Conflito entre operadoras de saúde e cirurgiões bucomaxilofaciais. Alguns conselhos

Por André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião dentista e perito judicial em São Paulo

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Lembro-me de uma frase que ouvi em 1991. Na época estudava no primeiro ano do ensino médio, no Colégio Bandeirantes, em São Paulo. Às segundas-feiras após o almoço tínhamos o laboratório de redação. A professora se chamava Donay. O exercício era escrever uma redação a favor e outra redação contra alguns dos temas na lousa. Um deles era a pena de morte. Deveríamos argumentar e escrever uma dissertação a favor da pena de morte e escrever outra contra a pena de morte. Na época não pareceu difícil, acho que escrevia muito mal em 1991. Mas essa ideia está comigo até hoje.

Posso escrever contra um plano de saúde, mas posso escrever a favor dele. Posso escrever contra a junta[1] odontológica e posso escrever a favor delas. Pela minha experiência, existem quatro lados sobre os quais posso aconselhar: as operadoras de saúde, os cirurgiões bucomaxilofacial, os juízes de direito e os advogados. Será como aquela minha redação de 1991, argumentarei contra algumas práticas e a favor de outras.

Como aprendi?

Fui apresentado à perícia judicial em 2014, no Fórum de Santana, São Paulo. Uma juíza me nomeou para um processo cível. Na época era físico – eram duas pastas verdes com 300 páginas. Meu laudo foi tão ruim que foi anulado. Meu segundo laudo foi em Itu e o terceiro no Fórum do Ipiranga, em São Paulo. Aperfeiçoei minha redação e a perícia judicial se tornou recorrente com pelo menos uma nomeação por mês. Hoje recebo quatro ou cinco nomeações por mês. Isso me somou 327 nomeações entre 2014 e setembro de 2025. Portanto tomei a liberdade de escrever sobre o assunto. Tive uma briga com um advogado (nos autos). Ele não tinha educação e escrevia com tom irônico. Isso me fortaleceu. Estou fingindo que escrevo para esse advogado, pois ele criticou meu método de trabalho. Obviamente, ele não sabe nada sobre mim.

Meu método de trabalho inclui checklists, que não divulgo. Cada tema deve passar por conferência das checklists. Muitos concorrentes querem essas cobiçadas checklists e já adianto que cobro por elas no meu treinamento. São a base do trabalho pericial caprichado. Como um advogado que nunca me viu na vida pode criticar meu método? Impossível. Quando

Pablo Picasso começou a ter seus quadros copiados por outros pintores, especialmente na fase cubista, Picasso entendeu que tinha alcançado o sucesso absoluto. Ele avaliava seus métodos de divulgação como eu li: Ninguém administrou melhor sua imagem do que Pablo Picasso[2].

Pablo Picasso disse certa vez, “O melhor cálculo é a ausência de cálculo. Quando você alcança um certo grau de reconhecimento, os outros em geral imaginam que se você faz alguma coisa, deve ser por um motivo inteligente. Portanto, é tolice planejar com muito cuidado e antecedência os seus movimentos. É melhor agir caprichosamente”. Durante uns tempos, Picasso trabalhou com o marchand Paul Rosenberg. Deixava-o livre para vender seus quadros, mas um dia, sem nenhum motivo aparente, ele disse ao sujeito que não lhe daria mais nenhuma obra para vender. Segundo Picasso, “Rosenberg ficou quarenta e oito horas tentando imaginar por quê. Eu estaria reservando peças para um outro marchand? Eu continuava trabalhando e dormindo, e Rosenberg imaginando. Dois dias depois ele voltou, nervoso, ansioso, dizendo, ‘Afinal de contas, caro amigo, você não me abandonaria se eu lhe oferecesse tudo isso, dizendo uma quantia substancialmente maior, por esses quadros em vez do preço que estou acostumado a pagar, não é mesmo?”’

Como não temos a habilidade de Picasso, teremos que escrever com planejamento. As quatro categorias estão a seguir.

CIRURGIÕES BUCOMAXILOFACIAIS

Os pedidos de cirurgia hospitalar da maioria deles é insuficiente. O caso se resume em duas ou três páginas – um histórico do paciente, um pedido de urgência e uma lista de OPME.

Suponhamos que o pedido será feito no aplicativo da operadora e que todas as comunicações serão por e-mail. Escrever para a auditora da operadora será obrigatório para defender seu pedido de OPME. Chamarei de auditor individual e desempatador (a terceira opinião).

