judiciais usa a ordem indireta, para parecer mais culta. Tenha a ordem direta como primeira regra para seu laudo. Na gramática[2]:

    Posição do sujeito na oração

    Normalmente, o sujeito antecede o predicado; todavia, a posposição do sujeito ao verbo é fato corriqueiro em nossa língua. Exemplos:

    É facílimo esse problema!

    Vão-se os anéis, fiquem os dedos.

    “Breve desaparecem os dois guerreiros entre as árvores.” (José de Alencar)

    “Foi ouvida por Deus a súplica do condenado.” (Ramalho Ortigão)

    “No muro de tijolo vermelho passeavam lagartixas.” (Graciliano Ramos)

    Veja esta aula que foi disponibilizada pela Escola Superior do Ministério Público em 2018. Participei desse curso excelente, paguei R$ 100,00 em 2018. Recebi um certificado assinado pelo ministrador, um professor de Linguística da Unesp.

    Sobre o juridiquês:

    A procura por uma linguagem rebuscada e perfeita, associada à precisão de sentido, induz o jurista à formação de sentenças truncadas, evasivas, que podem levar à falsa interpretação. Nesse caso, forma-se um abismo linguístico, em que de um lado se encontra o profissional forense e do outro a população em geral. A linguagem permanece no centro, obscura e imperfeita aos olhos da concisão (FRÖHLICH, 2015, p. 215).

    E ainda, na obra[3] que o curso do MP usou como referência:

    Como enfatizam Moreno e Martins (2011), sendo “petição inicial” uma expressão técnica, não há muito há acrescentar. Petição inicial é petição inicial. Assim, as expressões acima para “substituir” petição inicial saem, no entender de Fröhlich (2015), da esfera de meros sinônimos e entram na esfera prolixa do discurso escrito. Logo, um bom texto no campo jurídico deve ater-se as palavras e expressões técnicas, sem sombra do juridiquês.

    Por enquanto, concentre-se em escrever com o sujeito antes do predicado que já estará se diferenciando da manada de aspirantes a perito judicial que as redes sociais estão tentando fabricar artificialmente.

    Escreverei mais dicas depois.

    São Paulo, 30 de outubro de 2024


    [1] André Eduardo Amaral Ribeiro, perito com 275 nomeações em Odontologia, em outubro de 2024, andreamaralribeiro@hotmail.com

    [2] CEGALLA, Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 2010.

    [3] MORENO, Cláudio e MARTINS, Túlio. Português para convencer: comunicação e persuasão em Direito. 2.ed. São Paulo.

  • Pedidos de cirurgia hospitalar em Cirurgia Bucomaxilofacial, planos de saúde e recusa de cobertura[1][2]. Resolução Normativa 424 da ANS, 2017.

    Pedidos de cirurgia hospitalar em Cirurgia Bucomaxilofacial, planos de saúde e recusa de cobertura[1][2]. Resolução Normativa 424 da ANS, 2017.

    Muitos cirurgiões bucomaxilofaciais publicam artigos sobre o tema, com tons críticos aos planos de saúde. Na verdade, eles próprios não pedem de forma completa à operadora. Causam o dano a si próprios por falta de conhecimento. O cirurgião deve entender a relação entre a operadora e bolsa de valores, B3.

    Por André Eduardo Amaral Ribeiro, andreamaralribeiro@hotmail.com


    A cirurgia hospitalar tem um custo alto, envolve riscos e não aceita margens de erro. As operadoras de saúde, que já se tornaram empresas de capital aberto, elas são negociadas na bolsa de valores aqui no Brasil, na B3, antiga Bovespa, em São Paulo. Muitas delas estão em cotações[3] baixas nos últimos dois anos, ou despencando em valor. Então, entenda que existem interesses em jogo e que muitos investidores estão interessados no binômio corte de custos e apresentação de lucros, naturais do mercado financeiro. Portanto, ninguém ficará surpreso se a cirurgia do seu paciente for negada com argumentos ultrapassados e malfeitos. É dessa forma que funciona e continuará funcionando se o cirurgião bucomaxilofacial não começar a escrever de modo exigente para os direitos contratuais de seus pacientes.

    Afinal, seu consultório odontológico também é uma empresa e precisa lucrar. Então, cuide de cada pedido de cirurgia feito, seja claro, seja organizado, arquive todos os seus pedidos anteriores. Aja como um redator, não como um copiador.

