Teses que não se sustentam num pedido de indenização. Pedidos impossíveis ao Judiciário. Odontologia, Dentística. Procedimentos impossíveis de se verificar numa perícia.
André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista e perito judicial[1] em São Paulo.
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Provas com efeito
As teses jurídicas devem ter elementos concretos e as radiografias são as melhores provas para isso. A crença popular sobre que o paciente não poderia iniciar outro tratamento ou modificar o cenário bucal é correta, em tese. No entanto, muitos casos exigem um tratamento imediato, pois atrapalha o trabalho do paciente – como exemplo, dentes anteriores perdidos. Ninguém ficará sem dentes da frente enquanto aguarda um exame pericial.
Para realizar o novo tratamento, o postulante deve saber documentar corretamente. As provas possíveis, antes de iniciar novo tratamento são: modelos de gesso, cefalometria e suas fotografias padronizadas, radiografias panorâmicas, radiografias periapicais completas, tomografias. Eventualmente até fotografias com celular. O paciente deve levar quaisquer próteses defeituosas ou coroas à perícia.
Já por outro lado, as provas que não prestam se efetivam para concretizar seu pedido: conversas de WhatsApp, orçamentos de outros dentistas e pareceres extrajudiciais – que na minha opinião são laudos encomendados. Pareceres extrajudiciais são resultados de propaganda enganosa. É uma farsa.
- Conversas de WhatsApp: o texto não permite entender o contexto no qual a conversa está sendo travada. Tudo piora quando existem áudio no papel, mas não existem o som ou a transcrição do áudio. De qualquer forma, é a prova mais comum e menos eficaz. Afirmo que 80% dos processos contêm conversas de WhatsApp que não servem para nada.
- Orçamentos de outros dentistas: isso chamo de processo de funilaria – você bate o carro, leva a três funileiros diferentes e manda a conta para o outro motorista. Na Odontologia, os três orçamentos raramente são idênticos nos procedimentos ou materiais – um dentista sugere quatro implantes, outro sugere cinco, um sugere zircônia, ou outro nada especifica. Não são equivalentes portanto. Não são comparáveis.
- Laudo ou parecer extrajudicial: fica contaminado, pois a pessoa paga para o dentista escrever, que vai dar razão para ela. Não valem nada no julgamento. Algumas pessoas já pagaram R$ 14.000,00 para um assistente técnico desonesto, no qual o parecer foi um zero à esquerda e reconhecido em um despacho judicial.
Processos instruídos com os três elementos acima mostram: o advogado é inexperiente ou a parte não tem razão e insiste se aventurar na ação – não conseguiu provas – resta improvisar.
Teses jurídicas sem efeito
Na minha carreira como perito, lembro de dois casos que se destacaram por terem se apoiado em problemas irrelevantes. Não seria possível acolher um pedido de indenização com doenças ou falhas tão abstratas para uma juíza de direito.
O primeiro argumentou não havia tripoidismo[2] nos contatos oclusais, depois de uma reabilitação moderada com coroas de porcelana nos dentes posteriores. A equipe da requerente juntou fotos intrabucais, com as marcas de papel carbono. Um dente para cada foto e montaram uma espécie de painel de congresso – a fotografia oclusal – com comentários e setas reclamando da falta de tripoidismo. Era a tese, que rebati com textos de livros bem antigos e clássicos como Shillingbourg[3]. Isso é impossível de se avaliar numa perícia, pois se batermos o carbono em dois dias seguidos, o resultado será diferente, dada as movimentações da mandíbula. E mesmo que não houvesse o tripoidismo, sabemos que ele é desejável e que muitas vezes é impossível, mas sempre desejável. O valor pedido da indenização eram R$ 80.000,00.
O segundo foi parecido. A equipe da requerente pegou um exame periapical completo, localizou algumas imagens sob as restaurações de resina, disse que eram infiltrações e ingressaram com a ação. Setinhas coloridas apontavam pequenas áreas radiolúcidas, algumas nem mesmo apontavam, pois foi uma montagem péssima, feita no improviso. A partir dessas radiografias, lançaram o dado da sorte para tentar ganhar uma indenização. O valor da causa foi R$ 60.000,00. Fui nomeado perito e pedi igualmente um exame radiográfico periapical, com a exigência de ser feita em outra clínica. A comparação das imagens confrontou e acabou com o delírio.
Para terminar, no começo de carreira, lá por 2015 ou 2016, vi um caso de prótese total, que teriam quer repetir o tratamento e entregar duas próteses. Um caso simples portanto. O valor da causa de indenização foi R$ 380.000,00.
Quando leio os processos pela primeira vez, gosto de avaliar a tese. Na maioria das petições iniciais, a proporção é de sete para um – cada parágrafo com descrição de assuntos odontológicos comparada com sete parágrafos de texto jurídico ou jurisprudência. E já escrevi muitas petições para escritórios, na posição de assistente técnico. Escrevia cinco páginas, com radiografias e mandava ao escritório. O resultado era uma petição de trinta a quarenta páginas. Na minha visão, uma página invocando a lei do consumidor e três jurisprudências seriam suficientes e fortes.
São Paulo 23 de outubro de 2025
(assinatura digital)
[1] Soma 334 nomeações em processo cíveis para apurar para os juízes.
[2] Conceito que afirma que cada cúspide deve imprimir três pontos na fóssula oposta, comumente usada na disciplina de Anatomia Dental ou Escultura Dental, normalmente no segundo ano do curso de Odontologia.
[3] Um livro sobre Prótese Fixa muito famoso.
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