Caso pericial concreto: suposto erro na cirurgia ortognática
André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista e perito[1] judicial em São Paulo.
andreamaralribeiro@hotmail.com
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A pequena validade de um parecer extrajudicial numa demanda indenizatória na Odontologia. O esquema pouco engenhoso da Máfia das Próteses.
De fato, raramente tem força probatória. Serve apenas para uma baliza entre duas ou mais teses das partes. De modo genérico num processo judicial, teríamos a tese do autor versus a tese da defesa. Uma das duas é verdadeira, se suposto que são argumentos opostos – uma afirma que o tratamento dentário foi malfeito, a outra nega que foi malfeita.
Infelizmente, alguns advogados creem nessa lenda do parecer extrajudicial e até mesmo se dispõem a convencer seu cliente a pagar por isso. Muitos daqueles que assinam esses laudos, por serem inexperientes, acreditam que seu parecer realmente vale alguma coisa.
O caso que desejo comentar foi exatamente assim – uma senhora do interior de SP me telefonou para contratar o serviço de assinar um parecer (favorável a ela). Expliquei que era uma ideia errônea e uma lenda na qual as pessoas acreditavam. Ela hesitou e resolveu pagar pela minha consultoria, na forma de assistência técnica. A advogada dela insistia que o parecer deveria compor sua petição inicial. Após muita discussão, ela encontrou uma dentista em São José dos Campos, que escreveria o parecer por R$ 14.000,00. A senhora pagou e me dispensou, resolveu seguir com a tal da parecerista, uma suposta professora da Unesp Campus São José.
O processo correu e ela perdeu. Agora, na fase de apelação, ela me ligou para recontratar meus serviços, pois devolvi o dinheiro para ela. Neguei o serviço, pois na fase recursal, pouco pode ser feito por um cliente. Obviamente, antes de aceitar a consultoria, a viabilidade da ação indenizatória deve ser avaliada com realismo.
Mesmo que a pessoa deseje usar um parecer extrajudicial, existe uma barreira: o parecerista não terá acesso aos documentos do prontuário. O dentista pode se negar a entregar alguma coisa em seu poder sob alegação de que apresentará somente em Juízo. Outra opção seria a perícia extrajudicial, que não tem força para fazer com que a parte contrária compareça. E a legislação até prevê o parecer extrajudicial ou a perícia extrajudicial, sem citar as dificuldades práticas para reunir as pessoas, obter os documentos em poder do dentista. Já tentei realizar perícias extrajudiciais e os advogados faziam tudo para dificultar ou impossibilitar. Portanto, não é uma opção viável na prática.
Os advogados que sugerem esses pareceres não são maus advogados, mas não tem a experiência nas causas da saúde. Bons escritórios não ingressam com pedidos indenizatórios sem um assistente técnico. As despesas tornam a causa impossível, pois o autor terá que pagar: (1) honorários do advogado; (2) honorários do assistente técnico; (3) honorários do perito, se o valor for decidido pela Art. 95 do NCPC, o chamado rateio. Um leigo fica desconfiado de tantos honorários, por isso, nunca dá certo.
A tese jurídica fica pela metade sem as ideias de um assistente técnico, e um texto fraco, cheio de jurisprudência e com nenhuma base científica. O que mais se repete é o ingresso com um pedido de cirurgia urgente, com exagero no diagnóstico para tentar uma cirurgia de urgência em Cirurgia Bucomaxilofacial. A peça da moda hoje é a prótese customizada, com custo de R$ 300.000,00. A ironia fica no fato de que o paciente não faria essa técnica se estivesse pagando por ela. Só aceita porque foi induzido por profissionais.
O esquema é assim: um cirurgião bucomaxilofacial ligado ao fabricante de próteses recruta outros cirurgiões para prescrever próteses customizadas e pedir urgência em todos os casos. A documentação é resumida, sempre se apoiando no princípio e jurisprudência de que o médico/cirurgião assistente tem conhecimento total da doença do seu paciente. Se tivesse esse conhecimento, o mínimo que se esperaria seria um prontuário, com a anotação de cada consulta de tratamento ambulatorial. Esse documento raramente é apresentado. O equívoco é pensar que apenas o pedido de cirurgia é suficiente.
Depois, o pedido de urgência é maquiado com os mesmos argumentos: o paciente sofre de refluxo gastroesofágico, apneia do sono e a morte é iminente. Se a liminar for concedida e a perícia entender que o tratamento foi superestimado ou um supertratamento, o paciente não merecia a cirurgia. A cobrança será feita.
Esse cirurgião parceiro do fabricante da prótese nunca recebe dinheiro como honorários, pois está patrocinado pelo fabricante. O advogado supostamente só trabalha com esse tipo de causa. Também cuida da multiplicação dos processos. Os processos nunca contêm cotações de preço e somam mais de R$ 400.000,00. Com esse esquema, múltiplos casos que poderiam ser resolvidos com próteses comuns, mas que querem a prótese customizada porque “não vão pagar, pois o plano de saúde cobre a cirurgia”.
O esquema todo falha quando um cliente é operado por liminar e depois a perícia atesta que era um supertratamento. Ao receber a cobrança da cirurgia, o paciente vai tirar satisfações com o advogado. Depois de uns três casos perdidos, o advogado não tem mais sossego – as pessoas estão atrás dele e cobram justificativas para aquele plano perfeito.
O esquema cai, o advogado fica queimado e sua carreira acaba. É simples assim.
São Paulo, 19 de setembro de 2025
(assinatura digital)
[1] Soma 327 nomeações em perícias cíveis.
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