Erros grosseiros na petição inicial, indenizações em Odontologia. Consentimento do uso de seus orçamentos num processo judicial.
André Eduardo Amaral Ribeiro[1]
Palavras-chave: #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos
Link para a venda do livro Introdução à perícia judicial em Odontologia: https://a.co/d/dKl4jhf
UMA CRÍTICA AOS TRABALHOS AMADORES DOS ADVOGADOS
Calculei que 26% das petições iniciais se fundamentam para instruir uma ação indenizatória relacionada com a Odontologia. E 74% são insuficientes em apontar o suposto erro da equipe odontológica, com erros grosseiros. O advogado redator não saberia explicar o que foi feito de errado no tratamento e não criou nenhuma tese.
O argumento básico é uma gambiarra: (1) houve um erro, sem saber explicar para um juiz de direito qual foi esse erro; (2) transferir a avaliação desse erro para orçamentos feitos por outros dentistas, sem o consentimento deles; (3) usar esses orçamentos no processo, sem o consentimento daqueles dentistas quem o assinaram; (4) não conhecer o trâmite clássico de uma ação indenizatória, obrigatoriamente numa vara cível. Veremos cada item.
O ERRO EM SI, A GAMBIARRA. DENTISTA NÃO CONSENTIU O USO DE SEU ORÇAMENTO.
Ingressar com a ação sem saber enumerar[2] quais erros foram feitos durante o tratamento dentário é um fracasso argumentativo sem solução.
Isso acontece porque o advogado não sabe qual foi a finalidade do tratamento dentário. Numa regra simplificada seria dizer que é a reabilitação da dentição e da boca. Mas isso não basta. O perito pode lhe responder com dezenas de argumentos contrariando sua tese. Chamaremos de Escritório L como modelo de exemplo e evitar citar nomes. Precisamos compreender que o Escritório L não gosta muito de escrever e tem dificuldades em argumentar, ou seja, sua dificuldade é a Língua Portuguesa[3].
Escritório L não está consciente de que suas petições são péssimas, pelo contrário, acha-se muito criativo em suas teses, afinal ninguém as usa. A narrativa de um tratamento está cheia de nomes errados, com analogias contrárias à Ciência, com apoio em provas duvidosas e muita jurisprudência. Portanto, é um trabalho pobre e amador. A petição não consegue enumerar[4] o que está errado e não narra o que deveria ser o correto. A petição não conhece conceitos importantes: sobre oclusão dentária, sobre recuperação de dimensão vertical, sobre as etapas daquele tratamento, sobre o tempo necessário para clinicar com um pouco de Ciência para concluir um tratamento.
A pior ideia é a falta de identificação dos erros, que então obriga a juntar três orçamentos, pois acredita que será útil, para depois concluir com um pedido genérico de indenização. É o comodismo na petição inicial – tão somente invocar a lei do consumidor e usar “tática da funilaria” com a juntada de três orçamentos. Juntar três orçamentos me lembra acidentes de trânsito com carros sem seguro de danos. Uma das partes procura um orçamento menor, dentre os três, e apresenta com a esperança de que o proprietário do outro carro pague. O problema é que esses três orçamentos raramente são coerentes, eis que cada um deles propôs um tratamento diferente. Então são três tratamentos distintos. Um deles propõe seis implantes, o outro propõe quatro implantes. Um propõe enxertos ósseos, outro propõe enxertos em locais diferentes e o terceiro opta por uma prótese mucossuportada sem o emprego de nenhum implante[5]. Para o advogado leigo, essa gambiarra parece suficiente. Aqui chamo de transferência de responsabilidade: os três dentistas que calcularam seus honorários não gostariam de saber que aquela consulta tinha segundas intenções[6], que perdeu tempo com um paciente que não estava interessado em iniciar nenhum tratamento e pior, não desejará saber que seu documento, com seu nome e seu carimbo será usado em um processo judicial, sem seu conhecimento por causa de um advogado inexperiente.
Lembro de um caso interessante no fórum de Santana. O advogado trabalhava dessa forma – orientava seus clientes a conseguirem os três orçamentos. No entanto, a dentista foi muito atenciosa e propôs um tratamento coerente. Por isso, o advogado considerou que esse único orçamento seria suficiente para instruir a petição inicial. Ingressou com a ação. Por algum acaso, o juiz determinou a expedição de um ofício para a entrega de cópia do prontuário da dentista atenciosa. Ao conhecer o uso de seu orçamento em uma ação judicial sem seu consentimento, a dentista se zangou e protestou. Respondeu com uma carta fundamentada, bem redigida e na qual se queixava falta de consentimento. Entregou a cópia do seu prontuário e se conformou por escrito, contra o abuso por escrito com o Juiz presidente da causa. Sua tese era de que seu documento estava sendo usado com fim distinto para o qual se destinava, sem consentimento.