    Para tanto, vamos começar com o procedimento por detrás da junta odontológica.

    FLUXO DENTRO DA OPERADORA E O PERIGO DO USO DE FORMULÁRIO PRONTOS

    O fluxo de um pedido dentro da operadora seguirá três etapas, invariavelmente são elas: a indicação do cirurgião, a avaliação pelo profissional da operadora (quase sempre contrário), o voto do desempatador (chamado de junta odontológica). Então, o CBMF (cirurgião bucomaxilofacial) fará seu pedido, o auditor negará e haverá a necessidade do desempate.  Entenda: o CBMF votou a favor da cirurgia para o seu paciente, o auditor da operadora votará contra. Um a um. Então haverá a necessidade de desempatar o entendimento da pertinência da cirurgia. E entra a figura da junta odontológica[4].

    Sugiro que acesse a Resolução Normativa 424 da ANS, de 2017, imprima-a, estude-a e grife as partes importantes com uma caneta marca-texto. A vida do cirurgião bucomaxilofacial será mais difícil sem o conhecimento profundo

    A redação do pedido dirigido às operadoras se mostrou insuficiente em mais de 50% dos casos em que trabalhei, pela minha estimativa como perito na Justiça Cível. Digo isso porque vejo 80% desses pedidos sequer foram datados. Se analisarmos cem pedidos dentro de processos cíveis (pedidos de liminares para cirurgia), veremos que o erro pronunciado de falta de data será frequente. Acredito que isso ocorre porque houve o costume de empregar textos pré-formatados, o chamado Control C e Control V. Não consigo imaginar um documento sem data e assinatura do cirurgião. A operadora explorará essas duas falhas do cirurgião.

    Portanto, nunca use formulário pré-formatados.

    Numerar cada pedido no rodapé também é uma boa ideia, para diferenciar cada um deles. Sempre deixe um e-mail para contato. As juntas de desempate e setores internos de compra usam o e-mail como principal modo de comunicação. Tudo em razão da necessidade das assinaturas digitais, que escrevem as trilhas no final dos documentos. Não conheço tecnologia com profundidade, mas me pareceu que são aqueles sistemas de criptografia.

    Um caso concreto: já vi um cirurgião ser responsabilizado por seu erro grave, causado por uso irresponsável do Microsoft Word. Ele usou o pedido de outra paciente, apenas mudou o nome no cabeçalho e entregou para a operadora. O pedido foi negado e, na instrução processual no fórum João Mendes, tive que assinar que o pedido não tinha qualquer coerência, porque era distinto nos procedimentos cirúrgicos. O caso era um pedido de quatro exodontias dos terceiros molares em centro cirúrgico. Por uso de formulário pré-formatado, a operadora recebeu o nome da paciente dos terceiros molares, com um pedido de cirurgia ortognática bimaxilar. Durante a perícia, a paciente me confirmou que estava lá para a exodontia dos terceiros molares, enquanto não fazia a menor ideia de que o pedido dentro do processo estava errado e tratava de uma cirurgia ortognática. No fim, ela teve de pagar R$ 40.000,00 para a operadora e ainda teve que processar o CBMF para que ele a restituísse.

    Nem a paciente nem o cirurgião tiveram intenção de fraude. Não houve representação criminal. Veja que tudo isso ocorreu sem má-fé, mas por um erro de uso indevido do Microsoft Word. A reputação do CBMF ficou arranhada, pois ele era professor universitário e tinha uma boa clientela.

    EXAME PRESENCIAL

    Não discuta essa regra, estou aqui para te ajudar. Inicie seu pedido à operadora com a frase: peço o exame presencial de minha paciente. Sempre faça isso.

    Para fortalecer o seu pedido, escreva de modo destacado, para que seu paciente seja avaliado presencialmente. Também destaque que deseja receber uma comunicação com a data e local em que seu cliente será avaliado. Essa dica vale ouro, pois se o pedido for negado e ele vier a se transformar um processo judicial, o CBMF terá um argumento forte. Eis que teremos um argumento para anular a avaliação da suposta junta médica ou odontológica.

