
André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista e perito judicial em São Paulo.
Palavras-chave: #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos
Como eu trato a dor pós-operatória na Odontologia
A previsão de um controle efetivo da dor e um dos aspectos mais importantes do cuidado dentário. De fato, os pacientes avaliam um dentista “que não causa dor” e um dentista que possa “dar injeções sem dor” como satisfazendo o segundo e o primeiro dentre os critérios mais importantes utilizados na avaliação de dentistas.
MALAMED, Manual de Anestesia Local, 5ª edição, Mosby, São Paulo, p. 225.
Melhor do que ninguém sei que a dor pós-operatória é uma das maiores causas de judicialização. Os pacientes associam a dor à má-prática, então, se o paciente recebe um tratamento com alguns implantes e sofre dor considerável, ele entende que houve erro no procedimento e pode planejar ingressar com uma ação indenizatória contra o dentista. A literatura analisa a falta de preocupação do dentista com relação ao controle dela. Na literatura[1]:
Tratamento da dor pós-operatória – Em implantodontia, diferentes classificações e mecanismos de supressão da dor podem ser usados. Um protocolo de controle de dor foi estabelecido, o que significa e padroniza os vários aspectos de alívio da dor:
- Analgésicos não-opióides (paracetamol, ibuprofeno, naproxeno, cetoprofeno, piroxicam, nimesulida, celecoxibe, tramadol)
- Analgésicos opioides (codeína).
- Adjuvantes
A estratégia do manejo da dor usando múltiplos analgésicos com diferentes mecanismos de ação é denominada terapia analgésica combinada. O objetivo de combinar diferentes tipos é aumentar o efeito analgésico e diminuir as possíveis reações adversar farmacológicas. Quando múltiplas drogas são usadas em combinação os efeitos aditivos e sinérgicos permitem o uso de doses menores de cada droga individual. Com a terapia combinada, o paracetamol e os anti-inflamatórios são usados somados a um opioide. (…) Devido ao efeito máximo do paracetamol e dos anti-inflamatórios não-esteroidais, incrementos na dosagem não fornecerão qualquer analgesia adicional; contudo irão aumentar os efeitos colaterais.
Outro trecho[2]:
A seleção de um analgésico ou de um regime analgésico para o tratamento da dor pós-cirúrgica é idealmente baseado na intensidade esperada da dor. Isto pode ser baseado na anamnese do paciente, no limiar passado de dor, no tipo de procedimento, na extensão da reflexão tecidual e na duração do procedimento. (…) De acordo com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde, o procedimento e o paciente devem ser avaliados e classificados como leves, moderados ou severos. Dor leve: A dor leve é autolimitada e geralmente será resolvida com as doses recomendadas de antiinflamatórios. Dor moderada: Geralmente não será totalmente solucionada com antiinflamatórios não-esteroidais. Ela ira interferir com a função e interromper as atividades diárias do paciente. Dor severa: É definida com a dor que interfere com algumas ou todas as atividades diárias do paciente. Ele pode ficar confinado à cama, e o tratamento com opioides fortes necessitará ser continuados por dias. As terapias medicamentosas adjuvantes podem ser necessárias para suplementação”.
Parto do princípio de que a punção da anestesia já é um foco de dor pós-operatória. Por isso, todas as vezes que aplico anestesia condiciono a prescrição de paracetamol 500 mg. Também considero que a anestesia causa alguma alteração na consciência e sempre ofereço o dia de descanso, por meio do atestado. Essa ideia surgiu no livro do Malamed[3], quando o autor informa que pilotos de caça não podem pilotar por vinte e quatro horas após receber anestesia dentária. Se considerarmos que dez porcento das anestesias são acidentalmente intravasculares. O reflexo do piloto pode se reduzir e ele é responsável por um avião que custa alguns milhões de dólares, sem contar as possíveis vítimas em solo ou qualquer outro dano que um acidente aéreo possa causar.
Já os procedimentos com Dentística, a cunha de madeira, as matrizes, grampos de isolamento provavelmente machucarão as gengivas. Já considero como dor pós-operatória, somada com a dor causada por aplicação da anestesia. O paracetamol vira a regra.
