Dever de informar (antes do tratamento) na Odontologia

André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista em São Paulo, perito judicial no TJSP.

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Dois fatores participam informação ao paciente – informações claras prestadas pelo dentista (fator intrínseco) e informações tomadas na internet ou redes sociais (fator extrínsecos).

O Direito se ocupa dessa intersecção entre Direito e Odontologia, na literatura[1]:

Assim como em outras atividades na área da saúde, o cirurgião-dentista tem o dever de informar o paciente sobre os riscos do procedimento e suas possíveis consequências. O direito do paciente à informação e o dever do prestador de serviços de informar estão previstos no art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor, que determina, como direito básico do consumidor.

Não hesite em perguntar, pois o dentista deve lhe informar. A informação verbal é suficiente quando o procedimento é realizado em uma consulta, uma restauração, uma raspagem, uma profilaxia. Ou aqueles sem aplicação de anestesia local. A primeira pergunta ou a primeira resposta sempre trata da anestesia – o paciente pergunta ou o dentista já logo explica.

Informações sobre a anestesia

A aplicação de anestesia local já implica poucos riscos, que por outro lado é de conhecimento da população. Nesse ponto, entram os equívocos: pacientes que confundem a anestesia local com a sedação, lembram de casos trágicos de famosos, acham que a anestesia local pode matar. Isso é raro, mas a reação adversa mais comum é o desmaio ou síncope. A mais grave pode ser uma convulsão na cadeira do dentista.

A anestesia local guarda pouca relação com a anestesia geral. Não existe inconsciência no primeiro caso, a anestesia é liquida, nenhuma veia é puncionada. Justamente, a anestesia local não deve ser feita dentro de uma veia ou artéria, pois pode causar a convulsão. A anestesia geral contém líquidos e gases (anestésico gasoso e oxigênio).

Como adjuvantes da anestesia local, raramente usamos outros fármacos. Para pacientes muito tensos, poderíamos usar os benzodiazepínicos – alprazolam, midazolam, Diazepam – por comprimidos, uma ou duas horas antes da consulta. A injeção desses fármacos é rara, embora presente na literatura[2] odontológica.

A anestesia geral emprega gás anestésico, analgésico opioide, relaxantes musculares, calmantes e a respiração feita por uma máquina – por isso, a pessoa é intubada. A pressão do ar é feita diretamente na traqueia. Quando o dentista julgar necessária a anestesia geral, ela será feita no hospital, prescrita por uma pessoa que ficará encarregada somente da manutenção da anestesia, da inconsciência e da respiração – esse é o médico anestesiologista.

Se a anestesia estiver bem esclarecida, em especial por escrito, as informações que devem se seguir serão sobre o procedimento. Se ele é permanente ou definitivo e quais podem ser o bons e maus resultados.

Informações sobre o procedimento em si

Um bom exemplo é a dúvida sobre tratamentos endodônticos[3]. Muitas pessoas ignoram se o tratamento é definitivo. A primeira etapa do tratamento endodôntico é o esvaziamento do interior do dente, o nervo será removido por uma lima endodôntica.

Essa fase poderia ser transitória, pois é a fase do curativo. Nela, esperamos o fim da inflamação ou infecção, que pode levar até uma semana. Analgésicos, antiiflamatórios e antibióticos podem acompanhar esse esvaziamento. Teoricamente, a dor deve passar após essa etapa.

Para simplificar, a próxima etapa é o preenchimento do canal. Isso já é um pouco mais abstrato, mas o resultado seria permanente ou definitivo. Usamos alguns materiais, como a guta-percha, para preencher o canal. Portanto, antes desse ponto, a informação deve sair do dentista e entrar na compreensão do paciente. Um termo de consentimento é recomendado.

Lembre que nos casos urgentes, o consentimento pode ser dispensado. Quando um paciente está com um abscesso na boca, dificilmente compreenderá os parágrafos de um texto. Por isso, a primeira fase de esvaziamento é na maioria das vezes urgente por causa da dor, com a dispensa do termo. Isso não impede que na próxima consulta, para o preenchimento, o dentista não deva informar por escrito, colher a assinatura e esclarecer todas as dúvidas do paciente.

Portanto, a informação é a pura comunicação entre o dentista e seu paciente. A propaganda excessiva é desfavorável, já que vemos muita propaganda nas redes sociais.

A melhor dica para o dentista seria o uso de checklists para que nenhuma etapa seja pulada. Um documento em local visível é suficiente para nenhuma etapa ser esquecida. Gosto de usar tampos de vidro sobre as mesas de trabalho e sob o vidro, um checklist é fundamental. Dessa forma, o dentista não errará.