O primeiro erro é mentir sobre a urgência da cirurgia. Cirurgias ortognáticas são eletivas. Se a cirurgia for na ATM, o paciente tem dor e a dor pode ser controlada facilmente. Mesmo que seja com a prescrição de nimesulida e paracetamol. Portanto, nunca simule uma urgência. Não minta. Isso já irrita qualquer leitor – um texto que sabemos ser exagerado para conseguir a autorização da cirurgia.

Sugiro que seja autêntico no texto. Um texto para cada paciente. Não reaproveite papéis ou documentos do Word escritos para outro paciente. Envie à operadora tudo – cópias dos exames de imagem (radiografias e tomografias) ou pelo mesmo indique o link. Seu paciente deve ter sido indicado por algum ortodontista para a cirurgia ortognática. Se você é proprietário de um consultório, provavelmente realiza anamnese, emite termos de consentimento, propõe os honorários. Portanto, envie a anamnese e o termos de consentimento à auditora do plano.

As normas da ANS permitem a perícia ou avaliação à distância. Por isso, seu pedido deve ser claro: sempre peça uma perícia presencial de seu paciente ou, no mínimo, a avaliação do paciente por vídeo conferência. A frase é simples e parece que estamos pedindo uma simples radiografia. Portanto, escreva – Peço a gentileza de que o auditor avalie meu paciente presencialmente ou por vídeo. Acredito que as operadoras vão aperfeiçoar seus métodos nos próximos anos.

Quanto ao OPME, a situação é crítica. Isso vai de sua ética e honestidade com o material. Peça o necessário e não tente pedir procedimentos ambulatoriais para serem realizados em hospital – enxertos para cirurgia pré-protética. Não abuse das próteses customizadas – a indicação delas são para substituir ossos danificados ou perdidos, após traumas na face e avulsão de tumores. O tumor mais comum é o ameloblastoma. Em onze anos de experiência, vi apenas um caso de Oncologia. Esse processo foi julgado em duas semanas depois que tarjei como urgente (oncologia). Escrevi isso porque posso. Já me respeitam entre os juízes, portanto, tenho certas liberdades que os novatos ainda não conseguiram.

Quando a operadora notificar sobre a negativa, participe da escolha da junta, ou do desempatador. Seu documento será revisado e deve conter o que escrevi nos parágrafos acima- novamente, peça o exame presencial do seu paciente para que o desempatador faça isso. No caso dos desempatadores, vejo sempre os mesmos nomes e a maioria mora nos estados do Nordeste. Escolha um em São Paulo e escreva que seu paciente deve ser avaliado por vídeo, no mínimo.

Caso seu pedido tenha sido negado, você instruiu corretamente seu pedido. Se ele for judicializado, as provas já estão lá – anamnese, consentimento, exames de imagem. Faça sua parte.

Destaco que o termo de consentimento do hospital não é o termo de consentimento da sua cirurgia. O termo do hospital fala de tombos do paciente, de custos extras, do preço da sala cirúrgica. O termo que o bucomaxilofacial redige contém os riscos sobre parestesia, infecção. Não se esqueça de falar da posição do nariz e que ela pode mudar após a cirurgia ortognática. Informe tudo e deixe cinco linhas no fim do seu termo de consentimento.

Aprenda isso: o termo de consentimento é dinâmico. A prática me mostrou que nenhum cirurgião trabalha assim. Por isso indico cinco linhas disponíveis para anotar mudanças. Se não houver nenhuma, escreva “esclareci todas as minhas dúvidas sobre esta cirurgia” e faça o paciente assinar. Os cirurgiões não fazer ideia da importância do termo de consentimento para os juristas. Eles consideram muito e sentem muito quando não existe nenhum termo de consentimento. Muitos pacientes aceitam o termo de consentimento do hospital ou da anestesia como um termo da sua cirurgia ortognática.

Se o paciente chegou até o bucomaxilo, alguém o indicou. Portanto, a primeira consulta deve abrir um prontuário – data, queixa principal, histórico. A análise cefalométrica é uma boa opção. Se paciente sofrer dor, escreva sobre a analgesia que planejou: no mínimo paracetamol ou nimesulida. Não dar suporte analgésica é má-prática. Se seu pedido for judicializado, lembre-se que ele será avaliado por um perito e os peritos gostam de serem bem instruídos com prontuário, anamnese, radiografias, tomografias, comorbidades e principalmente com um histórico do paciente. Duas perícias vieram com uma boa instrução[3], as outras 59 tinham apenas um pedido de OPME, um curto histórico e às vezes uma imagem, que o próprio paciente resolvia trazer por conta própria, pois seu advogado e seu cirurgião nada disseram.

