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André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista e perito judicial em São Paulo
A REGRA NÚMERO UM DO RELACIONAMENTO
Esqueça que você foi nomeado porque é inteligente ou porque tem muitas especializações ou um currículo invejável, até porque se sente superior. Se o juiz o escolheu, resolva tudo que aparecer. Ele vai agradecer, apenas não pise no calo dele. Ele é o mestre, todo o crédito se deve a ele. Nunca usurpe essa função. Do resto, crie tudo e escreva seu laudo com já fosse a sentença judicial, deixe para a autoridade judiciária apenas arbitrar os valores. Se agir de modo passivo, será substituído por outro mais ousado.
Nunca ofusque o brilho do mestre, escreveu Robert Greene em seu best-seller As 48 Leis do Poder[1], que começa no primeiro capítulo: Faça sempre com que as pessoas acima de você se sintam confortavelmente superiores. Querendo agradar ou impressionar, não exagera exibindo seus próprios talentos ou poderá conseguir o contrário – inspirar medo e insegurança. Faça com que os mestres pareçam mais brilhantes do que são na realidade e você alcançará o ápice do poder.
E conta a história de Nicolas Fouquet, ministro das finanças do Rei Luís XIV, que acabou preso numa ilha, pois cometeu o erro de desafiar o rei-sol, ao fazer uma festa e deixar o rei em segundo plano. O mesmo acontece com o perito, nunca deixe o juiz em segundo plano, use palavras diminutivas para se autorreferir como – auxiliar, nomeado. Nunca assuma o pensamento de que está na presidência do processo. No entanto, trazer soluções incomuns e criativas para resolver os problemas do juiz de direito é sempre inteligente: pressão da Corregedoria de Justiça, erros cometidos pelo juiz ou seus subalternos, julgamentos que foram anulados por falta de perícia no primeiro grau (mas por ordem dos desembargadores).
CONVITE PARA SER PERITO. PROPONHA SOLUÇÕES
Isso existe e já aconteceu comigo umas dez vezes. Sempre na situação semelhante, cidades pequenas com vara de Justiça única. Na falta de peritos, normalmente eles pedem para a capital do Estado, por telefone, para indicar um perito. Às vezes, e isso aconteceu em Brasília comigo, um advogado sugeriu que o processo era muito complexo e que um perito deveria ser procurado em São Paulo ou Rio de Janeiro. No caso foi no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Outro caso, pode ser o contato com a Universidade Federal para que indique um professor para resolver o caso pericial. Por incrível que pareça, os professores alegaram que tinham muito trabalho e recusaram a nomeação.
Os juízes se comunicam entre eles, normalmente aqueles que se conhecem ou que fizeram faculdade juntos e que tomaram rumos diferentes, um virou juiz do trabalho, outro virou juiz federal e outro, juiz estadual. Não importa, eles se conversam para o bem e para o mal. Isso explica quando algum perito comete um erro grosseiro na perícia e, num sopro de vento, ninguém mais o chama para nenhuma perícia.
Um dia, algum funcionário de uma cidade da qual nunca ouviu falar liga no seu telefone. Por exemplo, no Nordeste eles são práticos. Não intimam ninguém ser ter certeza de que a pessoa vai aceitar o encargo. Conduta que não fazer em São Paulo, que chega a nomear dez peritos nos autos e ninguém aceita. Em destaque, para processos com morte na cadeira do dentista. A estratégia é: pesquisam peritos em cidades maiores, assim o escrivão pode ligar, perguntar se quer ver o processo, perguntar quanto vai cobrar. Normalmente, juiz está na sala ouvindo a conversa para já dizer sua decisão. Se disser que aceita e que vai cobrar R$ 5.000,00; a escrivã pode adiantar que lá na cidade não há como cobrar aquele valor. Confie nela, ajude a resolver o problema deles e será recompensado.