O lado ruim da informação é a quantidade de informações sem assinatura, sem conhecimento e geradas por inteligência artificial que a internet nos dá. Algumas pessoas já estão viciadas em perguntar tudo para o Copilot e para o Chat-GPT. Embora a própria IA responda com uma advertência sobre a qualidade das informações, as pessoas tomam o texto como verdadeiro. Lembre-se que existe um contexto em cada parágrafo e a inteligência artificial não consegue notar o contexto da situação. Espero que nunca consiga. Já conversei com o Copilot da Microsoft e foi bem interessante. Mas isso foi um teste, não podemos ser diagnosticados por meia da IA. Vi uma reportagem da BBC de Londres que mostrava que os ingleses estavam usando o Chat-GPT como psicólogos e dispensado as consultas com humanos, pois acreditavam que as respostas da inteligência artificial se aproximavam das respostas dos psicólogos. Porém, falta o contexto.

As informações de baixa qualidade levam às expectativas irreais dentro da Odontologia. A propaganda enganosa pode se juntar às expectativas irreais e criar um problema legal, com a necessidade de advogados e julgamentos. Alguns pacientes se aproveitam dessa brecha e até conseguem vencer esses processos e ganhar uma indenização. Na literatura[4]:

 Anúncios ou promoções por escrito, às vezes, podem ser interpretados como garantia de resultados. Pacientes que têm dificuldade em mastigar após confecção de próteses novas podem considerar quebra de contrato se foi prometido inicialmente que poderiam comer qualquer tipo de alimento sem dificuldade. Os pacientes valorizam e esperam uma discussão com o cirurgião-dentista a respeito dos seus casos. Folhetos e outros tipos de informativos frequentemente são bastante úteis para dar aos pacientes informações gerais e específicas sobre os cuidados cirúrgicos e dentários. Pacientes que necessitem de intervenções cirúrgicas se beneficiarão de informações sobre a natureza de seu problema, o tratamento recomendado e as alternativas, expectativas e possíveis complicações. Essas informações devem ter um formato organizado, de fácil entendimento e ser escritas em linguagem acessível. Quando o cirurgião-dentista tem uma discussão específica com um paciente ou fornece a ele algum material informativo, isso deve ser documentado na ficha do paciente. A insatisfação com resultados estéticos ou funcionais está geralmente ligada a expectativas irracionais, muitas vezes fomentadas por comunicação deficiente entre o dentista e o paciente, ou ainda propaganda excessiva. Os conceitos atuais de consentimento informado baseiam-se em dar ao paciente as informações necessárias, a ponto de obter o consentimento por escrito ou a assinatura do paciente para uma intervenção. Além de atender às obrigações legais, há várias vantagens em obter-se o consentimento informado dos pacientes. Primeiramente, pacientes informados, que entendem a natureza do problema e possuem expectativas realistas, são menos propensos a mover uma ação contra o cirurgião-dentista. Em segundo lugar, um consentimento informado bem apresentado e documentado evita frequentemente alegações frívolas e infundadas do paciente, baseadas em mal-entendidos ou em expectativas fora da realidade. Finalmente, a obtenção de um consentimento informado oferece ao cirurgião-dentista a oportunidade de desenvolver um relacionamento harmonioso com o paciente, pois demonstra que o profissional tem interesse pessoal em seu bem-estar.

A documentação e boa comunicação evitam surpresas desagradáveis após o tratamento, suas sequelas e os chatíssimos processos indenizatórios.

Informações sobre sequela e sobre resultados negativos

O paciente deve saber. Um ditado diz: as regras do jogo valem somente quando feita antes do jogo. Nada mais verdade. Depois do estrago, nada adianta trazer livros e artigos científicos para justificar uma sensibilidade anormal após uma simples anestesia na mandíbula.

Porém, pode parecer forçado oferecer um termo antes da anestesia local.

São Paulo, 29 de agosto de 2025

(assinatura digital)


[1] SILVA, Regina Beatriz Tavares, Responsabilidade civil: responsabilidade civil na área da saúde / coordenadora Regina Beatriz Tavares da Silva. – 2. ed. – São Paulo : Saraiva, 2009. – (Série GV-law), p. 185,livro digital

[2] ANDRADE, Eduardo.

[3] Chamados popularmente de tratamento de canal.

[4] HUPP, ELLIS, Cirurgia Oral e Maxilofacial Contemporânea, Hupp. Editora Elsevier, 3ª edição, p. p. 203.

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