    Os bastidores das juntas são simples. São centenas de pedidos de cirurgia pendentes, que a operadora deseja negar. Alguns colegas auditores acreditam no que fazem ao negar uma cirurgia, seriam como um advogado do diabo. Eles se defendem dizendo que existem fraudes, superfaturamento, acertos com os fornecedores. Em dez anos nessa área, vi dois casos de fraude, que se tornaram inquéritos policiais. Ou seja, a porcentagem é menor que 1% de fraudes configuradas. Então, não há justificativa para defender a posição de auditor do convênio com este argumento. A justificativa honesta seria dizer que precisa do dinheiro, nada mais.

    Como os operadores acumulam casos e decidem contra o cliente/paciente – motivados pelo corte de custos – ataque-os onde vai doer: faça-os examinar seu paciente, exija a avaliação presencial. Lembre-se, as operadoras são empresas grandes, com capital aberto. Elas estão na bolsa de valores, um ambiente muito complexo.

    ENUMERAÇÃO DAS PROVAS

    Quando fizer um pedido, dê um número e data para cada exame, por exemplo:

    Exame 1: telerradiografia datada em 22 de maio de 2019

    Exame 2: ressonância magnética das articulações temporomandibulas datada em 7 de agosto de 2023.

    Exame 3: tomografia de crânio datada em 7 de agosto de 2023.

    Seja claro e literal. Se não puder fornecer o exame de imagem inteiro, indique um arquivo ou link para que o suposto avaliar possa vê-las. Esta falta de enumeração será um argumento se o pedido for judicializado. Depois que o pedido vira processo cível, os escritórios de advocacia têm um mecanismo quase automático de conduzi-lo, de modo que ficará muito fácil para eles defenderem a operadora. Alguns já usam a inteligência artificial e outros usam mão de obra humana simplificada por rotinas e algoritmos.

    PARTICIPE DA ESCOLHA DO DESEMPATADOR

    Esse é um argumento que poderá ser usado numa ação cível, a falta de oportunidade para a escolha do desempatador. Normalmente, a operadora tem um documento com o nome de quatro profissionais da Cirurgia Bucomaxilofacial. Se o cirurgião ficar calado, eles escolherão um deles, que irá negar sua cirurgia. Não tenho provas, mas acredito que muitos daqueles nomes nestas listas são de profissionais que nem exercem mais a Odontologia ou Cirurgia Bucomaxilofacial.

    Se receber um e-mail com sugestão de um desempatador, responda e escolha um nome. Se não receber nada, use isso como argumento junto com seu advogado. Na Resolução 424:

    Art. 2º Para fins do disposto nesta Resolução, considera-se:

    V – Desempatador: o terceiro membro da junta médica ou odontológica, cuja opinião clínica decidirá a divergência técnico-assistencial, podendo ser profissional médico ou cirurgião-dentista ou os respectivos conselhos profissionais;

    Pense que o profissional desempatador pode ganhar dinheiro facilmente se você facilitar o trabalho dele. Portanto, dê muito para seu desempatador, deixe-o cansado, antes que ele te prejudique.

    E mais adiante, na resolução com o CBMF deverá conhecer:

    Art. 10. A operadora deverá notificar, simultaneamente, o profissional assistente e o beneficiário, ou seu representante legal com documento circunstanciado que deverá conter:

    I – a identificação do profissional da operadora responsável pela avaliação do caso;

    II – os motivos da divergência técnico-assistencial;

    III – a indicação de quatro profissionais para formar a junta, acompanhada de suas qualificações, conforme previsto no Programa de Qualificação dos Prestadores de Serviços na Saúde Suplementar – QUALISS, ou currículo profissional;

    IV – a previsão de prazo para a manifestação do profissional assistente;

    V – a notificação de que na recusa, intempestividade ou silêncio do profissional assistente quanto à indicação do desempatador para formar a junta, haverá eleição, pela operadora, dentre os indicados, conforme inciso III, do médico ou cirurgião-dentista desempatador;

    VI – a informação de que o beneficiário ou o médico assistente deverão apresentar os documentos e exames que fundamentaram a solicitação do procedimento; e

    VII – a informação de que a ausência não comunicada do beneficiário, em caso de junta presencial, desobrigará a operadora a cobrir o procedimento solicitado, nos termos do art. 16.

    Parágrafo único. A notificação ao beneficiário para dar conhecimento da formação da junta deverá conter as informações previstas neste artigo, descritas em linguagem adequada e clara, inclusive as relacionadas ao disposto nos incisos V, VI e VII do caput, observado o disposto no art. 5º.