Os honorários devem ser especificados: o cirurgião é credenciado ou o pagamento será particular. Isso gera muita confusão. Jamais deixa para receber depois da cirurgia, quando o reembolso vier. Não caia em conversas de pessoas que não conhecem profundamente o assunto. Confie em mim.

Pedido liminar são uma questão séria. Após a cirurgia feita, o paciente corre o risco de ter de pagar ao plano de saúde no futuro. Essa é outra história, já escrevi sobre isso no meu Linkedin.

Jamais exerça a cirurgia sem um seguro de responsabilidade civil, pode ser o da APCD que é ótimo. Já escrevi sobre seguro em meu livro[4] e no meu Linkedin. Outra informação importante é que cirurgiões plásticos e médicos otorrinos estão fazendo cirurgia ortognáticas e eles tomam bastante cuidado com documentação e prontuário.

Entenda o caminho nesta ordem: seu pedido, avaliação pelo auditor individual, avaliação pelo desempatador, reclamação na justiça, petição com possível pedido de limiar, despacho do juiz de direito, nomeação de perito, laudo e sentença. Portanto, seu pedido vai rodar pelo mundo, faça-o bem redigido e ilustrado com provas de imagem.

Na perícia, avaliarei tudo isso. Falo por mim, não posso colocar a mão no fogo por outros peritos.

AUDITORES

Os métodos de auditoria estão muito pobres. Podem melhorar sem gastar dinheiro da empresa.

O primeiro conselho é começar a avaliar os pacientes presencialmente ou pelo menos por vídeo. Sugiro que o auditor enumere todos os exames que recebeu. A enumeração deve ser assim: radiografia panorâmica datada em 12 de agosto de 2024; tomografia de maxila datada em 3 de fevereiro de 2023, assim por diante. Seu laudo de auditoria precisa exigir imagens sempre.

Evite também formulários já escritos e colocados em todas as negativas de sua empresa. Diversos deles apresentam dados provenientes de outras cirurgias, como cirurgias de coluna vertebral e cirurgias de estômago. Quando notamos isso, concluímos que auditor não leu o que assinou. Isso é má-prática.

Negativas-padrão são malvistas. Personalize sua auditoria, pense que é possível fazer uma carreira na operadora. Digo isso porque elas estão na bolsa de valores. As ações delas sobem e descem. Algumas estão se tornando gigantes e acredito que seria interessante ser contratado por uma delas. Antes disso, o auditor precisa mostrar qualidade no seu trabalho. Ou talvez eu pegue seu lugar, pois já neguei propostas de trabalho em operadoras e seguradoras.

Os juízes lerão as considerações dos auditores e desempatadores e decidem de modo preliminar. Se o auditor veste a camisa do operadora, seu texto e suas justificativas precisam melhorar e não podem ser Control C e Control V.

Acredito que o trabalho de auditoria ainda vai crescer e criar seus próprios métodos e só pararão quando atingirem a perfeição, o que eu gostaria que acontecesse na minha visão de perito.

JUÍZES DE DIRETO

Uma frase que ouvi uma vez ilustra bem a carreira dos juízes: juiz gosta de papel. Agora, seria mudado para telas. Normalmente, os juízes leem quatro mil páginas por dia. Poucas delas chamam a atenção por sua redação. São redações originais com um português perfeito. O que incomoda é o juridiquês, uma linguagem que está perdendo espaço.

De qualquer forma, juízes trabalham lendo e enxergam as coisas com uma visão própria. Não acredita na frase cabeça de juiz não sabe o que pode vir. Na fase pericial, os despachos são previsíveis. As questões de Odontologia são difíceis de julgar. As fotos são consideradas nojentas e muitas juízas não gostam nem de olhar. Posso dizer isso agora, depois de onze anos muito concentrado na perícia judicial e após muitas visitas aos gabinetes.

Julgar o processo no estado em que se encontra ocorre poucas vezes. Quando ocorre, existe uma boa chance de a instância superior determinar a perícia. Já vivi isso dezenas de vezes.

O que posso dizer sobre os juízes é que algumas causas são difíceis até para os peritos, dada a falta de documentação nos autos. Tudo é muito pobre e digo aos juízes que permitam sempre que seus peritos solicitem provas. Outro problema é a omissão voluntária do prontuário. A saída é um ofício determinando a entrega, via oficial de Justiça. Considero a omissão injustificável hoje em dia. Para o dentista, basta fotografar as páginas e enviar para o WhatsApp. Isso se o prontuário não for digital, que já temos 40% dessa forma, pelos meus cálculos.