Por exemplo, no meio da epidemia de COVID, eu não estava recebendo nomeações. O telefone tocou de uma cidade com quarenta mil habitantes, a 300 km da minha casa, mas no Estado de São Paulo. A escrivã me ligou e explicou: eles haviam recebido um pedido de liminar para uma cirurgia da qual não sabiam pronunciar o nome da patologia – ameloblastoma. Expliquei que era comum na Odontologia. Havia uma paciente, sem dinheiro, que não poderia viajar até a Capital, São Paulo. Perguntaram se eu tinha alguma ideia: lógico que eu tive a ideia, disse que iria até lá e que queria R$ 8.000,00. Mas não havia nada aberto na cidade, não conhecia ninguém que pudesse alugar um consultório. Mas me surgiu uma ideia, e se eu pedisse uma UBS e usasse o consultório para examinar a paciente. Foi o que fiz. Entrei no site da Prefeitura da cidade e descobri o nome da dentista responsável pelo atendimento odontológico. Não era tão pequeno, pois havia quinze dentistas na Prefeitura do município. Conversei com a colega e expliquei a situação. Imediatamente, ela me indicou um endereço e disse que o ideal seria que fosse marcada numa segunda-feira. Disse que sim, combinei tudo e peticionei no processo: a perícia será realizada no dia 15 de abril de 20XX, na UBS e coloquei o endereço. Também pedi à juíza que permitisse o pagamento de metade antes da perícia, para cobrir os custos e dada a situação incomum, epidemia de coronavírus.
Tudo deu certo.
MOBILIDADE DO PACIENTE, SERVIÇO SOCIAL
O comum é que o paciente vá até o perito. Mas como fazer quando a pessoa não tem dinheiro e mora muito longe, ainda some-se que a pessoa tem dificuldades de locomoção. A resposta é fácil, ao invés de acionar o dentista da Prefeitura, nós acionaremos o Serviço Social do município. Da mesma forma, iremos buscar no site para encontrar o nome da assistente social responsável, ligaremos para ela, muito educadamente, explicaremos a solução. Nesses casos é importante marcar a perícia num prazo mais distante, digamos sessenta dias a frente.
Entenda que o transporte do periciado será o mesmo que uma ambulância. Em municípios pequenos, possivelmente existem moradores que precisam fazer hemodiálise ou outros tratamentos para doenças renais, duas ou três vezes por semana. Pode contar que eles existem. A lógica para o periciado será a mesma. Ele irá numa perua da Prefeitura, como se fosse para a hemodiálise, mesmo que viajem por 700 km. Já aconteceu comigo. Então, nunca se esqueça da existência do serviço social. Quem me ensinou isso foi um juiz em Catanduva, SP.
SOLUÇÃO POR VÍDEO CONFERÊNCIA
Pense que o paciente já morreu. Isso aconteceu muito durante o COVID, quando autores e dentistas morriam no hospital e ainda um processo corria sem solução. Até mesmo um morto pode ter que pagar uma indenização, já vi ocorrer. Assim, a sentença judicial é chamada de crédito judicial – aquele que foi reconhecido pela justiça numa decisão transitada em julgado[2] – e o credor poderá entrar contra os herdeiros. Vi isso acontecer no Fórum de Nossa Senhora do Ó, pois as famílias se odiavam e o vencedor resolveu cobrar dos herdeiros, dos filhos do rival, que havia morrido rapidamente por COVID.
Outro caso, o paciente morreu naquilo que a família supõe que seja por causa do tratamento odontológico. No caso, um garoto de onze anos tinha ido a uma consulta de manhã, e na mesma noite teve uma forte crise de asma (da qual a família já sabia) e com distâncias no sertão, levou tempo para ser transportado para um hospital a 34 km de sua casa. Alguém na família resolveu ouvir os palpiteiros de plantão e inventaram uma teoria absurda: a asma foi agravada pelo anestésico do dentista, naquela manhã, mas que gerou um tipo mais grave de broquioconstrição e uma teoria sem qualquer lógica. No caso, ninguém no Ceará queria aceitar a perícia, ainda mais com pagamento da tabela da Justiça Gratuita, na época uns R$ 300,00. Então ligaram para Fortaleza, a escrivã procurou no Google e achou meu nome. Então, aceitei o encargo, mas como não havia vítima para ser ouvida, resolvi ouvir a dentista da UBS por vídeo, com a mãe da suposta vítima também na chamada. Fiz algumas perguntas, pois sabia que não havia qualquer lógica. E ainda a dentista declarou ter usado lidocaína, no qual achei no livro do Malamed[3], um parágrafo sobre a inexistência de alergia à lidocaína com notícias na literatura. Mas para o leitor, eu não estava ali para periciar, estava ali para dar atenção a mãe do garoto, depois deixei ela falar, para desabafar e independente do que dissesse, aquele momento era importante, trazer alguém de São Paulo para ouvir a tragédia do filho dela era mais importante ainda. A perícia teve um efeito terapêutico para uma mãe que sofria. Não significava outra coisa. Não havia nada mais a ser feito, talvez somente um pouco de atenção.