Fui nomeado como perito nesta demanda e ao ler a contestação, resolvia chamá-la de Escritório L – um escritório que desgastou a técnica e segue perdendo quase todas as causas. O tratamento objeto da reclamação e o único orçamento apresentado não eram iguais, não eram semelhantes. Eram propostas distintas, uma opção por tratamento com prótese total frente a uma reclamação contra implantes. Os valores eram incompatíveis: R$ 30.000,00 contra R$ 5.000,00. A própria dentista que assinou o tratamento pediu para que seu orçamento não fosse considerado naquele processo, pois ela não tinha consentido o uso de seu documento para aquela finalidade – o documento era apenas uma previsão de tratamentos.
Nesse ponto, desistir da ação seria o bom senso. Mas o advogado insistiu, embora sua cliente já tivesse no meio do tratamento com a dentista atenciosa . O processo correu, a perícia foi determinada, estudei os autos e já pressenti o fracasso da indenização.
Na perícia, a autora apresentou-se com sua boca reabilitada, com uma prótese superior de ótima qualidade, a dimensão vertical estava recuperada. O objeto da perícia- os implantes – foram removidos. Assinei isso – alteração do cenário bucal, falta de documentação. Isso que chamo de transferência de responsabilidade. No seu cotidiano, você recebe um paciente que mente, diz que irá começar um tratamento, mas que está colhendo opiniões. O dentista assina sua previsão de custos, é traído pelo paciente que desejava apenas o “papel para colocar no processo, como o advogado pediu”. Obviamente, ele ficará muito bravo com a situação, gastou sem tempo, assinou um documento que será comodamente usado em processo judicial, sem seu consentimento. Perceba o amadorismo do advogado, a falha na tese, a falha no procedimento de obtenção de provas. Nada está correto nessa situação.
Ingressar com uma ação num Juizado Especial Cível reforça o amadorismo. O despacho de que a causa exige perícia e que o rito sumaríssimo do Juizado não permite esta prova é a resposta invariável. A ação será extinta, com a indicação de que seja proposta na vara cível. Não é possível confiar em um advogado com essas técnicas. O advogado do Escritório L acabará no Uber, com diz um engenheiro que conheço. Quando encontra outro engenheiro perdido, diz para cancelar o CREA a vai ganhar a vida no Uber. Nada contra a profissão do Uber, mas esse pensamento é ilustrativo. A irresponsabilidade e amadorismo do Escritório L prejudica seu cliente, prejudica a reputação do advogado, mostra sua dificuldade na redação e se conclui que ele não é capaz de se manter na advocacia.
Por último, o advogado não sabe explicar para outro advogado o que estaria errado naquele tratamento dentário. Garanto que esses conceitos são bastante complexos se você não cursou Odontologia. Essa receita de bolo: três orçamentos, erro genérico e uso de documentos sem o consentimento não terão efeito para a vitória.
Mude sua abordagem se você for um advogado trabalhando com essa tática pobre, sem fundamento e sem futuro. Empenhe-se em trazer a Ciência para o seu processo.
A QUESTÃO EM CIRURGIAS HOSPITALARES
O escritório L também atua em pedidos de tutela em cirurgias ortognáticas, artroplastia de ATMs, prescrição de próteses customizadas. Aqui, a fundamentação é ainda menor. O advogado pede ao cirurgião para que escreva um relatório para embasar seu pedido de tutela. Argumenta genericamente – o cirurgião é aquele que conhece a doença de seu paciente, então, nenhuma objeção pode confrontá-los. O escritório L perde todas as causas que patrocina. Como já se percebeu, o escritório L faz tudo errado, sempre motivado pela lei do mínimo esforço.
PROPOSTA
Sempre que atender alguma paciente que deseja apenas o orçamento, não há problema em entregá-lo. Sugiro que escreva algo como – Não consentimos o uso deste documento para uso em processos judiciais. Ou também – Não autorizo o uso deste documento para processos judiciais. É simples, suficiente e evitará problemas futuros.
CONCLUSÃO
É impossível propor uma ação indenizatória sem consultar um assistente técnico na Odontologia. Sem a avaliação da viabilidade da causa, sem o levantamento da suficiência das provas, sem a advertência de que a perícia será necessária, de que o Juizado Especial Cível não é o caminho correto e que juntar três orçamentos raramente funcionará como prova, em destaque para usar um documento de terceiro sem consentimento. Portanto, abandone a ideia da gambiarra advocatícia.
São Paulo, 22 de setembro de 2025
(assinatura digital)
[1] Cirurgião-dentista em São Paulo. Atuante na perícia judicial cível desde 2014. Soma 327 nomeações nas varas cíveis como perito do juízo.
[2] Fundamentação com um pouco de Ciência.
[3] GIDI, Antônio. Redação jurídica, estilo profissional. Editora Podivm, Salvador, 2025.
[4] Erros com fundamentos na Ciência: falta de dimensão vertical, oclusão insuficiente, doença periodontal em avanço, falta de tratamentos em Dentística, erro no diagnóstico, prontuário insuficiente, tratamento contraindicado e muitos outros exemplos naturais na Odontologia.
[5] Todas as três propostas são corretas pela Ciência odontológica.
[6] A susposta consulta visa obter um orçamento, o mais caro possível, mas o dentista não sabe disso e assina um documento de previsão de custos. Consentir que o paciente use esse documento num processo digital.
Deixe um comentário