Já nos casos de Endodontia, trato com agressividade: o possível flare-up pós-esvaziamento do canal pode manchar a reputação do dentista. Segundo Malamed[4]: o dentista bom é aquele que trabalha sem dor – ou seja, aquele que sempre anestesia. Para Endodontia, uso medicamentos injetáveis, na maioria das vezes, ofereço uma receita com diclofenaco sódico 75 mg, uma ampola no glúteo. Além disso, sempre prescrevo um antiiflamatório numa receita que ficará disponível nas horas seguintes, para o paciente optar se precisa de mais analgesia. A nimesulida e o cetroprofeno são ótimos. Porém, simpatizei com o celecoxibe 200 mg, a cada doze horas, por quatro dias. Pelas minhas observações em mais de vinte anos, o celecoxibe raramente causa desconforto gástrico, que observei ser a principal queixa. No entanto, o celecoxibe não é um bom analgésico. A bula indica para tratamento da dor, em uma dose inicial de 400 mg. Não tive boas experiências com essa prescrição. Então, gosto de uma prescrição de Voltaren injetável com uma receita de celecoxibe disponível numa receita em casa. Na bula do Ducox, Celecoxibe 200 mg:
Ducox (celecoxibe) é indicado para o tratamento sintomático da osteoartrite (lesão crônica das articulações ou “juntas”) e artrite reumatoide [inflamação crônica das “juntas” causada por reações autoimunes (quando o sistema de defesa do corpo agride por engano a si próprio)]; alívio dos sintomas da espondilite anquilosante (doença inflamatória crônica que atinge as articulações da coluna, quadris e ombros); alívio da dor aguda, no pós-operatório de cirurgia ortopédica ou odontológica e em doenças musculoesqueléticas (como entorse do tornozelo e dor no joelho e na coxa); alívio da dismenorreia primária (cólica menstrual) e alívio da lombalgia (dor nas costas).
O alívio da dor aguda é insuficiente com celecoxibe, pela minha experiência.
Recentemente, tenho ouvido os endodontistas condenarem a prescrição de anti-inflamatórios na pulpectomia, por uma suposta interferência na reparação tecidual. Usam apenas dipirona. Não ouvi fundamentação quando perguntei para uma colega, então pesquisei no Google e a resposta foi:
Um endodontista pode não usar um anti-inflamatório imediatamente porque a dor que surge após o tratamento de canal é uma reação inflamatória normal e passageira. Em muitos casos, o desconforto pode ser aliviado com analgésicos simples, e um anti-inflamatório só seria considerado em último caso ou se a dor não melhorar. Além disso, o dentista deve sempre prescrever o medicamento adequado com base em cada tipo de caso, considerando os possíveis efeitos colaterais e a condição do paciente.
Por que não usar anti-inflamatório de imediato?
É uma resposta inflamatória normal: Após um tratamento de canal, é comum haver inflamação e sensibilidade nos tecidos ao redor do dente, o que é uma reação natural do processo.
Pode ser suficiente um analgésico: Em muitos casos, um analgésico simples pode controlar o desconforto.
Avaliação da necessidade: O endodontista precisa avaliar a intensidade e persistência da dor para determinar se há necessidade de um anti-inflamatório, em vez de usá-lo rotineiramente.
Discordo frontalmente dessa conduta, talvez minha visão de perito tenha me tornado mais defensivo. É que justamente estou propondo neste pequeno texto, para evitar a todo custo dor pós-operatória e a Endodontia é uma das disciplinas que mais enfrenta a agudização do caso. E como já disse, o paciente interpreta isso como má-prática e pensa em pedir indenizações.
Já nos casos da Cirurgia Oral, a dor pós-operatória será certa. A mão deve ser pesada com os analgésicos, como descritos: paracetamol, paracetamol com codeína 30 mg e o tramadol. Uma prescrição um pouco mais cara é a soma de tramadol com celecoxibe. Nos casos de exodontias de terceiros molares, a injeção de AINE é obrigatória (nas minhas observações). Na literatura, Andrade indica o Diprospan (betametasona injetável) como medicação antes do procedimento. Já trabalhei com dentistas bem mais experientes que nunca usavam nenhum tipo de anti-inflamatório. A prescrição deles sempre foi Tylex (paracetamol com codeína 30 mg). Esse dentista me garantiu que usava essa estratégia com sucesso havia trinta anos. Na literatura[5]:
Regimes analgésicos para o uso na clínica odontológica:
Analgesia preemptiva: tem início antes do estímulo nocivo, ou seja, previamente ao trauma tecidual. Neste regime, são empregados fármacos que previnem a hiperalgesia, que pode ser complementada com anestésicos locais de longa duração.
Analgesia preventiva: o regime tem início imediatamente após o dano tecidual, porém antes do início da sensação dolorosa. Em termos práticos, a primeira dose do fármaco é administrada no final do procedimento, com o paciente ainda sob os efeitos da anestesia local, seguida pelas doses de manutenção no pós-operatório, por curto prazo.
Analgesia perioperatória: o regime é iniciado antes da lesão tecidual e mantido no período pós-operatório imediato. A justificativa para isso é de que os mediadores pró-inflamatórios devem se manter inibidos por um tempo mais prolongado, pois a sensibilização central pode não ser prevenida se o tratamento for interrompiado durante a fase aguda da inflamação.
O regime mais eficaz com os AINEs é o de analgesia preventiva, introduzindo imediatamente após a lesão tecidual, porém antes do início da sensação dolorosa. Em termo práticos, a primeira dose é administrada no final do procedimento (paciente ainda sob os efeitos da anestesia local), seguida das doses de manutenção, por curto período. Os AINEs também são eficazes na dor já instalada (p.ex: pericementites), como complemento dos procedimentos de ordem local (remoção da causa).