Escrevi um laudo de oito páginas, basicamente explicando que estavam confundidas cada coisa, que os livros diziam outras coisas, que aquilo tinha sido uma infeliz coincidência. A função do perito era aquela.
Por acaso, esta perícia me rendeu outras vinte e duas no Ceará.
PRESSÃO DA CORREGEDORIA DE JUSTIÇA
Acima dos juízes, existe a Corregedoria de Justiça, que cobra a produtividade e produz estatísticas comparativas entre comarcas, juízes, câmaras de julgamento. De um modo geral, os corregedores localizam pontos de estrangulamento e varas superlotadas, investigam os motivos e se há muitos preguiçosos por lá.
Outra situação que me aconteceu duas vezes foi em capitais do Nordeste. Havia muitos processos com indenizações em Odontologia parados, por falta de peritos. E quem me ligou foi uma juíza auxiliar de Corregedoria, explicou-me a situação e me pediu uma sugestão. Sugeri um mutirão de perícias. Reunir todos os processos em um lote, ou seja, vinte e dois processos, para serem resolvidos em seis dias da semana. Ela gostou da ideia, pediu uma semana. Durante essa semana, telefonei e conversei com uma dentista em Maceió que concordou em alugar o consultório para mim e até ajudou nas perícias! Ela gostou tanto, que está tentando a sorte como perita.
Então, a juíza me ligou depois de uns dias e me deu liberdade para trabalhar do meu modo. No caso, ela já tinha as minhas referências fornecidas pelo seu par na Corregedoria de Justiça de São Paulo. Portanto, nada foi coincidência. Já sabiam do meu trabalho, já haviam buscado informações sobre mim. E no fim, ainda conheci juízes corregedores em São Paulo, que me tratam com grande respeito e me ligam para consultas rápidas verbais, sobre liminares e outros assuntos que não conseguem sequer pronunciar os nomes das peças de OPME.
O mutirão se realizou em Maceió com sucesso e a ideia foi parar em Brasília. E espero que outros desses venham neste ano de 2025.
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
A boa fama gera serviços que nem imaginamos. Não posso falar muito sobre eles, mas posso dizer que ajudei (sem ganhar em dinheiro), mas ganhar fama e respeito, ajudei os promotores de Justiça do fórum da Barra Funda, famoso em São Paulo por julgamento de crimes famosos, repercussão nacional.
De qualquer forma, ofereça-se para qualquer serviço, como disse o Navy Seal, Gene Wentz[4], soldado de elite com maior número de medalhas na Guerra do Vietnã. Em seu livro, ele atribuiu a sua fama à sua capacidade a se voluntariar a todos os trabalhos que apareceram durante a guerra.
CONCLUSÃO: VOLUNTÁRIO
Devo muito dessas ideias a este livro de Gene Wentz. Na obra, ele contou que se voluntariava para todas as missões: investigou construções que alegavam ser habitadas pelo sobrenatural na selva do Vietnã, reconhecimentos de longos dias no delta do Rio Mekong, no qual nada acontecia. Até mesmo à captura de um coronel do Vietnã do Norte, missão de extremo perigo, que deveria ser cumprida em seis dias, sem dormir. Li esse livro quando tinha uns vinte anos de idade, mas essa flexibilidade desse soldado nunca esqueci. Acho que na perícia, teremos que agir da mesma forma, aceita tudo: perícias que não pagam nada, viajar a outros estados, oferecer ajuda aos juízes corregedores e promotores de Justiça, sem receber dinheiro. A flexibilidade o obriga o criar e oferecer saída, que no fim das contas, até se esquece que é dentista, que está escrevendo laudos. Pense como um soldado de elite e seja voluntário para tudo no mundo pericial.
São Paulo, 10 de abril de 2025
(assinatura digital)
[1] GREENE, Robert, Editora Rocco, São Paulo, 2001.
[2] Decisão que não pode mais ser alterada por recurso judicial, a chamada coisa julgada.
[3] MALAMED, Stanley, autor muito famoso por seu livro sobre técnicas anestésicas em Odontologia.
[4] WENTZ, Gene, Men In Green Faces, um livro sobre as forças especiais na Guerra do Vietnã. Somente em língua inglesa.
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