    AS FRAUDES EM OPME REALMENTE EXISTEM?

    Já fui entusiasmado com a busca de fraudes nos OPMEs, mas depois de muita pesquisa, encontrei pouca matéria. Conversei com promotores de justiça no fórum da Barra Funda, na esperança de que me dessem um documento inédito de investigação, mas eles não tinham informações novas. Eu pensava em um texto que pretendia escrever, uma promotora de Justiça (Dra. RM) me disse o oposto “André, você tem algum material, alguma suspeita para nos ajudar?”. Nenhum de nós dois tinha nada. Então, as fraudes com OPME não estão ocorrendo em todos os hospitais, ao mesmo tempo, em todos os Estados do Brasil. Elas existem, mas são raras. Não sonhe.

    Uma vez, escrevi sobre isso num laudo de perícia minha, o juiz de direito do fórum regional do Tatuapé me advertiu que estava extrapolando minha função. No fim, não consegui escrever sobre o tema e esse juiz me riscou do cadastro do fórum. Hoje, já fiz as pazes com este juiz, que me chamou recentemente para um processo e permitiu meus honorários bem pagos. Agradeço, Dr. RP.

    DEFESAS SÃO PROTOCOLOLARES. A CATEGORIA ESPECIAL

    Resumirei o que vi nos últimos dez anos.

    Boa parte das defesas de escritórios de advocacia se referem a uma reportagem do programa da Rede Globo, Fantástico, que foi ao ar em 2018. Também citam uma reportagem A máfia das próteses FONTE: Folha de S.Paulo – 19 de janeiro de 2015. Toda classe tem profissionais dos quais se orgulha e outros que renega. A grande maioria dos médicos brasileiros não tolera marginais no seu seio, de Carlos Vital Tavares Corrêa Lima. Se lhe interessar pesquisar sobre o tema, aqui está um link de uma compilação[5] que fiz há alguns anos, quando ainda estava entusiasmado com o tema. Hoje, não acredito que haja muito o que pesquisar.

    Quando houver um OPME caro num pedido de cirurgia, a tarefa passa a um advogado da área e ele oferecerá uma defesa automática (aquela que já foi usada em muitos processos anteriores, com relativo sucesso, como se fosse uma franquia).

    Sempre vão citar a Máfia das Próteses e o CBMF vai se sentir ofendido em ver seu nome supostamente ligado a essa história antiga. Para um advogado experiente, será muito fácil escrever a defesa quando sua cirurgia custará mais de R$ 200.000,00. Na atualidade de novembro de 2024, qualquer processo que peça uma prótese customizada de mandíbula entrará nessa categoria especial, vamos chamá-la assim.

    Veja essa decisão de um juiz do fórum da Lapa, São Paulo:

    Havendo a indicação médica e dos materiais, não cabe à requerida discutir com o consumidor isso. E argumentar que a questão se reporta a escolha dos materiais piora a questão, pois se coloca em processo junto ao consumidor (o qual nem sabe e nem é perito quanto aos materiais, e possui o direito de ser atendido) problema que, em achando a operadora, deve discutir em ambiente próprio, se possível, contra quem indicou, e isso ainda também é muito  controverso, pois deve ter em mente que apenas demonstração inequívoca de fraude é que lhe poderá garantir a discussão. Nesse ponto, pode sim o profissional pedir um material de melhor qualidade, ou a vida do consumidor não vale?

    Diante disso, por se pretender produzir prova totalmente desnecessária e fora do contexto daquilo que se pode discutir com o consumidor, o que revela via oblíqua de discussão não imputável ao consumidor, e sendo o dever do juiz indeferir provas inúteis, indefiro a prova pericial pretendida pela ré, bem como todas as demais que se reportem à necessidade de demonstração do uso do procedimento ou materiais, ressalvando-se o acima exposto.

    Concordo com ele integralmente.

    A MENTE DO DESEMPATADOR

    Trabalhei com um dentista que atuava como desempatador. Ele estudou comigo na faculdade. Lembro-me de que ele tinha ideias ultrapassadas em razão de sua obsessão por encontrar uma fraude nos OPME (órteses, próteses, materiais especiais), mas para achar uma fraude, ele teria de trabalhar muito e calcular – usar o Excel – o que ele não gostava. Quase sempre, as escusas para rejeitar o pedido são encontradas em interpretações distorcidas do Colégio de Cirurgia Bucomaxilofacial, Parâmetros e recomendações para procedimentos bucomaxilofaciais do Colégio Brasileiro de Cirurgia Bucomaxilofacial, Ênfase em OPME.