Observei quando tive uma fratura no osso calcâneo e que, por isso, fiquei engessado por seis semanas. A dor era intensa, numa escala de zero a dez, era nota sete. O ortopedista havia me prescrito tenoxicam 20 mg (Tilatil) e tramadol 100 mg, cada um deles a cada doze horas. Não tomava os dois juntos, mas um comprimido a cada seis horas, alternador. Percebi que o tenoxicam era muito mais analgésico que o tramadol sozinho. Depois de observações com pacientes, concluí que a maioria dos AINEs (antiiflamatórios não hormonais, corticoides) é mais potente do que os analgésicos de ação central (tramadol ou codeína) no alívio da dor. Confirmei com alguns pacientes, que me afirmaram que haviam observado isso também.
Portanto, parto do princípio de que AINEs são mais potentes que os analgésicos de ação central, sempre com as apresentações comuns no mercado brasileiro – Tramal ou Tylex. Eles são mais analgésicos: diclofenaco, naproxeno, piroxicam, cetoprofeno.
Criei esta escala de analgesia por via oral: primeira forma de analgesia – paracetamol 500 mg ou 750 mg, a cada seis horas. A segunda forma de analgesia – diclofenaco, naproxeno, piroxicam e cetoprofeno. E a terceira forma de analgesia – diclofenaco, naproxeno, piroxicam ou cetoprofeno somados com um analgésico de ação central (Tramal e Tylex).
Por outro lado, se a via intramuscular for disponível no Serviço, como no meu caso no ambulatório da Prefeitura no qual temos a sala de medicação. A primeira forma é a injeção de diclofenaco sódico 75 mg, dose única, aplicada no glúteo. A segunda forma é a soma da primeria, somada com um dos cinco AINEs da lista acima. E terceira forma, quando se espera dor muito intensa seria: injetável na UBS ou outro Serviço, anti-inflamatório via oral somado com uma receita de analgésico de ação central – tramadol e codeína. Dessas formas, esse protocolo vem me servido há muitos anos.
As posturas que não me agradam são aquelas que diz para “tomar dipirona se tiver dor” ou “qual analgésico você está acostumado?” da qual a resposta é ibuprofeno na maioria das vezes. Entendo que esse comportamento transfere a responsabilidade do dentista para o paciente, que é leigo, obviamente. Tenho observado minha outra modalidade de trabalho – a perícia judicial em Odontologia – que esta prática está associada a futuros pedidos judiciais de indenização. Portanto, levo a analgesia pós-operatório a sério, sempre oferecendo anestesia diante de todos os casos que a mínima dor for possível. Outro protocolo, na literatura[6]:
Analgesia perioperatória: prescrever 4 a 8 mg de dexametasona a serem tomados uma hora antes da intervenção. Administrar 1 g de dipirona sódica imediatamente após o procedimento. Prescrever 500 mg de dipirona a cada quatro horas pelo período de vinte a quatro horas. Caso a dor persista após esse período, prescrever nimesulida 100 mg por via oral ou cetorolaco 10 mg sublingual, a cada doze horas, pelo período máximo de 48 horas.
Não tenho qualquer experiência com o cetorolaco (Toragesic), talvez seja interessante tentar usar qualquer dia, na bula:
Toragesic® é um anti-inflamatório não hormonal, de potente ação analgésica, usado para o tratamento a curto prazo, da dor aguda de moderada a severa intensidade.
Conclusões
A analgesia e a anestesia são úteis para a reputação do dentista. Aplicar anestesia de forma a prevenir a dor – em quase todos os procedimentos – melhora nossa reputação. Considerar a dor pós-operatória como possível sinal de problemas jurídicos futuros é bom para a reputação, por isso nunca transfira a responsabilidade da analgesia para os pacientes, na forma de “tome o que está acostumado a tomar”. Portanto, assumir o protagonismo no tratamento, sem essa postura antiga.
São Paulo, 19 de setembro de 2025
(assinatura digital)
[1] Implantes Dentais Contemporâneos, Carl E. Misch, 3ª edição, Elsevier, p. 477.
[2] Implantes Dentais Contemporâneos, Carl E. Misch, 3ª edição, Elsevier, p. 480.
[3] A lidocaína e a procaína diferem um pouco dos outros anestésicos locais, pois pode não ser observada a progressão habitual dos sinais e sintomas mencionados. A lidocaína e a procaína frequentemente produzem uma sedação leve inicial ou sonolência (mais comum com a lidocaína). Em razão desse potencial, a Força Aérea e a Marinha dos EUA mantêm os pilotos de aeronaves em solo por 24 horas após o recebimento de um anestésico local.
MALAMED, Manual de Anestesia Local, 5ª edição, Mosby, São Paulo, p. 32-33.
[4] O administrador de anestésicos locais que adere a essas etapas adquire entre os pacientes a reputação de ser um “dentista sem dor” em MALAMED, Manual de Anestesia Local, 5ª edição, Mosby, São Paulo, p. 167.
[5] ANDRADE, Terapêutica Medicamentosa em Odontologia, Artes Médicas, São Paulo, 2014, p. 46-47.
[6] ANDRADE, Terapêutica Medicamentosa em Odontologia, Artes Médicas, São Paulo, 2014, p. 102.
Deixe um comentário