Creio que os processos cíveis da Odontologia não acrescentam muito à carreira do magistrado, são muito específicos, dependem de perícia, o texto é raro. Então, é no acredito.

O que mais digo para mais juízes? A má-fé é rara em processos de Odontologia, na maioria deles o paciente tem razão. O obstáculo é a pobreza de documentação. Fiz uma perícia uma vez em que a única prova era uma fotografia padronizada do exame cefalométrico. O paciente usou essa foto para ilustrar uma coroa anterior com a cor inaceitável. As provas confiáveis são as radiografias e tomografias. Processos com estas provas são interessantes. Condenações com danos estéticos são raras, mas acho que é um tema que pode ser revisto e as sentenças mais generosas com isso.

ADVOGADOS

Penso que advogados tem tanto espaço para apresentarem suas ideias, portanto, penso que são uma classe privilegiada. Gostaria muito de ter um trabalho no qual tivesse que redigir o dia todo. O advogado tem muito espaço para inovar.

O melhor que posso aconselhar: não promova causas da Odontologia sem um assistente técnico. Já trabalhei como assistente técnico, então sei das dificuldades, inseguranças e ansiedades em aceitar uma causa cível da Odontologia e não saber por onde começar

Adianto que as duas teses mais usadas estão desgastadas: (1) abandono de tratamento; (2) obrigação de meio. O abandono é muito difícil de comprovar.

A obrigação de meio não teve força na jurisprudência. Aconselho a pensar na Odontologia com o mesmo dever que a cirurgia plástica ou procedimentos dermatológicas – o resultado deve ser atingido. Argumentos sobre a resposta do organismo do paciente ao tratamento são ainda mais fracos. Veja que é uma frase genérica- quais respostas estamos falando? Imunológicas, cicatrização e remodelação do osso.

Por acaso, o tema cicatrização é o que permite mais teses. E existem muito livros especializados de Odontologia que são detalhados para explicar a cicatrização. Essa ideia acaba com a generalização da frase acima, que considero vazia. Pense na questão: quanto o advogado sabe sobre cicatrização? Eu já mencionei a cicatrização em minhas teses? Nisso acredito que podemos usar para os dois lados – obrigação de meio e obrigação de fim. Aprenda sobre cicatrização de feridas cirúrgias.

Os processos indenizatórios sobre infecções são ilustrados com simplicidade. Escrever sobre infecção relacionadas na assistência à Saúde permitem ótimas teses. A antiga infecção hospitalar hoje é chamada de IRAS, com milhares de estudos disponíveis. Quando trabalho como assistente técnico procuro fugir do comum e atacar na cicatrização e na infecção. Portanto, consigo boas teses de ataque ou defesa com esses dois assuntos. Embora não goste de trabalhar como assistente técnico, às vezes sou obrigado, quando o requerido é um amigo ou um colega de faculdade.

Entre as críticas que tenho aos advogados falo de escrever com agressividade na fase de impugnação do laudo. Impugnar um laudo é um trabalho muito difícil, com pouco espaço de manobra. Se o laudo foi contrário a parte que defende, melhor aceitar. Se desejar combater, combata com educação. Já recebi xingamentos absurdos de advogados. Isso não me irrita mais como no passado. Mas o que melhor posso aconselhar para os advogados é ser educado nos autos.

E as notícias correm sobre os escritórios, sobre as gafes e derrotas nos Tribunais. Escuto muito isso de outros assistentes técnicos, especialmente os assistentes das operadoras de saúde. Normalmente, encontramos os mesmos assistentes em todas as perícias. Obviamente, conversamos sobre assuntos extraprocessuais e as gafes dos advogados se espalham. Isso não ocorre por WhatsApp, pois é um costume muito antigo. Então, mantenha a sua reputação e leia As 48 leis do poder, de Robert Greene. Este livro explica que a reputação é essencial. Se um advogado tiver má-reputação, sua clientela se reduzirá.

Então concluo que o advogado deve ser educado nos autos quando se dirige ao perito. Depois de escrito, fica impossível corrigir. E nisto, os advogados falham. Basta educação nas petições, nada mais

São Paulo, 23 de setembro de 2025

(assinatura digital)


[1] Já publiquei textos no Linkedin sobre o tema das juntas.

[2] GREENE, Robert. Maestria, Ed. Rocco, São Paulo, 2015.

[3] Instruir aqui significa apresentar provas técnicas.

[4] Meu livro está disponível no site da Amazon: AMARAL, André. Introdução à perícia judicial em Odontologia, e-book, 2025.

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