    Conhecer esse documento e a edição de 2023 são obrigatórios para o CBMF. No entanto, elas não são absolutas. Você tem o direito e o dever de conduzir sua cirurgia como for melhor para o seu paciente. Arquive esses parâmetros e ganhe o costume de consultá-lo e citá-lo quando pedir uma cirurgia. Eu discordo de muita coisa nesse documento, mas concordo com uma boa parte.

    O trabalho de combate às fraudes é muito interessante[6]. Pessoalmente, já gostei de fazer isso. Por outro lado, não tínhamos muito material para estudar[7]. Visitei a biblioteca do Ministério Público na Rua Riachuelo, 115 em São Paulo, conversei com promotores de Justiça e conclui que não seria possível reunir material suficiente para escrever nem sessenta páginas sobre o assunto.

    Portanto, 90% do trabalho de combate às fraudes é juntar dados de processos e organizá-los. Então, um bom auditor é aquele que juntou muitos dados e os têm organizados. Comparar o caso atual com outros já passados (mesmo que sejam de outros auditores) é a coluna vertebral do trabalho de auditoria de fraudes. Se encontrar uma fraude, terá de escrever um relatório com números e depois entregar para um advogado ou promotora de Justiça. Esse é o caminho para representar criminalmente com o fraudador. E assino que as fraudes são poucas e estão se reduzindo por causa da tecnologia. Mesmo que descubra uma grande fraude, dificilmente ficará famoso com isso.

    Se quiser ler algo interessante sobre fraudes, busque o nome do auditor de Wall Street, Harry Markopoulos. Esse homem é um auditor-nato. Ele fareja uma fraude e foi o primeiro a suspeitar do esquema das pirâmides daquele investidor Bernie Madoff, que arruinou a vida de milhares de famílias com suas tramoias financeiras. Esse livro não existe em português.

    Esqueça a vida de investigador de fraudes e concentre-se em escrever um bom pedido para a operadora da saúde com estes requisitos: (1) data; (2) pedido de exame presencial; (3) presença na escolha do desempatador; (4) enumeração clara das provas.

    Acho que esta é a melhor dica que posso dar. Faça seu consultório movimentar dinheiro e procedimentos, por isso, pense repetidamente no que aconselhei acima.

    São Paulo, 2 de novembro de 2024

    André Eduardo Amaral Ribeiro


    [1] André Eduardo Amaral Ribeiro, perito no Tribunal de Justiça de São Paulo desde 2014.

    [2] Nomeado 277 vezes até novembro de 2024 na área da Odontologia, em varas cíveis do Brasil.

    [3] Pessoalmente, vejo as ações operadoras de saúde como ativos péssimos dentro da bolsa de valores. Não pretende comprar nenhuma participação nelas no cenário de novembro de 2024. Acredito que teremos empresas quebradas em dois anos. É minha análise. Não conheço nenhuma tese de investimento que contemple investir em operadoras de saúde no Brasil, digo, das teses oferecidas por muitos consultores – eles sequer citam o setor de saúde.

    [4] Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, Resolução Normativa – RN N.º 424, DE 26 DE JUNHO DE 2017.

    [5] ABRAMGE MÁFIA DAS PRÓTESES.pdf

    [6] GLADWELL, Malcolm. Falando com Estranhos, Editora Sextante, 2019

    [7] Lembre-se que conversar com estranhos é uma arte. E um livro muito bom, best-seller, de um escritor presente nas redes sociais vai te ensinar a fazer isso, Malcolm Gladwell.

  • Reclamações injustas e exageradas de pacientes na Odontologia

    desindexação de reclamações nos sites do consumidor

    Palavras-chave: #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos

    É um problema comum, que não deve atrapalhar o seu cotidiano.

    Até que ponto um paciente insatisfeito pode falar mal do dentista na internet? Sites como Reclame Aqui tem visibilidade e muitos dentistas se sentem indefesos, pois tirar o conteúdo pode ser trabalhoso e caro.

    Muitos dentistas entram em pânico quando um paciente exagera e fala mal do seu trabalho ou da sua clínica odontológica na internet. Na verdade, quase ninguém lerá as ofensas. São milhares de reclamações diárias, o volume aumenta e a reclamação exagerada ficara perdida lá no meio. Quem leu, esquece logo depois. Afinal, os brasileiros não chegam a passar oito horas por dia nas redes sociais?

    Vivi um caso de amigos dentistas que tiveram uma paciente insatisfeita e resolveu verbalizar no Reclame Aqui. A dentista dona da clínica ficou tão perturbada e pagou R$ 10.000,00 para uma advogada entrar com uma ação cível para desindexação de conteúdo. A mensagem ofensiva levou cerca de dois meses para sair do ar e ela se deu por satisfeita. Não acredito que muita gente tenha lido o tal comentário, pois ele estava no meio a milhares de outros parecidos, com muito erros de português e com frases incompreensíveis.

    Se você obtiver uma decisão judicial favorável à retirada do conteúdo ofensivo, ainda caberá protocolar o documento na sede ou virtualmente no

    Se puder lhe aconselhar, preocupe-se apenas em responder a reclamação, com frase curta e peça para que o paciente retorne para avaliação. Uma frase basta. Não fique se explicando, não exponha detalhes do paciente.

    Se cada reclamação gerar um processo, os advogados ficarão ricos e o Judiciário vai colapsar. Essas manifestações populares sobre a regulamentação das redes sociais não pensam num prazo mais longo. Quando a população começar a ingressar com esses milhares pedidos, acho que o Judiciário terá de criar varas especializadas em Direito Digital.

    Um exemplo, o pedido da clínica odontológica num processo:

    Postula-se ainda a concessão de liminar para suspensão das publicações até o final da lide, ou, alternativamente, para que seja anotado nas três publicações realizadas pela autora junto ao site Reclame Aqui, como advertência para eventuais leitores, que Athena Odonto e Dr. Alexandre Galisteu promovem reconvenção que ora tramita perante a 3º Vara Cível de Guarulhos, por meio dos autos n. 1056338-18.2022.8.26.0224 em face da responsável pela publicação, para apuração de responsabilidade civil, sob o argumento de que traz informações inverídicas e caluniosas.

    Decisão da Vara Cível:

    Em razão dos argumentos expostos na reconvenção, e considerando o risco de abalo à imagem da ré, concedo a tutela de urgência, para que as reclamações feitas pela autora contra a empresa no site “Reclame Aqui” sejam excluídas. O fumus boni juris está configurado, pois a permanência do nome da ré no site em questão não resolverá o problema, mas trará prejuízos à empresa, caracterizando assim, o periculum in mora. Servirá a presente, por cópia, como OFÍCIO, competindo à ré a impressão e o devido encaminhamento. Ressalte-se que o deferimento da medida não trará qualquer prejuízo à autora, uma vez que não há perigo de irreversibilidade. Comprovada a legalidade de sua reclamação, poderá haver determinação para que o registro seja restabelecido. Guarulhos, 4 de setembro de 2023

    As empresas que terão de serem notificadas são Google Brasil Internet Ltda, Microsoft do Brasil Importação e Comércio de Software e Vídeo Games Ltda e Yahoo Brasil Internet Ltda. Então, será confuso retirar o conteúdo ou a notícia, além do custo do advogado. E ainda existe o risco de a Justiça decidir contra o dentista:

    Apelação. Ação de obrigação de fazer. Pretensão de desindexação de notícias relativas ao requerente, especialmente quanto a um processo criminal em que esteve envolvido, nas ferramentas de busca das empresas rés. Sentença de improcedência. Recurso do autor. Caso em que, tratando-se de meros provedores de pesquisa, os réus não tem disponibilidade sobre conteúdo inserido pela fonte, não sendo responsáveis pela “filtragem” do resultado das pesquisas realizadas por seus usuários. Impossibilidade de responsabilização do provedor de pesquisa para exclusão do conteúdo. Ausência de fundamento normativo para imputar aos provedores de aplicação de buscas na internet a obrigação de implementar o direito ao esquecimento e, assim, exercer função de censor digital. Sentença mantida pelos próprios fundamentos, nos termos do artigo 252 do RITJSP.

    Foi a dica de hoje.

    São Paulo, 3 de novembro de 2024

    Contato: andreamaralribeiro@hotmail.com


    [1] André Eduardo Amaral Ribeiro, perito judicial em Odontologia no TJ-SP, com 277 nomeações.